terça-feira, 1 de novembro de 2016

Homilética: Solenidade de Todos os Santos (1º de Novembro*): "Pelo Batismo, todos são chamados a ser santos".


Hoje celebramos toda essa multidão inumerável de pessoas, irmãos nossos, que já gozam de Deus e continuam em comunhão conosco desde o céu. É uma festa que nos enche de alegria e otimismo: se eles puderam ser santos, por que nós não? Qual foi o segredo da sua santidade?

A multidão dos fiéis seguidores de Jesus, filhos e filhas amados pelo Pai, reúne-se numa celebração celestial. Ainda em vida são proclamados felizes porque depositaram sua confiança em Deus.

Todos os que se mantém fiéis a Cristo serão vitoriosos (Ap 7,2-4.9-14). As bem-aventuranças são o caminho da santidade proposto por Jesus (Mt 5,1-12). Somos filhos e filhas de Deus, pois ele é nosso Pai, e seremos semelhantes a ele (1Jo 3,1-3).

A Eucaristia transforma-nos, lenta e progressivamente, em seres capazes de contemplar o Pai unidos a todos os que são salvos” (Cf. Liturgia Diária de Novembro de 2011 da Paulus, pp. 26-29).

“Vinde a mim, todos vós que estais cansados e penais a carregar pesado fardo, e descanso eu vos darei, diz o Senhor” (Mt 11,28).

Enquanto vivos, os santos não se consideravam como tais, longe disso! Eles não esculpiam a sua efígie num fundo de auto-satisfação…

Contrariamente àquilo que geralmente aparece nas imagens ditas piedosas e nas biografias embelezadas, eles não foram perfeitos, nem à primeira, nem totalmente, nem sobretudo sem esforço. Eles tinham fraquezas e defeitos contra os quais se bateram toda a vida.

Alguns, como S. Agostinho, vieram de longe, transfigurados pelo amor de Deus que acolheram na sua existência. Quanto mais se aproximaram da luz de Deus, tanto mais viram e reconheceram as sombras da sua existência.

Peregrinos do quotidiano, a maior parte deles não realizaram feitos heróicos nem cumpriram prodígios. É certo que alguns têm à sua conta realizações espetaculares, no plano humanitário, no plano espiritual, ou ainda na história da Igreja. Mas muitos outros, a maioria, são os santos da simplicidade e do quotidiano. Infelizmente, canoniza-se muito pouco estas pessoas do quotidiano!

Pontos da ideia principal

Leituras: Ap 7, 2-4.9-14; 1Jo 3, 1-3; Mt 5, 1-12ª

Em primeiro lugar, a festa de todos os Santos nos convida a celebrar, a principio, dois fatos. O primeiro é que, verdadeiramente, a força do Espírito de Jesus age em todas partes, é uma semente capaz de arraigar em todas partes, que não necessita condições especiais de raça, ou de cultura, ou de classe social. Por isso esta festa é uma festa gozosa, fundamentalmente gozosa: o Espírito de Jesus deu, e dá, e dará fruto, e dará em todas partes. O segundo fato que celebramos é que todos esses homens e mulheres de todo tempo e lugar têm algo em comum, algo que os une. Todos eles “lavaram e alvejaram as suas vestes no sangue do Cordeiro”, mediante o batismo (1 leitura). Todos eles foram pobres, famintos e sedentos de justiça, limpos de coração, trabalhadores da paz (Evangelho). E isso os une. Porque hoje não celebramos uma festa superficial, hoje não celebramos que “no fundo, todo mundo é bom e tudo terminará bem”, mas celebramos a vitória dolorosamente alcançada por tantos homens e mulheres no seguimento do Evangelho (conhecendo-o explicitamente ou sem conhecê-lo). Porque existe algo que une o santo desconhecido das selvas amazônicas com o mártir das perseguições de Nero e com qualquer outro santo de qualquer outro lugar: une-os a busca e a luta por uma vida mais fiel, mais entregada, mais dedicada ao serviço dos irmãos e do mundo novo que Deus quer.

