quarta-feira, 1 de junho de 2016

Homilética: 10º Domingo do Tempo Comum - Ano C: "Jesus liberta das garras da morte".



Na época de Jesus, as mulheres eram sempre dependentes, primeiramente de seu pai e depois do marido. E quando uma mulher ficava viúva, todos os bens do marido eram herdados pelo filho mais velho, e ela passava a ser dependente deste filho. As viúvas eram uma parte desprotegida da sociedade e estavam expostas à ganância dos poderosos que, principalmente com a morte de um filho único, seus bens corriam o risco de passar para as mãos de juízes gananciosos.

No evangelho de hoje encontramos uma viúva levando para a sepultura o seu único filho, aliando o sofrimento da perda ao do desamparo.

Jesus sempre se mostrou sensível ao sofrimento humano, tendo compaixão dos que sofrem, demonstrando assim sua natureza humana e, ao contrário do que normalmente acontece, Ele não espera que a viúva ou outra pessoa interceda pela vida do jovem. Quando Ele se depara com tamanho sofrimento, se compadece e compartilha de seus sentimentos, o que O leva a trazer o jovem de volta à vida, mostrando agora Sua grande natureza divina. Jesus não invoca a Deus por várias vezes como Elias e os outros profetas para realizar o milagre, Ele apenas ordena que o jovem se levante: “Moço, eu ordeno a você: Levante-se!”.

A compaixão é feita de palavras e gesto, pois quem tocava num morto naquela cultura era contaminado pela impureza, mas Jesus quebra o tabu e cria as suas próprias leis, e o povo reage com medo diante do extraordinário e maravilhoso.

O povo de Deus esperava pela volta de um profeta e alguns achavam que seria Elias, outros que seria Moisés. Quando Jesus ressuscita o filho da viúva, a multidão que o acompanhava vê Nele o novo profeta que traz toda a graça e a misericórdia de Deus.

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Leituras: 1Rs 17,17-24; Gl 1,11-19; Lc 7,11-17

Hoje somos chamados a ter confiança. Confiança como a viúva do Evangelho que chorava a morte de seu filho único. Jesus teve compaixão da viúva recuperando a vida de seu filho. Por isso a Igreja não se cansa de nos apresentar Jesus como o senhor da vida e da morte.

A Primeira Leitura da liturgia dominical nos apresenta o filho da viúva de Sarepta(cf. 1Rs 17,17-24). Elias era o “homem de Deus”: agia com a força de Deus. É conhecido por sua luta contra os ídolos, no século VIII AC. Sua presença no meio do povo falava de Deus; seus gestos eram “sinais” de Deus. Assim, a ressurreição do filho da viúva de Sarepta não é magia, e sim a resposta de Deus à oração de Elias(cf. 1Rs 17, 22). A viúva de Sarepta, que sabe estar dando hospedagem a um homem de Deus, pensa que Deus entrou em sua casa para castigá-la por suas iniquidades. Por isso, morreu seu filho. Não sabia que Deus não é um Deus de morte, mas, como de repente lhe é revelado, o Deus de vida. A ressurreição se dá por obra de Elias que não se apresenta, porém, como doador da vida, antes como alguém que invoca aquele que a dá.

A figura da mulher significa a perda da esperança e o sentimento de derrota e de procurar um culpado. O profeta Elias é a figura que acredita no Deus da vida, que não abandona o homem ao poder da morte.

O milagre do profeta Elias, como outros a eles atribuídos, significa fundamentalmente que Yahveh é a única fonte da vida e da fertilidade. A vida vem de Deus. Toda a vida e ação de Elias apontam nesse sentido; o próprio nome Elias significa “Yahveh é o meu Deus”. Portanto, todos os elementos da mensagem devem ser vistos à luz desta centralidade. Todo o relato, que pode denotar referências mágicas na relação entre pecado e doença, baseia-se na oração de Elias, que deixa clara a sua fé num Deus pessoal, senhor e fonte de vida.

