terça-feira, 26 de abril de 2016

Homilética: 6º Domingo da Páscoa - Ano C: "A Promessa de Jesus".





Estamos no último domingo antes da Ascensão, que encerra a presença humana de Cristo na terra.A Igreja celebra nos próximos dias duas grandes festas: Ascensão e Pentecostes; convida-nos a ter os olhos postos no Céu, a Pátria definitiva a que o Senhor nos chama.

O Evangelho (Jo 14, 23-29) apresenta o final do discurso da despedida. Cristo promete aos seus discípulos enviar o Espírito Santo: “Ele vos ensinará e recordará tudo o que vos tenho dito.”

O Senhor prometera aos seus discípulos que, passado um pouco de tempo, estaria com eles para sempre. “Ainda um pouco de tempo e o mundo já não me verá. Vós, porém, tornareis a ver-me…” (Jo 14,19-20). O Senhor cumpriu a sua promessa nos dias em que permaneceu junto dos seus após a Ressurreição, mas essa presença não terminará quando subir com o seu Corpo glorioso ao Pai, pois pela sua Paixão e Morte nos preparou um lugar na casa do Pai, “onde há muitas moradas. Voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, estejais vós também” (Jo 14,2-3).

Os Apóstolos, que se tinham entristecido com a predição das negações de Pedro, são confortados com a esperança do Céu. A volta a que Jesus se refere inclui a sua segunda vinda no fim do mundo e o encontro com cada alma quando se separar do corpo. A nossa morte será precisamente o encontro com Cristo, a quem procuramos servir nesta vida e que nos levará à plenitude da glória. Será o encontro com Aquele com quem falamos na nossa oração, com quem dialogamos tantas vezes ao longo do dia.

Da Oração, do trato habitual com Jesus Cristo, nasce o desejo de nos encontrarmos com Ele. A fé purifica muitas das asperezas da morte. O amor ao Senhor muda completamente o sentido desse momento final que chegará para todos. O pensamento do Céu nos ajudará a superar os momentos difíceis.

Jesus promete aos discípulos o envio de um defensor (Jo 14, 16-17), de um intercessor, que irá animar a comunidade cristã e conduzi-la ao longo da sua história. Trata-se do Paráclito que é o nosso Consolador enquanto caminhamos neste mundo no meio de dificuldades e sob a tentação da tristeza. “Por maiores que sejam as nossas limitações, nós, homens, podemos olhar com confiança para os Céus e sentir-nos cheios de alegria: Deus ama-nos e liberta-nos dos nossos pecados. A presença e a ação do Espírito Santo na Igreja são o penhor e a antecipação da felicidade eterna, dessa alegria e dessa paz que Deus nos prepara” (Cristo que passa, nº 128). Invoquemos sempre o Espírito Santo! Ele é a força que nos anima e sustenta na caminhada cotidiana e nos revela a verdade do Pai.

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Textos: Atos 15, 1-2.22-29; Ap 21, 10-14.22-23; Jo 14, 23-29

O Evangelho deste domingo, tirado do capítulo 14 de São João, onde Jesus diz: “Se alguém me ama, guarda a minha Palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada ” (Jo 14, 23). Estas expressões são dirigidas aos discípulos, mas podem também ser aplicadas a cada um de nós e fazem parte do discurso de despedida, pronunciado por Jesus durante a sua última ceia com os Apóstolos.  Depois de apresentar a eles por estatuto o mandamento do amor (cf. Jo 13,1-17;13,33-35), vai agora explicar como eles se manterão, após a sua partida e a relação com Ele e com o Pai.

O texto ressalta a presença de Deus naquele que cumpre a vontade do Senhor.  E o ato de crer só se completa no ato de amor a Jesus.  Assim, amar, crer e guardar a palavra são quase sinônimos.  Jesus deseja ser amado por nós, deseja de nós uma relação viva, comprometida, plena de risco e confiança, e na qual consagremos cada aspecto da nossa vida.

