terça-feira, 14 de julho de 2015

Respostas sobre a obrigatoriedade da recitação da Liturgia das Horas


A celebração íntegra e quotidiana da Liturgia das Horas é, para os sacerdotes e diáconos a caminho do presbiterado, parte substancial de seu ministério eclesiástico.

Seria uma visão empobrecida olhar esta responsabilidade como o mero cumprimento de uma obrigação canônica, ainda que também o seja, e não teria presente que a ordenação sacramental confere ao diácono e ao presbítero um especial encargo de elevar ao Deus uno e trino o louvor pela Sua bondade, pela Sua soberana beleza e pelo desígnio misericordioso acerca da nossa salvação sobrenatural.

Juntamente com o louvor, os sacerdotes e diáconos apresentam à Divina Majestade a oração de intercessão afim de que se digne acudir às necessidades espirituais e temporais da Igreja e de toda a humanidade.

O “sacrifício de louvor” realiza-se, em primeiro lugar, na celebração da Santíssima Eucaristia. No entanto, prepara-se e prolonga-se na celebração da Liturgia das Horas (cf. IGLH, 12), cuja forma principal é a recitação comunitária, seja numa comunidade de clérigos ou de religiosos, sendo muito desejável a participação dos fiéis leigos.

Todavia, a Liturgia das Horas, chamada também Ofício Divino ou Breviário, de nenhuma maneira carece de valor quando é recitada a sós ou de certa forma privadamente, já que, ainda neste caso, “estas orações ainda que se realizem de modo privado, não imploram coisas privadas” (Gilbertus de Holland, Sermo XXIII in Cant., em P.L. 184, 120).

Com efeito, mesmo em circunstâncias similares, estas orações não constituem um acto privado, mas fazem parte do culto público da Igreja, de tal modo que, ao recitá-las, o ministro sagrado cumpre com seu dever eclesial: o sacerdote ou o diácono que, na intimidade de um templo, de um oratório ou em sua própria casa, se entrega à celebração do Ofício Divino, realiza, ainda que não haja ninguém que o acompanhe, um acto eminentemente eclesial, em nome da Igreja e em favor de toda a Igreja, e inclusivamente da humanidade inteira. 

No Pontifical Romano pode ler-se:

“Vós todos, quereis de acordo com vosso estado, perseverar e progredir no espírito de oração e, neste mesmo espírito, segundo vossas condições, realizar fielmente a Liturgia das Horas com o povo de Deus, em seu favor e pelo mundo inteiro?” (Pontifical Romano, Rito da ordenação de diáconos).

Assim, no rito da ordenação diaconal, o ministro sagrado pede e recebe da Igreja o mandato da recitação da Liturgia das Horas, o que pertence, portanto, ao âmbito das responsabilidades ministeriais do ordenado, e vai além de sua piedade pessoal. Os ministros sagrados, juntamente com o bispo, encontram-se unidos no ministério de intercessão pelo povo de Deus que lhes foi confiado, como o foi a Moisés (Ex 17,8-16), aos Apóstolos (1Tm 2,1-6) e ao mesmo Jesus Cristo, “que está à direita do Pai e intercede por nós” (Rm 8,34).

Igualmente, na Institutio Generalis de Liturgia Horarum n° 108 está escrito:

“Na Liturgia das Horas, quem salmodia não o faz tanto em seu próprio nome, como em nome de todo o Corpo de Cristo, e ainda na pessoa do próprio Cristo”.

Mesmo assim, no n. 29 da mesma Institutio se diz:

“Portanto, os bispos, os presbíteros e os diáconos que se preparam para o presbiterado e que receberam da Igreja o mandato de celebrar a Liturgia das Horas cumpram cada dia integralmente o seu curso, observando a realidade das horas, na medida do possível”.

O Código de Direito Canónico, por sua parte, estabelece no cân. 276, § 2, n. 3, que:

“os sacerdotes e os diáconos que aspiram ao presbiterado estão obrigados a cumprir cada dia com a Liturgia das Horas, usando os seus próprios livros litúrgicos, devidamente aprovados; os diáconos permanentes têm essa obrigação nos termos estabelecidos pela Conferência Episcopal”.

Com os antecedentes expostos pode-se responder às perguntas formuladas na seguinte forma:

1. Qual é a mente da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos em relação à extensão da obrigação de celebrar ou recitar diariamente a Liturgia das Horas?