Em segundo lugar, celebramos, portanto, esses dois fatos: que com Deus vivem já homens e mulheres de todo tempo e lugar, e que esses homens e mulheres lutaram com esforço no caminho do amor, que é o caminho de Deus. Mas ai podemos acrescentar também um terceiro aspecto: Santo Agostinho, na homilia que a Liturgia das Horas oferece para o dia de São Lourenco, explica isso deste modo: “Os santos mártires imitaram Cristo até o derramamento de seu sangue, até a semelhança da sua paixão. Imitaram-no os mártires, mas não só eles. A ponte não caiu depois deles terem passado; a fonte não se secou depois deles terem bebido nela”. Santo Agostinho se dirigia a uns cristãos que acreditavam que talvez só os mártires, os que nas perseguições tinham derramado o sangue pela fé, compartilhariam a gloria de Cristo. E às vezes nós também pensamos a mesma coisa: que a santidade é um heroísmo próprio só de alguns. E ano é assim. A santidade, o seguimento fiel e esforçado de Jesus Cristo, é também para nós: para todos nós e para cada um de nós. É algo exigente, sem dúvida; é algo para gente entregada, que leva as coisas à serio, não para gente superficial e que se limita a ir empurrando as coisas com a barriga.  Porém somos nós, cada um de nós, os chamados a essa santidade, a esse seguimento. Como dizia Santo Agostinho na homilia citada antes: “Nenhum homem, seja qual for o seu gênero de vida, deve desesperar da sua vocação” (…). “Entendamos, pois, de que maneira o cristão tem que seguir Cristo, ademais do derramamento de sangue, ademais do martírio”. E hoje, na festa de Todos os Santos, somos convidados a celebrar que também nós podemos entender e descobrir a nossa maneira de seguir Cristo.   

Finalmente, portanto, a festa de hoje é um chamado à santidade para todos nós. Ser santos não é fazer necessariamente milagres, nem deixar obras surpreendentes para a história. É difícil definir o que é a santidade, mas todos esses santos que hoje celebramos nos demonstram que seguir Cristo é possível, e que isso é santidade. Tiveram defeitos. Não eram perfeitos. Cometeram pecados. Foram “normais”. Porém creram no Evangelho e o cumpriram. Alguns deixaram uma pegada profunda. Outros passaram despercebidos. E hoje honramos todos. E aceitamos o seu convite para seguir o seu caminho. Aqui também recomendaria ler a “Lumen Gentium” do Concilio Vaticano II, nos seus números 39-41, que faz um chamamento à santidade aos cristãos de todos os estados: jerarquia, leigos, religiosos.

Para refletir

Meus caros amigos, a solenidade de todos os santos, que celebramos neste domingo, é um dia em que lembramos não apenas os santos canonizados, muitos deles já têm a sua festa própria ao longo do ano, mas, sobretudo, os santos anônimos e desconhecidos. Abrange todos aqueles que foram justificados pela fé em Cristo. Neste dia recordamos todos aqueles que vivem para sempre diante de Deus.

A leitura evangélica deste dia nos traz o texto das bem-aventuranças (cf. Mt 5,1-12), cuja vivência é o melhor caminho e sinal de santidade.  A prática das bem-aventuranças é a marca e o selo dos santos, porque constituem a lista daqueles que alcançam o Reino. Ao proclamar as bem-aventuranças, Jesus descreveu a dinâmica da santidade.

Portanto, santos são os pobres em espírito, porque têm o coração centrado em Deus. Pobres de espírito são os humildes, porque são desapegados dos bens terrenos.  Para isso, não é necessário ter nada, mas é preciso usar o que se tem conforme o espírito do Evangelho.  A verdadeira riqueza não consiste nos tesouros desta terra, mas na graça, na virtude, nos merecimentos e na amizade com Deus.

Santos são os mansos, por não responderem à violência com violência.  Os mansos são aqueles que, conformados com a vontade de Deus, suportam com paciência as adversidades desta vida.  São aqueles que usam de mansidão, que tratam o próximo com bondade, tolerando pacientemente suas impertinências, sem queixas ou atitudes de vingança.

Santos são os aflitos, os impotentes diante de situações dramáticas. Há muitas pessoas que não entendem a razão dos sofrimentos e se revoltam contra Deus.  Jesus diz que os aflitos são felizes.  De fato, se souberem aceitar com resignação as provas que Deus envia, se souberem sofrer com ânimo as misérias e dificuldades da vida, a recompensa será a consolação de Deus.

Santos são os famintos e sedentos de justiça, que não pactuam com a maldade, nem se deixam levar pela lógica da dominação.  Deus mesmo haverá de realizar seu ideal e fazê-los contemplar o reino da justiça. Trata-se daquela justiça interior que torna o homem agradável a Deus, quando se esforça por cumprir sempre a vontade de Deus.  O primeiro passo para conseguir a santidade é desejá-la.  Por isso, Jesus diz que são felizes os que têm fome e sede de justiça, isto é, aqueles que realmente desejam ser santos.  Mas é necessário que este desejo seja eficaz.  Isto é, que empreguemos os meios necessários para consegui-lo.

