segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Homilética: Solenidade da Assunção de Nossa Senhora (15 de agosto): "Feliz aquela que te trouxe no seu ventre".*




Hoje celebramos a festa do primeiro ser humano – Maria - que, depois de Cristo seu Filho, experimentou a vitória total contra a morte, também corporalmente. Não estamos feitos para a morte, mas para a vida, para a ressurreição (segunda leitura).

Este foi o último dogma proclamado pelo Papa Pio XII em 1º de novembro de 1950: “Pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que a Imaculada Mãe de Deus, sempre Virgem Maria, terminado o curso da sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”. Depois de ter lutado contra todos os inimigos da nossa alma (primeira leitura) e graças a que Cristo venceu o último inimigo - a morte - (Segunda leitura), Deus nos concederá a ressurreição do nosso corpo.

Nosso Senhor quis Ele mesmo subir aos céus contemplado pelos homens. Mas, também quis que a Assunção de Nossa Senhora para o Céu, depois da d'Ele, se desse diante do olhar humano. Por quê?

Era preciso que a Ascensão fosse vista por homens que pudessem dar testemunho desse fato histórico duplo: não só de que Nosso Senhor ressuscitou, mas de que tendo ressuscitado Ele subiu aos Céus. Subindo ao Céu, Ele abriu o caminho para as incontáveis almas que estavam no Limbo à espera da Ascensão para se irem assentar à direita do Padre Eterno.

Antes de Nosso Senhor Jesus Cristo ninguém podia entrar no Céu. Apenas os anjos lá estavam. Então, Nosso Senhor, na Sua Humanidade santíssima, foi a primeira criatura – porque Ele ao mesmo tempo é Homem-Deus – que subiu aos Céus. E enquanto Redentor nosso, Ele abriu o caminho dos Céus para os homens.

Também era preciso que Ele, que sofreu todas as humilhações, tivesse todas as glorificações. E glória maior e mais evidente não pode haver do que o subir aos Céus. Porque significa ser elevado por cima de todas as coisas da Terra e unir-se com Deus Pai transcendendo este mundo, onde nós estamos, para se unir eternamente com Deus no Céu Empíreo.

Jesus Cristo quis que Nossa Senhora tivesse a mesma forma de glória. Assim como Ela tinha participado como ninguém do mistério da Cruz, que Ela participasse também da glorificação d'Ele. A glorificação d'Ela se deu sendo levada aos Céus.


Foi uma assunção e não uma ascensão. A ascensão foi a de Nosso Senhor ao céu por Sua própria força e poder. A assunção não é igual. Nossa Senhora não subiu ao Céu por um poder próprio, mas pelo ministério dos anjos. Ela foi carregada aos céus pelos Anjos. Foi a grande glorificação d'Ela nesta terra, prelúdio da glorificação d'Ela no Céu.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Leituras: Ap 11, 19; 12, 1-6.10; 1 Cor 15, 20-27; Lc 1, 39-56

Caros irmãos e irmãs, hoje celebramos a solenidade da Assunção de Nossa Senhora, uma verdade que a Igreja professou desde os primeiros séculos, proclamada como dogma pelo Papa Pio XII em 1950, com a bula “Munificentissimus Deus”, onde declarava ser este dogma “revelado por Deus que a imaculada Mãe de Deus, a Virgem Maria, tendo terminado o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (DS 3903). Ao proclamar a Assunção da Virgem Maria, o Papa Pio XII ressaltou, implicitamente, a dignidade do corpo humano.  O homem chega à glória da eternidade, quando sabe valer-se dos órgãos do corpo terreno para fazer o bem, para estar a serviço de Deus e dos irmãos, foi isto que levou Maria à glorificação final.  Todos nós podemos e devemos fazer o mesmo. Guardar a dignidade do corpo na terra, para que Deus o glorifique no céu.

O evangelho nos remete ao limiar da casa de Zacarias, onde Maria, apressadamente, vem ter com Isabel, a quem se vê unida por um mistério análogo; e vem partilhar com ela a sua própria alegria. E neste encontro, João Batista exaltou de alegria no ventre de Isabel, porque o Salvador, presente em Maria, estava próximo. E Isabel reconheceu em Maria a Mãe do Salvador, a bendita entre todas as mulheres. Na saudação de Isabel temos a sequência do que se ouviu do Anjo Gabriel: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu….” (Lc 1,42.45). E nesse instante, brota dos lábios de Maria o cântico do “Magnificat”, onde os seus sentimentos exprimem a consciência do cumprimento das promessas do Senhor (cf. Lc 1,54).

O primeiro movimento deste cântico mariano (cf. Lc 1, 46-50) é uma espécie de voz solista que se eleva em direção ao céu para alcançar o Senhor. Com efeito, observe-se o ressoar constante da primeira pessoa: “A minha alma… o meu espírito… meu salvador… me chamarão de bem-aventurada… fez grandes coisas em mim…”. A alma desta oração mariana é, portanto, a celebração da graça divina que transbordou no coração e na sua existência, tornando-a a Mãe do Senhor. Ouvimos precisamente a voz de Nossa Senhora que fala assim do seu Salvador, que fez maravilhas na sua alma e no seu corpo.