A Segunda Leitura nos apresenta a vocação de Paulo(cf. Gl 1,11-19). Paulo tem a certeza de que a sua vocação tem sua origem em Jesus Cristo, portanto, em Deus mesmo. Para provar isso a seus críticos, não pode recorrer ao conteúdo de sua mensagem, pois eles apregoam no nome do mesmo Cristo um outro conteúdo. Então, aponta sua história pessoal: de fanático perseguidor de Cristo foi, por este, transformado em “Apóstolo das gentes”. No caminho de Damasco, Cristo o chamou e com a sua luz ao mesmo tempo o cegou e o iluminou.

Para São Paulo, o Evangelho é uma força vital e criadora, que produz o que anuncia; a sua força é Deus. É uma força vital, uma dinâmica profética que Paulo recebeu diretamente de Deus. O Apóstolo São Paulo tem convicção de que a sua conversão é obra exclusiva de Deus. Temos aqui um equilíbrio dinâmico entre a gratuidade da fé e a adesão à tradição e magistério eclesiástico. Somos convidados a estarmos sempre abertos à revelação de Deus, à autêntica conversão, ao acolhimento do Evangelho vivo de Deus.

No tempo em que Jesus peregrinava neste mundo, Israel esperava a volta do profeta por excelência, para preparar a “visita” de Deus. Havia certa dúvida se o profeta seria Moisés(cf. Dt 18,16) ou Elias(cf. Ml 3,23-24). Mas, quando Jesus ressuscita o filho de uma viúva, que o Evangelho de Lc 7,11-17 nos conta hoje, não hesita em reconhecer nele o novo Elias: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo!” (cf. Lc 7,16). Assim Jesus é o sinal da presença de Deus, com sua graça e misericórdia. Ele se “comiserou” (cf. Lc 7,13) como o povo esperava no seu Dia. No quadro do Evangelho de Lucas, esta narração tem ainda outra função: logo em seguida lemos o episódio do Batista, que pergunta se Jesus é aquele que deve vir, no sentido de profeta escatológico. E a resposta de Jesus é: “Olha só o que está acontecendo: todas as categorias mencionadas nas profecias messiânicas encontram cura, e até os mortos são ressuscitados; e aos pobres é anunciada a boa notícia de Jesus, o seu programa de vida; será que ainda existe dúvida?

Todos nós sabemos que a viúva é uma mulher carente e desamparada pela sociedade. A vida se esvai. A desolação é completa. Por isso mesmo, a Sagrada Escritura apresenta os órfãos e as viúvas como protótipos dos marginalizados. E o amparo aos órfãos e viúvas é a manifestação perfeita de verdadeira e autêntica vida comunitária e de inserção na comunidade eclesial.

A Primeira Leitura da missa de hoje nos anuncia a ressurreição do filho da viúva de Sarepta realizada pelo profeta Elias(Cf. 1Rs 17,17-24). Jesus chega com seus discípulos à cidade de Naim e encontra-se com uma viúva, cujo filho era levado para o cemitério fora da cidade. “O Senhor, ao vê-la, ficou comovido e disse-lhe: Não chores”. Mas Jesus não ficou nas palavras: “Aproximando-se, tocou no esquife e disse: Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” E o morto sentou-se e começou a falar. E, Jesus o entregou à sua mãe”. E todos reconheceram que Deus visitou o seu povo. A Primeira Leitura é narrada para ilustrar como em Jesus se realiza a esperança do novo Elias. É uma tipologia: Elias é o “primeiro esboço” que é levado à perfeição em Cristo. Por trás destas tipologias, freqüentes na antiga teologia cristã, está à fé na continuidade da obra de Deus: o que ele tinha iniciado em Israel, levou-o a termo em Jesus Cristo. Que Jesus supera Elias aparece nos detalhes da narração: ele não é apenas o “homem de Deus”, mas “o Senhor”; não precisa fazer todos os trabalhos que Elias fez para reanimar a criança.

Tanto a Primeira Leitura como o Evangelho revelam grande valorização da vida. Deus quer conservar seus filhos em vida. Isso está no violento contraste com a leviandade e até o desprezo que a vida humana enfrenta em nossa sociedade. Deus se comisera para fazer reviver uma criança, enquanto nossa sociedade as mata ainda no útero. Será que poderemos novamente falar de uma visita de Deus, quando restauramos o sentido do valor da vida, não só no caso do aborto, mas também das guerras, repressão, torturas, poluição do meio ambiente, da fauna, da flora, dos alimentos, do trânsito assassino, e, sobretudo da miséria e da fome? O salmo responsorial nos exalta a resistirmos: “Eu vos exalto, ó Senhor, pois me livrastes e preservastes minha vida da morte!”(cf. Sl. 30/29).