O relato evangélico também sublinha a promessa do Espírito Santo, aquele que vem completar o ensinamento de Cristo.  Jesus lembra aos apóstolos que durante sua permanência entre eles lhe ensinara muitas coisas.  Mas, quando vier o Espírito Santo, que o Pai enviará em seu nome, lhes ensinará todas as coisas (cf. v. 26).  O cristão conta sempre com o auxílio do Espírito Santo, mesmo nas situações mais contraditórias e conflituosas, pois de toda crise vivida com amor e confiança em Deus, em sua providência, recebemos sempre um bem maior do que poderíamos esperar.

O evangelho também nos fala da paz.  Disse Jesus: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou…”. Esta saudação de paz era dada, tanto no encontro como na despedida. A palavrapaz  aparece cinco vezes nos últimos capítulos do Evangelho de São João. Duas vezes antes da paixão e três outras vezes após a ressurreição, como um sinal a certificar a sua união e a sua amizade para com os seus discípulos. Jesus distingue entre sua paz e a paz do mundo. A sua paz é um dom, um presente, uma espécie de herança, derivada de sua partida. O objetivo dessa paz é evitar a perturbação do coração que invadirá os discípulos, bem como a timidez e o medo, ao se apresentarem perante as autoridades que condenaram Jesus à morte (cf. Mc 13, 11).  Por isso Jesus diz: “Que o vosso coração não se perturbe, nem se encha de medo” (Jo 14,27).  A paz dada por Jesus é feita de amor, de diálogo, de entendimento e de colaboração.  E é a fonte da mais serena alegria.   Por isso, a Paz que Jesus transmite deve assumir o lugar da tristeza, do desânimo e da falta de confiança e até de fé dos discípulos.

Ser cristão é viver na paz.  Não em uma paz sem compromisso e instável, como é, muitas vezes, a paz do mundo.  A paz dada por Jesus é feita de amor.  Jesus deixa a paz aos seus discípulos, paz diferente daquela a que o mundo oferece.  A paz que Jesus nos traz baseia-se numa relação de amor com Ele.

A paz que o Cristo nos propõe não significa uma vitória sobre os adversários, mas uma vitória do homem sobre si mesmo, ao deixar-se vencer, conquistado por Aquele que nos amou e se entregou por nós, vencido na cruz, mas vitorioso na ressurreição.

E como se constrói a paz? Já nos diz o profeta Isaías: “A paz será obra da justiça” (Is 32, 17), de uma justiça praticada e vivida. E o Novo Testamento nos ensina que o pleno cumprimento da justiça é amar o próximo como a nós mesmos (cf. Mt 22, 39).  E São Paulo nos indica as atitudes necessárias para fazer a paz: “Revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, fazei-o vós também” (Cl 3, 12-13). Estas são as atitudes que devemos praticar para sermos construtores da paz.

A paz é dom de Deus, porque Ele, com o seu Espírito, pode imprimir estas atitudes nos nossos corações e na nossa carne, e fazer de nós verdadeiros instrumentos da sua paz. A paz é dom de Deus, porque é fruto da sua reconciliação conosco. Somente quando o homem se reconcilia com Deus é que ele se torna um obreiro de paz.

Na Carta de São Paulo aos Gálatas lemos: “Mas o fruto do Espírito é paz…” (Gl 5, 22). O amor e a alegria, que são os primeiros frutos do Espírito Santo, têm como efeito cumular a alma de uma paz inabalável. Esta é a paz que o Apóstolo Paulo tão ardentemente deseja aos primeiros cristãos: “Que a paz de Cristo reine nos vossos corações” (cl 3, 15).

A paz está também relacionada com o dom total, definitivo e supremo do que Deus concede aos homens através de Jesus Cristo. Em razão disto Deus e Jesus Cristo aparecem nomeados com expressões semelhantes: “O Deus da paz” (Rm 15,33; Nm 13,20) e “o Senhor da paz” (2Ts 3,14). Mais propriamente ainda se diz de Cristo: “Ele, de fato, é a nossa paz” (Ef 2,14) e no mesmo contexto será chamado “aquele que opera ou realiza a paz” (Ef 2,15.17).