A estrutura íntima do seu canto é, portanto, o louvor, o agradecimento, a alegria. É um testemunho pessoal de Maria, que está consciente de ter uma missão a cumprir pela humanidade e a sua vicissitude insere-se no âmbito da história da salvação. E assim pode dizer: “A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem” (v. 50). Com este louvor ao Senhor, Maria dá voz a todas as criaturas beneficiadas pela misericórdia de Deus.

O cântico inicia com a palavra “Magnificat”: a minha alma “engrandece” o Senhor, ou seja, “proclama grande” o Senhor. É importante que Deus seja grande entre nós, porque somente se Deus está presente, temos uma orientação, uma estrada comum a seguir. Neste mesmo cântico Maria diz: “Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada”. A Mãe do Senhor profetiza os louvores marianos da Igreja para todo o futuro, a devoção mariana do Povo de Deus até o fim dos tempos. Louvando Maria, a Igreja respondeu a esta profecia feita por ela, naquele momento de graça. E estas palavras não deixam de ser um complemento às palavras de Isabel, pronunciadas no momento em que estava ela repleta do Espírito Santo: “Bendita aquela que acreditou”. E Maria, também cheia do Espírito Santo, sequencia, afirmando: “Todas as gerações me chamarão de bem-aventurada”.

Maria é bem “bem-aventurada”, é bendita para sempre. Este é o contexto da Solenidade que a Igreja celebra neste domingo. É bem-aventurada porque está unida a Deus, vive com Deus e em Deus. O Senhor, na vigília da sua Paixão, ao despedir-se dos apóstolos, disse: “Eu vou preparar-vos, na casa do Pai, uma morada. E há muitas moradas na casa do meu Pai”. Quando Maria dizia: “Eu sou a tua serva, faça-se em mim segundo a tua vontade” preparava aqui na terra a morada para Deus; de corpo e alma, tornou-se morada de Deus.

Maria torna-se a tenda de Deus, a morada onde Deus vem habitar. Santo Agostinho diz: “Antes de conceber o Senhor no corpo, já O tinha concebido na alma”. Reservou ao Senhor o espaço da sua alma e assim tornou-se realmente o autêntico Templo onde Deus encarnou, tornando-se presente nesta terra. Deste modo, como morada de Deus na terra, nela já está preparada a sua morada eterna, já está preparada esta morada para sempre. E é nisto que consiste todo o conteúdo do dogma da Assunção de Maria à glória do céu de corpo e alma. Maria é “bem-aventurada” porque se tornou totalmente, de corpo e alma e para sempre a morada do Senhor. Se isto é verdade, Maria não nos convida apenas à admiração, à veneração, mas também nos orienta, nos indica o caminho da vida e nos mostra como podemos tornar-nos bem-aventurados, como podemos encontrar a vereda da felicidade.

Maria, com a sua total disponibilidade, abriu as portas ao Salvador do mundo. Foi grande e heróica a obediência da sua fé; foi precisamente através desta fé que Maria se uniu perfeitamente a Cristo, na morte e na glória. Olhando para ela fortalece em nós a fé no que esperamos, e, ao mesmo tempo, compreendemos melhor o sentido e o valor da nossa peregrinação neste mundo.

Também as palavras do Apóstolo São Paulo, na segunda leitura (cf. 1Cor 15,20-26), nos ajudam a compreender o significado desta solenidade que celebramos. Em Maria, que subiu ao Céu no termo da sua vida terrestre, resplandece a vitória definitiva de Cristo sobre a morte, que entrou no mundo em virtude do pecado de Adão. Foi Cristo, o “novo” Adão, que venceu a morte, oferecendo-se em sacrifício no calvário, em atitude de amor obediente ao Pai. Assim, Ele nos resgatou da escravidão do pecado e do mal. No triunfo da Virgem, a Igreja contempla aquela que o Pai escolheu como verdadeira Mãe do seu Filho Jesus, a quem associou intimamente ao desígnio salvífico da Redenção. Por isso, Maria constitui um sinal consolador da nossa esperança.

Em cada celebração eucarística, o Filho de Deus é doado a nós. Quem participa da comunhão leva consigo agora de modo particular o Senhor ressuscitado. Como Maria levou no seu ventre um frágil e pequeno ser humano, totalmente dependente do amor da mãe, assim, Jesus Cristo, sob a espécie do pão, se confiou a nós. É Jesus mesmo que se doa tão inteiramente nas nossas mãos! Possamos nós ter por ele o mesmo amor que tem a sua mãe Maria! Possamos leva-lo a todos, como Maria o levou a Isabel, suscitando júbilo e alegria! A Virgem doou ao Verbo de Deus um corpo humano, para que pudesse entrar no mundo. Doemos também nosso corpo ao Senhor, tornemos o nosso corpo cada vez mais um instrumento do amor de Deus, um templo do Espírito Santo!

