sábado, 6 de abril de 2019

Pivô de polêmicas, Padre Pinto morre em Salvador aos 72 anos



Morreu no final da tarde desta quinta-feira (4) o padre José de Souza Pinto, conhecido como Padre Pinto. De acordo com informações da Arquidiocese de Salvador, o religioso, de 72 anos, estava internado desde quarta-feira (3) no Hospital Jorge Valente, na Avenida Garibaldi. Ele havia sofrido um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em novembro do ano passado.

Nos últimos anos, o religioso, que foi pivô de diversas polêmicas envolvendo, especialmente, o candomblé, vivia na Casa de Retiro Sagrada Família, vizinha à Paróquia de São Caetano da Divina Providência, no bairro de São Caetano, com outros padres da congregação vocacionista.

Padre Pinto foi o responsável por revitalizar a Festa de Reis da Paróquia da Lapinha, onde atuou por muitos anos. Artista plástico e bailarino por formação, ele passou a lotar as ruas do bairro com a celebração e, especialmente, na Festa de Reis.

Muitas vezes, no entanto, isso provocou reações dentro da própria igreja. Em 2006, quando decidiu exacerbar o caráter sincrético da cultura religiosa da Bahia e levou para dentro da igreja rituais do candomblé, acabou sendo acusado de heresia. Numa das missas da Festa de Reis se vestiu de Oxum, orixá das águas doces. 

 
A situação, que provocou sua remoção da Paróquia da Lapinha após mais de duas décadas, ocorreu após um grupo de fiéis pedir sua saída da Lapinha. “Eu não quero sair daqui. Eu quero morrer aqui, no altar”, disse, respondendo a uma carta dos fiéis incomodados.

A situação também envolveu o então Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Geraldo Majella Agnelo, que reprovou a atitude de Padre Pinto. O pároco chegou a dizer que tinha autorização dos superiores para as performances envolvendo a religião de matriz africana, mas foi desmentido.

Conversão


Artista plástico, ex-aluno de balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o Padre Pinto atraiu a curiosidade nacional, em 2006, pelas performances diferentes que realizava durante as celebrações. Ele já entrou em roda de capoeira, se vestiu de Oxum - orixá das águas doces no Candomblé - na tradicional festa dos Reis Magos, fez ritual indígena dentro da igreja, deu selinho em Caetano Veloso, posou para ensaios, foi a boate gay em Salvador, bebeu tudo o que tinha direito e bombardeou, em diversas entrevistas, a instituição da qual é representante há mais de 30 anos, inclusive se posicionando contra o celibato.  Esse passado agitado, entretanto, parece mesmo ter ficado para trás.

Sem os olhos delineados de lápis preto, sem o costumeiro tom róseo na boca, sem pulseiras, anéis e as gargalhadas, a vida do vice-pároco da Igreja de São Caetano passou a ser como a de qualquer outro membro da Congregação das Divinas Vocações: com muita discrição e reserva. "O trabalho que tinha para fazer na Lapinha, eu fiz. Muita gente de lá ainda vem acompanhar as minhas missas, tem o carinho e o respeito por mim", disse o padre em uma entrevista.

Padre Pinto passou os últimos anos da vida sem chamar a atenção, para alguém, cuja a principal referência era a vibração e encenação vistas na Lapinha, com uma postura, no mínimo, excessivamente tímida.

O padre Gabriel Vila Verde, disse que nenhum sacerdote seria capaz de fazer tais coisas em sã consciência e que, por mais pecador que o padre seja, ninguém quer se expor ao ridículo. “Após o surto, o padre Pinto foi acompanhado por psiquiatras, e acolhido na paróquia de São Caetano, onde viveu uma vida reservada, de oração e silêncio. Quando assistia os vídeos da época, chorava e se lamentava, mostrando que não estava no seu estado normal”, disse o sacerdote que chegou a encontrar o padre Pinto em algumas ocasiões.

O vizinho do portão
 


No entorno da Paróquia, praticamente, ninguém sabia que ali vivia o Padre Pinto. Os comerciantes, que eventualmente lembram do religioso, dizem que quase nunca o viam circulando pelas ruas da comunidade.