Como nós podemos vislumbrar a Páscoa nestas leituras? A cena de Sarepta e de Naim, no Evangelho, repetem-se com muita freqüência, digo até impressionante, através da história. Não precisamos ir muito longe. Ela está presente em cada Comunidade de fiéis. Ainda hoje, a toda hora, levam-se jovens, filhos únicos de mães viúvas, aos cemitérios. Isto acontece quando a vida gerada é tirada. Dá-se no abandono das pessoas, nas injustiças, na marginalização das massas sofridas. A nossa sociedade está repleta de mães viúvas, que levam seus filhos únicos para o Cemitério. A última esperança de vida é tragada pela morte.

Então é hora de nossas Comunidades Eclesiais reagirem. Importante que ela esteja à caminha como Jesus, como Elias. Mas não pode passar ao largo. Precisa parar, precisa entrar em casa, na cidade, para visitar as viúvas. Deverá ter a mesma atitude de Jesus: compadecer-se, consolar, agir, ressuscitando o jovem para que o povo glorifique a Deus.

Deus Se encontra onde há o sentido da piedade, do amor vivificante. Significa ainda que, seguindo Jesus, só podemos também suscitar vida, ter piedade dos que sofrem, oferecer a nossa ajuda, ter uma atitude de oblação. Das duas, uma: ou fazemos da nossa vida um cortejo de morte, dos sem esperança, que acompanham o cadáver, em atitude de choro, de luto, de desespero; ou fazemos do nosso peregrinar um caminho de esperança, de ressurreição, de transformação do choro e da morte em sentido de vida. Podemos escolher, é certo. Mas se somos seguidores de Cristo e nos deixamos visitar por este grande profeta, não temos alternativa!

Paulo, na segunda leitura, para provar que seu “evangelho” é o verdadeiro mostra a sua origem. Não foi ele mesmo, nem outro ser humano, que o inventou(cf. Gl. 1,11.16.19). São Paulo faz questão de dizer que não foi instruído por homem algum. Quem fez de Paulo seu mensageiro foi Cristo mesmo, que o “fez cair do cavalo”; a transformação operada em Paulo, tornando o antigo rabino, fariseu e perseguidor de cristãos, em apóstolo de Cristo, não é obra humana. E também seu evangelho não é obra humana. Por isso, este resumo de sua história pessoal é história de salvação.

Esta atitude será sincera se repetirmos o gesto de São Paulo. Sermos discípulos autênticos, convictos e zelosos pelo Evangelho(cf. Gl. 1,11-19). Somos chamados a deixar de devastar a Igreja, e deixar revelar-se em nós o Filho de Deus. Percebendo o renascimento da vida nos desamparados, também a Assembléia eucarística poderá glorificar a Deus porque mais uma vez Ele visitou o seu povo. Ele renderá graças neste domingo, sobretudo, por aqueles e aquelas que, na sociedade injusta, se comprometem em defender e alimentar a vida dos irmãos necessitados.

Hoje e sempre Deus continua visitando o seu povo. A visita de Deus deixa seu povo também com a “responsabilidade de gratidão”. O povo espalhou a fama de Jesus por toda a região. Mostrou que soube dar valor à visita que recebeu. A Igreja terá de celebrar a mesma gratidão de Deus, que fez grandes coisas aos pequenos, aos fracos e aos humilhados. Muitos ainda não são capazes disso. Não se sabem alegrar com a visita de Deus aos pequenos. Por isso lhes escapa a grandeza desta visita singular. Mas, afinal, quando é que sentimos Deus mais verdadeiramente próximo de nós: ao se realizar uma grande solenidade, ou quando um gesto de amor atinge uma pessoa carente?