R/ Aqueles que foram ordenados estão obrigados moralmente, em virtude da mesma ordenação recebida, à celebração ou recitação íntegra e quotidiana do Oficio Divino tal e como está canonicamente estabelecido no cânon 276, § 2, n. 3 do CDC, citado anteriormente. Esta recitação não tem a índole de uma devoção privada ou de um piedoso exercício realizado somente pela própria vontade do clérigo, mas é um ato próprio do sagrado ministério e oficio pastoral.

2. A obrigação sub gravi(1) inclui a recitação íntegra do Oficio Divino?

R/ Deve ter-se presente que:

a. um motivo grave, seja de saúde, ou de serviço pastoral do ministério, ou do exercício da caridade, ou de cansaço, não uma simples incomodidade, pode escusar a recitação parcial e inclusive total do Oficio Divino, segundo o princípio geral que estabelece que uma lei meramente eclesiástica não obriga com grave incomodidade;

b. a omissão total ou parcial do Oficio só por preguiça ou por realizar atividades de lazer não necessárias não é lícita, mais ainda, constitui um menosprezo, segundo a gravidade da matéria, do oficio ministerial e da lei positiva da Igreja;

c. para omitir o Oficio de Laudes e Vésperas requer-se uma causa de maior gravidade ainda, posto que estas Horas são “o duplo eixo do Oficio quotidiano” (SC 89);

d. se um sacerdote deve celebrar várias vezes a Santa Missa no mesmo dia, atender confissões por várias horas ou pregar várias vezes num mesmo dia, e isso lhe causa cansaço, pode considerar, com tranquilidade de consciência, que tem escusa legítima para omitir alguma parte proporcionada do Oficio;

e. o Ordinário próprio do sacerdote ou do diácono pode, por causa justa ou grave, segundo o caso, dispensá-lo total o parcialmente da recitação do Oficio Divino, ou substituí-lo por outro acto de piedade (como, por exemplo, o santo Rosário, a Via Sacra, uma leitura bíblica ou espiritual, um tempo de oração mental razoavelmente prolongado, etc.).

3. Qual é a incidência do critério da “veritas temporis”[2] sobre esta questão?

R/ A resposta deve dar-se por partes, para esclarecer os diversos casos:

a. O “Ofício das Leituras” não tem um tempo estritamente assinalado, e poderá celebrar-se a qualquer hora, podendo-se omiti-lo por alguma das causas apontadas na resposta indicada no n. 2 anterior. Segundo o costume, o Oficio das Leituras pode ser celebrado a partir das horas do entardecer ou ao anoitecer do dia anterior, depois das Vésperas (Cf. IGLH, 59).

b. O mesmo vale para a “hora media”, que tampouco têm assinalado algum tempo determinado de celebração. Para sua recitação, observe-se o tempo que media entre a manhã e a tarde. Fora do coro, das três horas, nove, doze e quinze, cabe eleger uma das três, aquela que mais se acomode ao momento do dia, afim de que se mantenha a tradição de orar durante o dia, no meio do trabalho (Cf. IGLH, 77).

c. Por si mesmas, as Laudes devem ser recitadas nas horas da manhã e as Vésperas nas horas do entardecer, como o indicam os nomes destas partes do Oficio. Se alguém não pode recitar as Laudes na manhã, tem a obrigação de fazê-lo quanto antes. Da mesma forma, se as Vésperas não podem ser recitadas nas horas da tarde, devem ser recitadas logo que se possa (SC 89). Por outras palavras, o obstáculo que impede observar a “verdade das horas” não é uma causa que escuse da recitação de Laudes ou Vésperas, porque se tratam de “Horas principais” (SC, 89) que “merecem o maior apreço” (IGLH, 40).

Quem recita com gosto a Liturgia das Horas e procura celebrar com dedicação os louvores ao Criador do universo, pode recuperar ao menos a salmodia da hora que foi omitida depois do hino da hora correspondente e concluir só com uma leitura breve e a oração.

Estas respostas publicam-se com a aprovação da Congregação para o Clero.

Cidade do Vaticano, 15 de Novembro de 2000.


+Jorge A. Card. Medina Estévez, Prefeito
+ Francesco Pio Tamburrino, Arcebispo Secretario


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[1] Obrigação grave, que, se omitida sem motivos razoáveis, constitui pecado grave (N. T.).

[2] Literalmente, verdade do tempo. Na versão portuguesa, traduz-se por realidade das horas (Cf. IGLH, n. 29) (N. T.).

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