Das festas memoráveis nas noites da Lapinha também não se tinha mais relatos. Na maior comemoração da Paróquia, no dia sete de agosto, dia de São Caetano, a quermesse que costuma mobilizar o local Padre Pinto participava apenas dando suporte no que é necessário.

O próprio Padre admitiu que o trabalho desenvolvido ultimamente tinha outro viés. "Aqui faço uma coisa mais interna mesmo. Tenho me dedicado muito às leituras e a celebração das missas", disse. Além de São Caetano, Padre Pinto também revezava com outros padres o comando de cultos na capela Nossa Senhora da Conceição, na Boa Vista.

"Das vezes que eu o vi à frente das missas, foi tudo tranquilo. Ele leu o evangelho, foi muito compreensivo com o tema, explicou e pronto", conta um voluntária da Capela da Conceição. A voluntária disse ainda que nas poucas conversas travadas com o vigário, não notou nada de diferente ou que fugisse as convenções.

Fiéis lotaram a igreja para se despedir do padre

  
A missa de corpo presente foi presidida pelo bispo auxiliar Dom Marco Eugênio Galrão, que destacou a morte como uma passagem para a vida eterna.

A prima e madrinha de padre Pinto assistiu à missa e contou que desde a adolescência ele demonstrava interesse pela religião. Ele começou a rezar o terço durante as novenas na casa dos vizinhos, influenciado pela mãe, que também era religiosa.

“Ele era uma pessoa maravilhosa. Sempre foi muito generoso, culto e gostava de ajudar as pessoas. Uma vez meu sobrinho perguntou por que ele quis ser padre e ele respondeu e disse que nasceu para isso”, afirmou a mulher, uma senhora idosa que, com um terço nas mãos, pediu para não ser identificada.

Ela contou que esteve com padre Pinto no dia 23 de março, data do aniversário dele, e que o religioso estava bem. “Ele estava alegre, como sempre. Conversamos bastante e ele parecia realmente estar bem”.

Segundo ela, o padre sofreu uma queda essa semana e a pancada na cabeça provocou uma hemorragia que o levou a óbito. Pinto era filho único de uma dona de casa e um funcionário da Petrobrás, e não tinha outros parentes próximos.


A Arquidiocese de Salvador informou, em nota, que o padre vinha apresentando um quadro de saúde fragilizado, devido à situação cardiológica, hipertensa, e pelo quadro de transtorno bipolar. Ele teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em novembro do ano passado. A igreja disse também que ele manteve sempre um acompanhamento regular seja do quadro clínico, seja do quadro psiquiátrico.

“Porém, com o passar dos anos o seu quadro de saúde foi se debilitando e oscilando entre períodos de estabilidades e momentos de alterações, mais precisamente no último ano, este quadro de oscilação se apresentou com mais frequência, sempre com devido acompanhamento. Na última semana a situação se agravou bastante e depois de ser internado na quarta feira veio a óbito na tarde de ontem (4)”.

Cemitério ficou pequeno para a despedida
 


A celebração desta sexta não tinha as cores que o padre Pinto tanto adorava nem fugiu ao tradicionalismo que ele tentava colorir, mas quem o conhecia garantiu que ele ficaria feliz. “Ele era um homem muito generoso. Tenho certeza de que está feliz”, contou a dona de casa Alcinda Souza, 55 anos.

O corpo deixou a igreja por volta das 15h, e seguiu para o sepultamento no Cemitério da Ordem Terceira de São Francisco, na Baixa de Quintas. Foram necessários dois ônibus para levar os fiéis até o local.

A capela do cemitério ficou pequena para a quantidade de público, e muitas pessoas assistiram ao final das homenagens do lado de fora. O caixão foi retirado do carro da funerária sob aplausos e levado para o interior da capela onde cânticos e orações encerraram as homenagens para o padre. Eram tantos fiéis que foi preciso organizar uma fila. O corpo foi sepultado por volta das 16h30, sob aplausos.
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Correio 24h

Com informações: iBahia

Um comentário:

  1. Padre Pinto foi um grande sacerdote. Soube transitar com maestria entre o sagrado e o profano, entre o candomblé e o catolicismo. Cumpriu suma missão!
    Saravá, Padre Pinto!

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