Santos são também os misericordiosos, cujo destino consistirá em viver a comunhão definitiva com o Deus, que também é misericórdia.  Os misericordiosos são, de modo geral, aqueles que têm sentimentos de compaixão para com os aflitos e os miseráveis de toda espécie.  São misericordiosos os que são caridosos e se compadecem das misérias do próximo e também que perdoam. Quem for misericordioso receberá também a misericórdia divina.  E Deus será misericordioso conosco à medida que o formos com nosso próximo.

Santos são ainda os puros de coração, que não agem com segundas intenções nem falsidade, mas sim, com transparência.  São os que fogem de todo pecado e praticam a pureza.  Ser puro é ter uma alma livre de afetos desordenados e puro de coração. Por isso, serão recompensados com a visão de Deus, em todo seu esplendor.

Santos são os promotores da paz, que procuram criar laços de amizade e banir toda espécie de ódio, a fim de que o mundo seja mais fraterno.  Promover a paz consiste em esquecer as injúrias.  A paz, que gera a felicidade, não é aquela que está apenas nos lábios, mas a que repousa no coração. Os promotores da paz serão chamados filhos de Deus.

Santos são também os perseguidos por causa da justiça, os que lutam para fazer valer o projeto de Deus para a humanidade. São eles humilhados, agredidos, marginalizados, por parte daqueles que praticam a injustiça e fomentam a opressão e a morte. Nesta última bem-aventurança, os perseguidos são convidados a resistir ao sofrimento e à adversidade.

Assim sendo, todos os seres humanos são chamados à santidade que, em última análise, consiste em viver como filhos de Deus, naquela semelhança com ele segundo a qual foram criados. Todos os seres humanos são filhos de Deus, e todos devem tornar-se aquilo que são, através do caminho exigente da liberdade. Deus nos convida a fazer parte do seu povo santo. O caminho é Cristo e ninguém chega ao Pai senão por meio dele (cf. Jo 14,6).

Entretanto, somente o Cristo Senhor é o Bem-aventurado por excelência, pois Ele é o verdadeiro pobre em espírito, o aflito, o manso, aquele que tem fome e sede de justiça, o misericordioso, o puro de coração, o pacificador, o perseguido. As bem-aventuranças nos revelam a fisionomia espiritual de Jesus e assim exprimem o caminho que nos leva a Ele. Na medida em que aceitamos a sua proposta e nos colocamos no seu seguimento, podemos participar das bem-aventuranças.

As oito bem-aventuranças são os sinais que indicam a direção a seguir e traçam o mapa deste caminho. Foi este o primeiro caminho que Jesus percorreu. E certa ocasião ele disse:  “Quem me segue não andará nas trevas” (Jo 8,12). E noutra ocasião acrescentou: “Digo-vos isto para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa” (Jo 15,11).

Veneramos precisamente neste dia uma inumerável comunidade de Todos os Santos que, através dos seus diferentes percursos de vida, nos indicam vários caminhos de santidade, associados por um único denominador comum: o seguimento a Cristo Senhor.

Uma das respostas próprias dos fiéis no momento da Oração Eucarística é esta: “Caminhamos na estrada de Jesus”.  É este o convite que a Igreja nos faz cotidianamente.  Os santos caminharam na estrada de Jesus e souberam seguir o Cristo.  É por esse caminho que caminhamos para o céu.  E é por isso que eles estão na Casa de Deus para sempre.  É um apelo solene e luminoso lançado à terra dos homens, para que sigamos este mesmo caminho. Caminhando com Cristo, podemos conquistar a alegria, a verdadeira alegria.

Esta deve ser também a nossa atitude, se quisermos estar entre os santos, devemos caminhar na estrada de Jesus.  É esta estrada que nos leva à santidade, que nos leva ao Pai. Como ressalta o texto evangélico, a nossa atitude é a das bem-aventuranças. Somente este caminho nos levará ao encontro definitivo com Deus.

Peçamos a Virgem Maria, aquela que todas as gerações a proclamam como “bem-aventurada”, porque acreditou na boa nova que o Senhor lhe anunciou (cf. Lc 1,48), que nos guie neste caminho que nos leve ao seu filho Jesus e que possamos sempre reconhecer que temos necessidade de Deus, da sua misericórdia e do seu perdão, para um dia entrarmos no seu Reino, Reino de justiça, de amor e de paz. Assim seja.

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No Brasil esta solenidade é celebrada no domingo seguinte, caso o dia 1º não caia num domingo. Quando, porém, o dia 2 de novembro cair em domingo, celebra-se a solenidade de Todos os Santos no dia 1º de novembro.

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