terça-feira, 7 de março de 2017

A oração infalível


Que garantia podemos ter de que Deus vai ouvir às nossas súplicas? Que a perseverança na oração é importante já sabemos, porque os Evangelhos insistem nisso. Lucas narra a parábola do vizinho inoportuno, que bate à porta em plena noite para pedir pães. Tanto insiste que o outro, para se ver livre dele, acaba por atendê-lo (Lc 11,5-8).

No Evangelho de Mateus (15) encontramos a mulher cananeia que pede e insiste até ser atendida, chegando a se comparar aos cães que se alimentam das migalhas que caem da mesa dos donos.

Tais passagens mostram não só a importância de nos aproximarmos de Deus, mas de persistirmos nos pedidos. Precisamos, entretanto, eliminar a ideia de que a perseverança é necessária para “dobrar o Coração de Deus”. Não se trata disso. Ao contrário, precisamos persistir e insistir porque o nosso coração é que não se dobra com facilidade.

Neste estudo, examinaremos as características da oração infalível, isto é, como rezar tendo certeza de que seremos atendidos. Em determinadas situações, não adianta ficar como que “dando murro em ponta de faca”, como se diz popularmente. Insistir do jeito errado é persistir num engano. Existem fundamentos, características próprias que tornam uma oração infalível, que foram dadas pela Graça a todo aquele que crê.

Estamos diante de algo que as pessoas sempre procuraram, talvez mais do que a própria salvação de suas almas, – o que é lamentável. – Assim como Esaú trocou a benção paterna e divina, com os direitos de filho herdeiro, por um prato de lentilhas (Gn 25,29-34), muitos preferem prazeres e posses materiais à vida eterna. Vemos anúncios de supostas “orações de poder” e “novenas milagrosas” de todo tipo. Em praticamente toda igreja encontramos folhetos com as mais variadas (algumas absurdas) devoções a santos “de causas impossíveis”, que no imaginário popular seriam como que agentes infalíveis para dar tudo que pedirmos. Alguns contém até ameaças àqueles que “quebrarem a corrente”! Tais pessoas não imaginam como se afastam de Nosso Salvador, dando voltas em torno da Fonte ao invés de beber direto do inesgotável Rio de Água Viva. Pois foi Ele mesmo Quem nos prometeu que estaria conosco todos os dias, até o fim do mundo. 

Já entre os ditos “evangélicos”, é comum o uso da passagem de João (13,13-14) como uma espécie de muleta verbal para toda e qualquer situação: em praticamente tudo o que dizem, acrescentam ao final da frase o complemento “em nome de Jesus”. A dona de casa diz que vai preparar o almoço de hoje “em nome de Jesus!”. O vendedor diz que vai cumprir sua meta mensal “em nome de Jesus!”. A filha diz que vai tirar um “A “na prova de matemática “em nome de Jesus!”... Qualquer afirmação, sobre qualquer assunto, é seguida de uma invocação ao nome do Senhor, mesmo que seja uma fofoca sobre a vida do vizinho, por exemplo, e até para contar ou rir de uma piada, muitos deles finalizam com um inevitável e impensado “em nome de Jesus”. Foi filmado e noticiado, há alguns anos, que até os deputados corruptos da “bancada ‘evangélica’” andaram agradecendo pela roubalheira “em nome de Jesus!”...

Interessante é que, agindo assim, não percebem que desobedecem ao Segundo Mandamento: “Não tomareis o Santo Nome do SENHOR, vosso Deus, em vão”. – O Nome de Deus não é amuleto para ser usado como garantia de sucesso em tudo o que se faz, como se Ele fosse atender a todos os nossos caprichos só por pronunciarmos o seu Nome. 

Existe, porém, como dissemos, uma oração que é sempre infalível. – Deixando de lado as interpretações equivocadas das Sagradas Escrituras, é importantíssimo saber que existe, sim, um jeito de pedir a Deus infalivelmente. O Santo Evangelho mesmo nos dá esta garantia. Em Mateus (7,7-8), o Cristo diz: “Pedi e se vos dará, buscai e achareis, batei e vos será aberto...”, e, um pouco mais adiante, reafirma: “Tudo o que pedirdes com fé, na oração, vós o alcançareis”. – No seu discurso de despedida, no Evangelho de João, Jesus volta a insistir: “Tudo o que pedirdes ao Pai, em meu Nome, vo-lo farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Tudo o que pedirdes em meu Nome, vo-lo darei” (14,13-14). E mais uma vez: “Se permanecerdes em Mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito” (Jo 15,7). 

