sábado, 3 de outubro de 2015

O Sínodo, o papel do Papa e as dúvidas sobre o Espírito Santo


Na tarde do dia 18 de outubro de 2014, ao concluir os trabalhos do Sínodo extraordinário sobre os desafios pastorais relacionados à família, o Papa Francisco fez um breve mas denso discurso no qual resumiu algumas “tentações” que percebeu durante o debate na aula. E acrescentou: “Muitos comentaristas, ou pessoas que falam, imaginaram ver uma Igreja brigando, onde uma parte é contra a outra, duvidando inclusive do Espírito Santo, o verdadeiro promotor e garante da unidade e da harmonia na Igreja. O Espírito Santo que ao longo da história sempre guiou a barca, através dos seus ministros, mesmo quando o mar estava agitado e quando os ministros eram infiéis e pecadores”.

A alusão aos comentadores ou às pessoas que falam era dirigida a esse Sínodo “da mídia”, que representou o debate na aula como um verdadeiro “ringue”, concentrando tudo sobre a questão “comunhão sim ou não (e em algumas condições) aos divorciados recasados”. Talvez, às vésperas do Sínodo ordinário, no qual, durante três semanas, os bispos de todas as partes do mundo irão discutir e debater o tema da família, poderá ser útil também a segunda parte daquela frase do Papa: o perigo de duvidar “inclusive do Espírito Santo”, garante da unidade, que sempre guiou a barca, mesmo em tempos tempestuosos.

Outro aspecto desse discurso concentrava-se no convite para “viver tudo isso com tranquilidade e paz interior”, mesmo porque o sínodo “se desenvolve cum Petro et sub Petro, e a presença do Papa é garantia para todos”. Francisco recordou também que “a missão do Papa é garantir a unidade da Igreja; recordar aos pastores que o seu primeiro dever é o de alimentar o rebanho”, acolher. Mais ainda, é ir em busca das “ovelhas perdidas” com “paternidade e misericórdia e sem falsos medos”. O Papa é “o garante da obediência e da conformidade da Igreja à vontade de Deus, ao Evangelho de Cristo e à Tradição da Igreja”.

Recordar as palavras de Francisco, que revisam alguns fundamentos da fé católica sobre o Espírito Santo e sobre o papel do Bispo de Roma, pode ajudar a interpretar com maior distância o debate midiático (muito polarizado) que aqueceu os motores antes da abertura das sessões de trabalho do Sínodo: congressos internacionais, declarações, entrevistas, significativos ‘não’ sobre o que se pode ou não se pode fazer, evocações do espectro de um cisma, petições para declarar heréticas as posturas do outro, ameaças de autonomia de Roma no caso de o resultado não ser aquele que alguns esperavam.

No discurso final, aos padres sinodais, Francisco falou, há um ano, sobre várias “tentações”. Uma destas era a “do bondosismo destrutivo, que em nome de uma misericórdia enganadora, enfaixa as feridas sem antes curá-las e medicá-las; que trata os sintomas e não as causas nem as raízes”. Outra delas foi definida pelo Papa como “a tentação do endurecimento hostil”, isto é, “de querer fechar-se dentro do escrito (a letra) e não deixar-se surpreender por Deus, pelo Deus das surpresas (o Espírito); dentro da lei, dentro da certeza daquilo que conhecemos e não daquilo que devemos ainda aprender e atingir”.

À luz destas palavras, surpreendem, pois, as considerações propostas nos últimos dias por dois expoentes do mundo acadêmico: Gilfredo Marengo, professor de Antropologia Teológica no Pontifício Instituto João Paulo II sobre a Família, e o sociólogo Massimo Introvigne, estudioso das religiões. Nenhum deles pode ser classificado como “progressista”.

Marengo afirmou que “não convence a atitude de quantos viram com suspeitas qualquer proposta que fosse além da simples repetição dos dados do Magistério já conhecidos, empunhando perigos para a unidade da Igreja e a fidelidade à revelação”.

“Perante estes temores desproporcionais – escreve o teólogo do Pontifício Instituto João Paulo II sobre a Família – conviria recordar duas coisas. Em primeiro lugar, não se compreenderia a necessidade de uma atenção tão longa e intensa ao tema da família, assim como o Papa quis, se o resultado esperado fosse simplesmente a simples repetição de tudo o que já foi dito. Em segundo lugar, é necessária uma recepção do magistério da Igreja contemporânea sobre o matrimônio e sobre a família que não se esquece de seu peculiar perfil pastoral”. 

“Devemos abandonar – observa Marengo – uma atitude que considera o momento doutrinal (expressado pelo magistério) como um ‘corpus’ fechado em si mesmo, bom somente para ser aplicado na vida das pessoas e das comunidades, e que deve ser usado apenas para se queixar sobre o progressivo afastamento da vida da sociedade dos princípios cristãos”. Aqueles que expressam estes medos, explica o estudioso, “parecem não se dar conta de que, passados 50 anos, um cômputo equilibrado, seguindo o cálculo contábil de ganhos e perdas, deveria se registrar um saldo final, infelizmente, negativo”.

Massivo Introvigne, por sua vez, acaba de publicar um livro intitulado O fundamentalismo: das origens ao Estado Islâmico, no qual dedica algumas páginas aos fundamentalismos cristão e católico, descritos desta maneira: “O fundamentalismo católico não interpreta de maneira essencialista a Bíblia, mas a Tradição. Não é um fundamentalismo da Bíblia: é um fundamentalismo da Tradição. Pode-se dizer que o ‘fundamentalismo’ católico, primeiro inventa um texto e depois o lega como algo fixo. O ‘fundamentalismo’ católico concebe a Tradição (um elemento fundamental na maneira como funciona o catolicismo) de maneira diferente da maioria dos católicos do século XXI”.

Para estes, continua Introvigne, “a Tradição é uma realidade fundada, certa e originalmente, no testemunho apostólico, mas viva na história da Igreja. Por esta razão, para saber o que é a Tradição em nossos dias, devemos dirigir-nos aos que hoje guiam a Igreja, isto é, ao Papa e aos bispos em comunhão com ele. O ‘fundamentalista’ católico, pelo contrário, pensa na Tradição como se fosse um texto ou um manual definitivo, suscetível, no máximo, a glosas ou notas de rodapé. E depois se coloca como guardião deste texto imaginário, denunciando a quem quer (talvez inclusive aqueles que dirigem a Igreja) que dê a impressão de não ser fiel”.

“Se a Tradição é considerada de maneira essencialista, converte-se em um código socialmente construído e com o qual se julga os atos do Papa e dos bispos, dizendo quais podem ser acolhidos e quais não – observa Introvigne; a autoridade da Igreja desloca-se do Papa para aqueles que se autonomeiam guardiões e intérpretes da Tradição”.

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Por: Andrea Tornielli
Fonte: Vatican Insider
Tradução: André Langer

Disponível em: Unisinos

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