Pronunciada por Jesus, a palavra paz se reveste ainda de um significado de extraordinária eficácia, na própria saudação: “A paz esteja convosco” (cf. Lc 24,36; Jo 20,19.26). É importante notar que a mesma força de anúncio e de comunicação da salvação se encontra na idêntica saudação com que os discípulos imitam Jesus em seus ministérios (cf. Mt 10,13; Lc 10,5-6). Não se trata de um simples desejo ou cumprimento social, mas, na verdade, da proclamação e oferecimento dos bens relacionados com a paz messiânica. Para Jesus esta paz é algo tão objetivo e concreto que irá permanecer naqueles dispostos a acolhê-la; e, ao contrário, ela “voltará” para o discípulo, caso seja recusada (Mt 10,3; Lc 10,5-6).

Aa paz prometida por Jesus é sentida onde a vontade de competir, de dominar, de ocupar os primeiros lugares cede lugar ao serviço e ao amor desinteressado pelos últimos.  A paz do mundo muitas vezes se apresenta como fruto de vitórias sobre os inimigos, mas a paz de Cristo ocorre quando somos tocados pela virtude do seu amor e quando não somos contaminados pelo pecado e pelo erro.

Viver esta paz, torná-la presente entre nós, anunciá-la aos que a desconhecem, é a exigência fundamental da fidelidade dos discípulos de Cristo.  A missão de evangelizar, anunciar Jesus e sua obra, anunciar a chegada do Reino, sempre foi entendida pela Igreja como o anúncio e a necessidade de se construir a comunidade cristã como uma comunidade da paz.  Paz é uma palavra profética por excelência! Paz é o sonho de Deus, é o projeto de Deus para a humanidade, para a história, com toda a criação.

Peçamos a intercessão da Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa mãe, para que possamos ser todos os dias os portadores da paz.  E ela, a quem invocamos com o título de Rainha da paz, possa sempre nos conduzir ao seu filho Jesus, o príncipe da paz.  Assim seja.

PARA REFLETIR

No Domingo passado, dizíamos que a Igreja é fruto da Páscoa do Senhor, que ela nasceu do lado do Cristo morto e ressuscitado, que ela vive e continua a nascer da água do Batismo e do sangue da Eucaristia, que o Senhor, na sua fidelidade, haverá de levá-la à plenitude, que até lá, a Igreja deve ser sinal vivo do Reino de Deus entre as provações da história e deve viver no amor – herança que o Senhor nos deixou…

No Domingo presente, a Palavra de Deus continua a nos falar da Igreja, dessa Comunidade do Ressuscitado, Comunidade que peregrina já há dois mil anos na história humana, como um povo tão pobre, tão débil, humanamente falando, mas também tão rico e tão forte pela presença do Ressuscitado entre nós.

É ainda o Apocalipse que nos apresenta, de modo belíssimo, a glória da Jerusalém celeste, Esposa do Cordeiro, nossa Mãe católica: “Mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, descendo do céu, de junto de Deus, brilhando com a glória de Deus” – Esta Jerusalém gloriosa é a Igreja! Ela não nasce do povo, não nasce de um projeto humano; ela nasce do coração do Pai, que, através do Filho Jesus, doador do Espírito, chamou-nos, reuniu-nos, salvou-nos e fez de nós um novo povo, uma nova cidade, uma nova aliança, início de uma nova humanidade. A Igreja é a verdadeira Jerusalém, a verdadeira Cidade de Deus, que desce do céu e que é santificada pelo sangue do Cordeiro e, um dia, será totalmente transfigurada na glória de Deus. Não na sua própria glória, mas na de Deus, aquela glória que já brilha na face do Cristo ressuscitado!