Diz ainda mais o Salvador: “Naquele dia não me perguntareis mais coisa alguma. Em verdade, em verdade vos digo: o que pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo dará. (...) Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja perfeita” (Jo 16,23-24).

Nosso Senhor promete, garante que realmente existe uma infalibilidade para a oração do cristão que tem fé. Por outro lado, Tiago Apóstolo diz em sua Epístola: “Pedis e não recebeis, porque pedis mal...” (Tg 4,3). Por que isto? 

O grande problema é que, se por um lado temos uma evidência de fé, registrada nas Sagradas Escrituras, por outro temos a refutação que vem dos simples fatos. Ora, é inegável que muitas vezes pedimos e não recebemos, procuramos e não encontramos, batemos à porta e ela não se abre. Fica então evidente que há um modo certo de pedir; que se soubermos pedir, se conhecermos a forma da “oração infalível”, então seremos sempre atendidos. 

A fórmula da oração infalível: as quatro exigências


Sendo assim, como é que podemos ter essa garantia, dada pelo próprio Senhor, de que nossa oração será infalivelmente atendida, afinal? Muitos católicos não sabem que Santo Tomás de Aquino já desvendou e esclareceu bem essa pergunta, na segunda seção da segunda parte da Suma Teológica (q. 83, art. 15), onde, num resumo precioso, diz o seguinte: “Quatro são as condições exigidas, simultaneamente, para que sempre se receba o que se pediu na oração”. São, portanto, quatro exigências, quatro requisitos, quatro características da oração que é atendida sempre, e que precisam estar igualmente presentes em nossas súplicas para que sejam infalivelmente atendidas, conforme a Promessa de Nosso Senhor. – Se falta uma, não há esta garantia divina. Quais são estas quatro exigências? Eis a lista desenvolvida por Santo Tomás:

1. Que se peça para si;

2. Que se peçam coisas necessárias à salvação;

3. Que se peça piedosamente;

4. Que se peça com perseverança.

O último item trata do que falamos no início e que consta do Evangelho de Lucas (11,5-8; 18,1-8): a perseverança. Ocorre, porém, que às vezes perseveramos em pedidos errados, e não somos atendidos. Por isso cada ponto da lista é importante. Cada um se liga ao outro, e juntos formam um conjunto coeso. 

Assim, Santo Tomás diz que, em primeiro lugar, sua oração será atendida infalivelmente se você pedir para si mesmo. Esta exigência pode em princípio surpreender; alguns poderão ver aí uma aparência de egoísmo, tão contrário a tudo que Jesus pregou. Mas não se trata disso. Deus nos abençoa conforme a nossa disposição, entrega, desejo sincero e fé. Isto é, Deus quer derramar sua Graça sobre nós, e quer derramá-la abundantemente, mas é preciso que estejamos dispostos. 

Quando pedimos pelo outro (e devemos fazê-lo), não temos a garantia de que a oração será atendida, porque Deus respeita a nossa liberdade. Nem sempre adianta rezar por uma pessoa que não está aberta ou disposta para receber a Graça. Podemos e devemos pedir pelo nosso próximo, e Deus pode nos atender por sua infinita Misericórdia. Mas esta não é uma oração infalível, porque a Graça depende, em parte, daquele que a recebe, e nós não podemos nos comprometer pelo outro, já que não podemos interferir na sua liberdade.

Quando pedimos para nós mesmos, entretanto, podemos nos comprometer, e assim estaremos inseridos em uma das condições necessárias para que sejamos atendidos infalivelmente conforme a Promessa de Nosso Senhor.

A segunda condição é que você precisa pedir coisas necessárias à sua salvação, o que por sua vez vai auxiliar na salvação dos outros. Se pedimos algo como uma cura, o fim de uma dificuldade ou que uma dívida seja sanada, por exemplo, não temos necessariamente a garantia divina para estas orações, porque nada disso é intrinsecamente necessário à nossa salvação.

Deus pode nos atender, – e sabemos o quanto nos atende, – se pedirmos com fé mesmo algo que não se enquadre nesta segunda exigência. Mas nós só podemos ter a plena certeza de que seremos atendidos quando pedimos coisas necessárias à salvação de nossas almas. 