Possamos aprender com Maria os caminhos que nos levam à glória do céu. Que saibamos estar na escola daquela que “guardava e meditava tudo em seu coração” (Lc 2,16). Que ela interceda por nós, para que, dizendo “não” ao erro e ao pecado, saibamos preparar o nosso encontro definitivo com Cristo, no final da nossa peregrinação terrestre.

Contemplando Nossa Senhora da Assunção no céu compreendemos melhor que a nossa vida, não obstante seja marcada por provações e dificuldades, está sempre direciona para Deus, para a plenitude da alegria e da paz. Entendemos que o nosso morrer não é o fim, mas o ingresso na vida que não conhece a morte. O nosso crepúsculo no horizonte deste mundo é um ressurgir na aurora do mundo novo, do dia eterno. Assim seja.

PARA REFLETIR 

Desde o início da Igreja se falava ou da morte ou da dormição de Nossa Senhora. São duas vertentes de um só acontecimento. Alguns diziam que Maria foi acometida de um sono profundo e, então, foi elevada em corpo e alma ao Céu. Outros diziam que morreu e que também foi em corpo e alma para a glória. Estes dois pensamentos ressaltavam que assim como Nossa Senhora teve a Sua pureza preservada na Virgindade, assim como era da mesma carne de Jesus, o Filho de Deus, foi preservada da corrupção da morte e – dormindo ou morrendo – foi elevada imediatamente ao Céu em corpo e alma.

A elevação de Maria ao Céu sempre fez parte da fé da Igreja.

Era mais comum antigamente se defender a posição dos que pensavam que Maria dormiu. Os que defendiam tal idéia diziam que Nossa Senhora, não tendo o pecado original, não poderia ter a sua conseqüência que é a morte. Tinha de ser preservada.

Depois que Pio IX proclamou o Dogma da Imaculada Conceição intensificou-se a discussão entre os Teólogos a respeito do fim da vida terrena de Maria. Muitos começaram a afirmar que Maria não poderia ter morrido, uma vez que a morte é o castigo pelo pecado. A discussão tornou-se tão acirrada que Pio XII não quis incluí-la na proclamação da Assunção.

Da proclamação do Dogma da Assunção em diante os teólogos começaram a defender a idéia da morte de Maria pelo fato de que até Jesus morreu e, portanto, não haveria nenhum inconveniente em aceitar a morte de Sua Mãe.

As duas idéias podem ser defendidas, ainda que não ao mesmo tempo.

O Papa Pio XII, ao definir a Assunção como Dogma de fé, não desceu, sabiamente, aos pormenores da morte ou dormição da Virgem Santíssima.

O Dogma da Assunção consiste em afirmar que Maria foi elevada em corpo de alma ao Céu e lá já se encontra como Jesus que depois de Ressuscitado e da Sua Ascenção está também desta maneira.

Maria está inteira no Céu. Maria vive, não está morta.

Os Santos esperam a ressurreição da carne. Maria está viva no Céu.

Portanto, mesmo com a proclamação do Dogma da Assunção, permanece a liberdade de quem queira pensar como os antigos que falavam simplesmente da dormição da Virgem ou pode-se pensar como a Teologia mais atual que aceita a morte de Maria.

Convém ainda notar que nas línguas latina existe uma sutil diferenciação terminológica, que não existe em outros idiomas e que é, a saber, aquela entre Ascenção e Assunção. Não seria a mesma coisa, ou seja, a subida em corpo e alma ao Céu? Olhando de fora ou superficialmente pode parecer a mesma coisa. Mas Ascenção é a de Cristo, e Sua subida ao Céu se deu por Seu poder divino, por Sua natureza divina. Ele subiu ao Céu. Com Maria o que aconteceu foi a Assunção, isto é, ela foi atraída ao Céu. Não subiu por poder próprio. Foi elevada por Deus, atraída por Deus. Sutis diferenças que nos fazem entender melhor a realidade.

Santo Afonso Maria de Ligório fala das três coisas que tornam a morte uma experiência nada agradável — o apego à Terra, o remorso dos pecados e a incerteza da salvação — e de como podemos evitá-las imitando o exemplo de Maria Santíssima.

Se Maria morreu ou dormiu, cada um escolha o que melhor aprouver para sua devoção. Mas podemos dizer, conforme ensina Santo Afonso e conforme a experiência de vida que temos, que Maria não estava apegada à Terra e, em conseqüência, a morte para Ela não seria amarga. Remorso pelos pecados Ela não precisaria ter, pois nunca os cometera e tampouco a incerteza da Salvação eterna. Maria sabia em que terreno estava pisando e estas incertezas e amarguras não as torturaram na hora da morte.


Que Deus nos conceda, por intercessão de Maria Santíssima, que vivamos nesta vida de tal modo desapegados de tudo e de todos e somente apegados a Ele, que possamos partir cantando sob a luz do olhar d’Ela.

* No Brasil, caso não caia num domingo, esta solenidade é celebrada no primeiro domingo após o dia 15. Onde esta solenidade é celebrada sempre no dia 15, caso não seja num domingo, celebra-se a liturgia do dia no domingo seguinte.

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