domingo, 2 de junho de 2019

Papa beatifica 7 bispos: "deixaram ao povo romeno uma herança preciosa".


VIAGEM APOSTÓLICA À ROMÊNIA

DIVINA LITURGIA COM A BEATIFICAÇÃO
DE 7 BISPOS GRECO-CATÓLICOS MÁRTIRES

HOMILIA DO SANTO PADRE
Campo da Liberdade em Blaj, Romênia
Domingo, 2 de junho de 2019

«Rabi, quem foi que pecou para este homem ter nascido cego? Ele, ou os seus pais?» (Jo 9, 2). Esta pergunta dos discípulos dirigida a Jesus desencadeia uma série de movimentos e ações que permeiam toda a narração evangélica, desvendando e colocando em evidência aquilo que realmente cega o coração humano.

Jesus, como os seus discípulos, vê o cego de nascença, é capaz de o reconhecer e colocá-lo no centro. Depois de ter declarado que a sua cegueira não era fruto do pecado, mistura o pó da terra com a sua saliva e, com a lama feita, unge-lhe os olhos; depois ordena-lhe que vá lavar-se à piscina de Siloé. Depois de se ter lavado, o cego recupera a vista. É interessante notar que o milagre é narrado apenas em dois versículos; todos os outros concentram-se, não sobre o cego curado, mas sobre as discussões que levanta. Parece que a sua vida e especialmente a sua cura se tornem banais, jocosas ou motivos de debate bem como de enfado e irritação. O cego curado é interrogado primeiro pela multidão atónita, depois pelos fariseus; e estes interrogam também os seus pais. Colocam em dúvida a identidade do homem curado; depois negam a ação de Deus, tomando como desculpa que Deus não trabalha ao sábado; chegam até a duvidar que aquele homem tivesse nascido cego.

Toda a cena e as discussões revelam como é difícil entender as ações e as prioridades de Jesus, capaz de trazer para o centro aquele que estava na periferia, especialmente quando se pensa que a primazia é dada ao «sábado» e não ao amor do Pai, que procura salvar todos os homens (cf. 1 Tm 2, 4); o cego tinha de conviver não apenas com a sua própria cegueira, mas também com a daqueles que o rodeavam. É o que fazem as resistências e hostilidades que surgem no coração humano, quando no centro, em vez das pessoas, se colocam interesses particulares, rótulos, teorias, abstrações e ideologias, que, onde campeiam, nada mais fazem senão cegar tudo e a todos. Mas a lógica do Senhor é diferente: longe de se esconder na inatividade ou na abstração ideológica, procura a pessoa com o seu rosto, com as suas feridas e a sua história. Vai ao encontro dela, e não Se deixa enganar por discursos que são incapazes de dar a prioridade e pôr no centro aquilo que realmente é importante.

Estas terras conhecem bem o sofrimento do povo, quando o peso da ideologia ou dum regime é mais forte do que a vida e se antepõe como norma à própria vida e à fé das pessoas; quando a capacidade de decisão, a liberdade e o espaço para a criatividade se veem reduzidos e até eliminados (cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’, 108). Irmãos e irmãs, vós suportastes os discursos e as intervenções baseadas no descrédito que chegavam à expulsão e aniquilação de quem não se pode defender, e silenciavam as vozes dissonantes. Pensemos, em particular, nos sete Bispos greco-católicos que tive a alegria de proclamar Beatos. Perante a feroz opressão do regime, demonstraram uma fé e um amor exemplares pelo seu povo. Com grande coragem e fortaleza interior, aceitaram ser sujeitos a dura prisão e a todo o tipo de maus-tratos, para não renegar a pertença à sua amada Igreja. Estes pastores, mártires da fé, recuperaram e deixaram ao povo romeno uma preciosa herança que podemos resumir em duas palavras: liberdade e misericórdia.

A propósito da liberdade, não posso deixar de observar que estamos a celebrar esta Divina Liturgia no «Campo da Liberdade». Este significativo lugar recorda a unidade do vosso povo que se realizou na diversidade das suas expressões religiosas: isto constitui um património espiritual que enriquece e carateriza a cultura e a identidade nacionais romenas. Os novos Beatos sofreram e sacrificaram a sua vida, opondo-se a um sistema ideológico iliberal e coercitivo dos direitos fundamentais da pessoa humana. Naquele triste período, a vida da comunidade católica foi colocada a dura prova pelo regime ditatorial e ateu: todos os bispos e muitos fiéis da Igreja Greco-Católica e da Igreja Católica de Rito Latino foram perseguidos e encarcerados.

O outro aspeto da herança espiritual dos novos Beatos é a misericórdia. Neles, a tenacidade em professar a sua fidelidade a Cristo foi acompanhada por uma disposição ao martírio sem palavras de ódio contra os perseguidores, em relação aos quais demonstraram uma substancial mansidão. É eloquente aquilo que declarou durante a sua prisão o Bispo D. Iuliu Hossu: «Deus mandou-nos para estas trevas do sofrimento, a fim de perdoar e rezar pela conversão de todos». Estas palavras são o símbolo e a síntese da atitude com que estes Beatos, no período da prova, sustentaram o seu povo para continuar a confessar a fé sem cedimentos nem retaliações. Esta atitude de misericórdia para com os verdugos é uma mensagem profética, porque aparece hoje como um convite a todos para superarem o rancor com a caridade e o perdão, vivendo com coerência e coragem a fé cristã.

Amados irmãos e irmãs, também hoje voltam a surgir novas ideologias que procuram, de maneira subtil, impor-se e desenraizar o nosso povo das suas mais ricas tradições culturais e religiosas. Colonizações ideológicas, que desprezam o valor da pessoa, da vida, do matrimónio e da família (cf. Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia, 40) e, com propostas alienantes e não menos ateias do que no passado, lesam de modo particular os nossos jovens e crianças deixando-os privados de raízes que lhes permitam crescer (cf. Francisco, Exort. ap. Christus vivit, 78). E então tudo se torna irrelevante, se não servir os próprios interesses imediatos, e induz as pessoas a aproveitarem-se umas das outras e a tratá-las como meros objetos (cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’, 123-124). São vozes que, semeando medo e divisão, procuram cancelar e sepultar a herança mais preciosa que estas terras viram nascer. A propósito desta herança, penso, por exemplo, no Édito de Torda de 1568, que sancionava todo o tipo de radicalismo, promovendo – é um dos primeiros casos na Europa – um ato de tolerância religiosa.

Quero encorajar-vos a levar a luz do Evangelho aos nossos contemporâneos e continuar a lutar, como estes Beatos, contra estas novas ideologias que vão surgindo. Agora, toca a nós lutar, como então tocou a eles. Possais vós ser testemunhas de liberdade e misericórdia, fazendo prevalecer a fraternidade e o diálogo sobre as divisões, incrementando a fraternidade do sangue que tem a sua origem no período de sofrimento em que os cristãos, divididos ao longo da história, se descobriram mais próximos e solidários. Que vos acompanhem no vosso caminho, caríssimos irmãos e irmãs, a proteção materna da Virgem Maria, Santa Mãe de Deus, e a intercessão dos novos Beatos.
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Canção Nova

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