Ela é a herança e a realização plena do antigo povo de Israel, ela é a plenitude do povo de Israel, é o Israel da nova aliança. Por isso, “nas suas portas estavam escritos os nomes das doze tribos de Israel”. Mas, a Igreja é mais que Israel: ela é aberta a todos os povos, suas portas são abertas para todos os lados: “havia três portas do lado do oriente, três portas do lado norte, três portas do lado sul e três portas do lado do ocidente”. A nova Jerusalém é católica, é aberta a todos, aberta em todas as direções, pois nela todos os povos, todas as culturas terão abrigo. A Igreja não é simplesmente uma continuação do antigo Israel e a nova aliança não é simplesmente uma continuação da antiga! Não somos judeus! Em Cristo, tudo foi renovado: “Eis que eu faço novas todas as coisas!” (Ap 21,5). Se a Igreja tem nas suas portas os nomes das doze tribos de Israel, tem, por outro lado, como alicerce, o doze apóstolos do Cordeiro: “A muralha da cidade tinha doze alicerces, e sobre eles estavam escritos os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro”. Isso aparece muito claramente na primeira leitura da Missa de hoje: os apóstolos, assistidos pelo Espírito Santo, decidiram que os cristãos vindos do paganismo não necessitavam tornarem-se judeus, não precisavam cumprir a Lei de Moisés! Os cristãos não são uma seita judaica! É interessante como os apóstolos, ao tomarem uma decisão tão importante, tinham consciência de que eram assistidos pelo Espírito do Cristo ressuscitado: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós…” – foi o que eles disseram… o que a Igreja ainda hoje diz, quando os bispos, sucessores dos apóstolos, decidem algo sobre a fé, em comunhão com o Sucessor de Pedro. A Igreja sabe e experimente que o seu Esposo ressuscitado não a abandona; não a abandonará jamais! Recordemos a promessa de Jesus no Evangelho de hoje: “O Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará o que eu vos tenho dito”. Este Espírito Santo santifica continuamente a Igreja, guia-a, sustenta-a, vivifica-a, orienta-a! Ele é a própria vida do Ressuscitado em nós, seja pessoalmente, seja como comunidade de fé. Por isso Jesus olha para nós e pode dizer com toda verdade e segurança e com toda eficácia: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou! Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Ouvistes o que eu vos disse: ‘Vou e voltarei a vós!’” – É verdade: o Ressuscitado permanece conosco na potência do seu Espírito! Não precisamos ter medo, não precisamos nos sentir sozinhos, confusos, abandonados: na potência do Espírito, o Cristo estará sempre conosco!

É por isso que o Autor sagrado afirma ainda: “Não vi nenhum templo na cidade, pois o seu Templo é o próprio Senhor, o Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. A cidade não precisa de sol, nem de luz que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro”. Que imagens, irmãos e irmãs! A Igreja, nova Jerusalém está toda imersa em Deus e no seu Cristo. Ela mesma é templo de Deus no Espírito Santo! Ela vive na luz do Cristo, apesar de caminhar nas trevas deste mundo! Para o mundo, que somente pode enxergar a Igreja na sua realidade exterior, ela é apenas mais uma instituição, entre tantas do mundo. Mas, para nós, que cremos, para nós somos Igreja viva, para nós que dela nascemos e nela vivemos, para nós que nos nutrimos de seus sacramentos, ela é muito mais, ela é este admirável mistério de fé! É isto que queremos dizer quando dizemos: “Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica”. Renovemos nossa fé na Igreja e mergulhemos cada vez mais no seu mistério, pois é aí, é aqui, que podemos viver na nossa vida o mistério e a salvação do Cristo, nosso Deus.

Gostaria de terminar com as palavras de Carlo Carreto:

“Como és contestável para mim, Igreja! E, no entanto, como te amo!

Como me fizeste sofrer! E, no entanto, quanto te devo!

Gostaria de te ver destruída. E, no entanto, tenho necessidade de tua presença.

Deste-me tantos escândalos! E, no entanto, me fizeste compreender a santidade.

Nunca vi nada de mais obscurantista, mais comprometido e mais falso no mundo. Mas também nunca toquei em nada tão puro, tão generoso e tão belo!

Quantas vezes tive vontade de bater em tua cara a porta de minha alma! E quantas vezes orei para um dia morrer em teus braços seguros!

Não, não posso me libertar de ti, porque eu sou tu, mesmo não sendo completamente tu!

Além disso, aonde iria eu? Construiria outra?

Mas não poderia construí-la, senão com os mesmos defeitos, porque são os meus defeitos que levo para dentro dela.

E, se a construísse, seria a minha igreja e não a Igreja de Cristo!

E já estou bastante velho para compreender que não sou melhor que os outros.”

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