Assim, por exemplo, você pode pedir pelas virtudes; por uma graça que fortaleça o seu espírito para seguir Jesus; pode pedir por fortaleza ou prudência para não cair em pecado; pode pedir a graça de não morrer em pecado grave; pode pedir a libertação de determinada tentação... Coisas como essas, quem pedir receberá infalivelmente, desde que o pedido se enquadre também nas outras três condições.

A terceira condição é pedir piedosamente. O que é uma oração piedosa? Em primeiro lugar, é uma oração humilde. A Epístola de Tiago cita um versículo do Livro dos Provérbios, onde está escrito: “Deus resiste aos soberbos mas dá sua Graça aos humildes (Tg 4,6 cit. Pr 3,34)”.

A oração piedosa é humilde; é aquela em que você se põe diante de Deus suplicante, “como um mendigo”. Você não se apresenta diante do SENHOR como alguém que está ali “exigindo os seus direitos” ou algo parecido, com arrogância e sem temor. É preciso saber reconhecer a sua incapacidade, e, ao mesmo tempo, o Poder e a Grandeza de DEUS. 

Além disso, a oração piedosa é feita com firme confiança: “Peça com fé, sem nenhuma vacilação, porque o homem que vacila assemelha-se à onda do mar, levantada pelo vento e agitada de um lado para o outro. Não pense, portanto, tal homem que alcançará alguma coisa do SENHOR, pois é um homem irresoluto, inconstante em todo o seu proceder. Mas que os irmãos humildes se gloriem de sua elevação” (Tg 1,6-9). 

A oração piedosa é, portanto, confiante. Interessante notar, neste ponto, que o próprio Senhor Jesus Cristo, por diversas vezes, antes de conceder alguma graça, perguntava antes a quem lhe pedia se confiava nEle, como vemos na passagem de Mateus: “E, partindo Jesus dali, seguiram-no dois cegos, clamando, e dizendo: ‘Tem compaixão de nós, filho de Davi!’. E, quando chegou à casa, os cegos se aproximaram dele; e Jesus disse-lhes: ‘Credes vós que eu possa fazer isto?’; disseram-lhe eles: ‘Sim, Senhor!’. Tocou então os olhos deles, dizendo: ‘Seja-vos feito segundo a vossa fé’. E os olhos se lhes abriram” (Mt 9,27-30). – Os cegos confiaram e, por confiarem, foram atendidos. Pedir crendo, sem vacilação: eis aí a segunda exigência.

A terceira característica da oração piedosa é pedir em Nome do Cristo. Por isso as orações litúrgicas quase sempre se encerram igualmente: “Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho...” – Em Nome do Senhor, nossa oração é piedosa (a oração e não tudo que dizemos, pois não queremos tomar o Nome de Deus em vão).

Por fim, para que uma oração seja piedosa, precisa ser feita com atenção. Quando pedimos displicentemente, sem atenção ao que dizemos, há uma irreverência que não cabe quando nos dirigimos ao Criador. 

Sobre a quarta e última exigência da oração infalível, a perseverança, falamos no início, no exemplo do vizinho inoportuno, da viúva e do juiz, da mulher cananeia... E podemos usar também o exemplo direto do próprio Jesus: o capítulo 6 do Evangelho de Lucas, por exemplo, narra como Jesus passou a noite orando a Deus Pai. No Horto das Oliveiras, antes de se entregar em Sacrifício, deu o exemplo de perseverança, cheio de angústia e pedindo com insistência.

No Evangelho segundo Marcos, vemos como o Cristo rezava antes de Judas o trair: “E, afastando-se de novo, orava dizendo novamente a mesma coisa...” (Mc 14, 39). O Deus feito homem insistia e persistia em sua súplica.

Temos, assim, quatro exigências, quatro características básicas da oração que é sempre infalível. Se a sua oração possuir estas quatro, será atendida. Não ponha a sua confiança em “orações de poder” ou “novenas infalíveis”, nem pense que a intercessão de algum santo de “causas impossíveis” vai fazer com que você receba o que pede. Sem essas quatro condições, seu pedido poderá ser atendido, sim, pela Misericórdia de Deus, que é infinita; mas a sua oração não se enquadrará na Promessa infalível de Nosso Senhor Jesus Cristo.



Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Jr.
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O Fiel Católico

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