Nós não podemos e não devemos aceitar que Jesus seja reduzido a simples precursor de uma humanidade renovada. Jesus já é nossa humanidade. Nele o futuro já é presente. Contemplando o mundo, esse teatro imenso onde se desenrola a ação maravilhosa do homem, temos alternadamente a sensação de um gigantesco vazio. Se olharmos com os olhos da fé na ressurreição de Cristo, permaneceremos confiantes porque a nossa história é, no tempo, a história da morte e ressurreição de Jesus.

Que Deus, que sempre nos visita, nos comprometa com a vida em plenitude. Deus só visita aos homens e mulheres que defendem a vida e se opõem contra a morte. Que sejamos todos pregoeiros da vida e da vida plena, amém!

PARA REFLETIR

– Quem diria? O filho da viúva está vivo de novo.

– Vivo de novo? Que história é essa? Ele já morreu alguma vez?

– Você não sabe o que aconteceu? Foi incrível! Eu estava lá e vi quando Jesus lhe disse que se levantasse do caixão. Que susto! Eu nunca tinha visto coisa igual.

– Por mais estranho que pareça, o fato é que ele é um jovem fantástico: bem educado, cuida da mãe e é um rapaz trabalhador e serviçal.

Esse tipo de conversa, algum tempo depois da ressurreição do filho da viúva de Naim, seria bastante normal. O diálogo acima poderia ser de duas senhoras que, enquanto lavavam a roupa, comentariam o assunto, pois “a notícia deste fato correu por toda a Judéia e por toda a circunvizinhança” (Lc 7,17). E não é para menos! Um morto que já não está morto! Por outro lado, o que tem de estranho que aquele que se levantaria da região dos mortos na manhã do domingo que seguiria à sua morte na cruz, ressuscite a um jovenzinho?

A surpresa daquelas senhoras seria grande. Deve ter sido impressionante! Imagine se isso acontecesse com você? Num dia que você é incapaz de identificar, você se levanta de um caixão sem saber muito bem o que está acontecendo, tendo por todos os lados uma multidão pasmada, admirada, com medo, boquiaberta. É quase para morrer de susto! Eu acho que aquele jovem não se esqueceria dessa cena por todos os anos que durassem a sua segunda vida.

Logicamente, o rapaz não esperava ser ressuscitado. Jesus, “movido de compaixão” (Lc 7,13) para com a mãe do garoto, a viúva de Naim, foi quem o ressuscitou. Quão doloroso para uma mãe viúva ver sepultada a sua última esperança, o seu filho único! Pobre mulher! O que a esperaria se Jesus não houvesse ressuscitado o seu filho? Solidão, dor, noites entre lágrimas e, talvez, muita fome. O garoto que estava no caixão não era só a consolação daquela pobre mulher, mas também era a possibilidade de que ela levasse uma vida mais ou menos confortável durante os seus últimos anos de vida. Jesus compreende a situação das pessoas e não fica indiferente diante do sofrimento humano. O Senhor fez esse milagre por compaixão. Um amigo meu disse certa vez que Jesus fez esse milagre pensando na sua mãe, Maria, que dentro de pouco tempo estaria só: vendo o futuro da sua mãe sem o seu Filho único, se compadece da viúva de Naim e faz o milagre. Não sei se o meu amigo tem razão, mas é, sem dúvida, uma reflexão inteligente.

Talvez fosse mais confortável para aquele garoto continuar morto, pois ele “descansava em paz”. No entanto, ele era útil para outras pessoas. O Senhor quis que aquele jovem ficasse aqui na terra mais alguns anos. É importante que nós também compreendamos que a nossa vida só tem sentido em relação a Deus e aos demais, que nós não vivemos para nós mesmos. Deus espera que nós trabalhemos na salvação das pessoas. Morreremos somente quando Deus quiser depois de trabalhar muito pela sua glória e pela salvação dos irmãos. Deus espera que cada um de nós seja útil para o próximo, que a nossa vida seja colocada a serviço da humanidade, de cada pessoa que temos à nossa volta.

Anos mais tarde, depois de ajudar a sua mãe e de vê-la morrer em paz, o nosso jovem, que já não seria tão jovem, passaria novamente pela porta da cidade levado pelos outros. Tinha morrido pela segunda vez! Jesus já não apareceria para ressuscitá-lo pela terceira vez. E até hoje o nosso jovem continua esperando a ressurreição dos mortos que acontecerá nos últimos dias.

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