quarta-feira, 22 de julho de 2015

Homilética: 17º Domingo Comum: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.


A partir deste domingo, a liturgia interrompe a leitura do Evangelho de São Marcos e intercala um longo trecho do Evangelho de São João, que contém a narrativa da multiplicação dos pães e o discurso eucarístico de Jesus na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6).  Tudo isto tem seu motivo prático: o Evangelho de São Marcos é o mais breve de todos e não chega a preencher todo o ano litúrgico e, por isso, é integrado com o Evangelho de São João, que não é lido no ciclo dos anos litúrgicos.  O importante é que, durante quatro domingos teremos a oportunidade de desenvolver uma catequese sobre o Sacramento da Eucaristia.

Na primeira leitura, o profeta Eliseu, ao partilhar o pão que lhe foi oferecido com as pessoas que o rodeiam, testemunha a vontade de Deus em saciar a “fome” do mundo; e sugere que Deus vem ao encontro dos necessitados através dos gestos de partilha e de generosidade para com os irmãos que os “profetas” são convidados a realizar.

A Palavra de Deus, em Jo 6, 1– 15, mostra-nos Jesus num lugar afastado, junto ao lago de Genesaré, no meio de uma multidão de povos provenientes das cidades vizinhas. Eram, aproximadamente, cerca de cinco mil homens ( cf. Jo 6, 10 ). E enquanto o Senhor falava, ninguém pensou no cansaço, nem nas horas que tinham passado sem comer, nem na falta de provisões e na impossibilidade de obtê-las. As palavras de Jesus tinham cativado a todos e ninguém se lembrou da fome nem da hora de regressar. Mas Jesus compreende nossas necessidades materiais, e por isso compadeceu-se também dos corpos exaustos daqueles que o tinham seguido. E realiza o esplêndido milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.

Depois de mandar que se sentassem na relva, Jesus, tomando os cinco pães e os dois peixes, levantando os olhos ao Céu, pronunciou a bênção e, partindo os pães os deu aos discípulos e os discípulos às multidões. Todos comeram até ficarem saciados. O Senhor cuida dos seus, dos que O seguem!

O relato do Milagre começa com as mesmas palavras e descreve os mesmos gestos com que os Evangelhos e São Paulo nos transmitem a instituição da Eucaristia (Mt 26, 26; Mc 14, 22; Lc 22, 19; 1Cor 11, 25). Esse milagre, além de ser uma manifestação da misericórdia divina de Jesus para com os necessitados, era figura da Sagrada Eucaristia, da qual o Senhor falaria pouco depois, na sinagoga de Cafarnaum ( Jo 6, 26 – 59). Assim o interpretaram muitos Padres da Igreja. O olhar orienta -se para a Eucaristia, o perpetuar- se deste dom: Cristo faz – se Pão de Vida para os homens. Santo Agostinho comenta assim: “Quem, a não ser Cristo, é o Pão do Céu? Mas para que o homem pudesse comer o Pão dos Anjos, o Senhor dos anjos fez-se homem. Se isso não se tivesse realizado, não teríamos o seu Corpo; sem termos o Corpo que lhe é próprio, não comeríamos o Pão do Altar” ( Sermão 130, 2 ). A Eucaristia é o grande encontro permanente do homem com Deus, em que o Senhor se faz nosso alimento, em que se oferece a Si próprio para nos transformar n’Ele mesmo.

O milagre daquela tarde junto do lago, manifestou o poder e o amor de Jesus pelos homens. Poder e amor que hão de possibilitar também, ao longo da história, que o Corpo de Cristo seja encontrado, sob as espécies sacramentais, pelas multidões dos fiéis que O procurarão famintas e necessitadas de consolo. Como diz São Tomás de Aquino: “… tomam-no um, tomam-no mil, tomam-no este ou aquele, mas não se esgota quando O tomam…”.

Se só repartir resolvesse, já não haveria mais fome no mundo. Se Jesus fez tantos outros milagres como a cura de cegos, surdos e tantos mais, por que não poderia multiplicar os pães? É curioso que o termo “multiplicação” não esteja presente no texto deste trecho do Evangelho. O que, em vez, está no texto é a palavra “repartiu”. Mas pelo tanto de comida que havia – poucos pães e peixes, nossa lógica nos obriga a pensar que Ele primeiro multiplicou, para depois dividir entre todos. Cristo tem o poder não só de multiplicar os pães, mas também todos os dons materiais e espirituais que achar necessário.

Vimos no relato do milagre que aquelas pessoas até se esqueceram da comida para não perderem o contato com Jesus. Peçamos a graça de sempre procurarmos o Mestre, desejar recebê-Lo na Eucaristia. Nós O encontramos na Sagrada Comunhão. Ele nos espera a cada um! Não fica na expectativa de que lhe peçamos alguma coisa: antecipa-se e cura-nos das nossas fraquezas, protege-nos contra os perigos, contra as vacilações que pretendem separar-nos dEle, e dá vida ao nosso caminhar. Cada Comunhão é uma fonte de graças, uma nova luz e um novo impulso que, às vezes sem o notarmos, nos dá fortaleza para enfrentarmos com garbo humano e sobrenatural a vida diária, a fim de que os nossos afazeres nos levem até Ele.

Peçamos ao Senhor que nos faça redescobrir a importância de nos alimentarmos não só de Pão, mas de Verdade, de Amor, de Cristo, do Corpo de Cristo, participando fielmente e com grande consciência na Eucaristia, para estarmos cada vez mais intimamente unidos a Ele. Com efeito, “não é o Alimento Eucarístico que se transforma em nós, mas somos nós que acabamos misteriosamente mudados por Ele. Cristo alimenta-nos, unindo-nos a Si; ‘atrai-nos para dentro de Si’” ( Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, 70 ).

Jesus, realmente presente na Sagrada Eucaristia, dá a este sacramento uma eficácia sobrenatural infinita. A Santíssima Eucaristia é a doação máxima que Jesus Cristo fez de si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem. Na Eucaristia, Jesus não dá “alguma coisa”, mas dá-se a Si mesmo; entrega o seu corpo e derrama o seu sangue. Graças à Eucaristia, a Igreja renasce sempre de novo! Quanto mais viva for a fé eucarística no povo de Deus, tanto mais profunda será a sua participação na vida eclesial por meio de uma adesão convicta à missão que Cristo confiou aos seus discípulos.

Na segunda leitura, Paulo lembra aos crentes algumas exigências da vida cristã. Recomenda-lhes, especialmente, a humildade, a mansidão e a paciência: são atitudes que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de preconceito em relação aos irmãos.

Jesus é, além de Salvador, Nosso Mestre. Além de fazer milagres, como o da multiplicação dos pães, preocupou-Se em nos ensinar a recolher e guardar os pedaços que sobraram. A lição que quis nos dar é a de que não podemos viver somente de milagres. Cristo não é um mágico a quem recorremos em cima da hora dos nossos compromissos para que Ele dê uma solução fantástica e imediata. Diante deste texto sagrado da Liturgia de hoje nós deveríamos nos perguntar se estamos tendo fé suficiente a fim de acreditarmos que Jesus, Nosso Senhor, tem poder para nos dar Seus dons em abundância e se cuidamos destes dons colocando-os a serviço da Igreja e da humanidade.

Durante cinco domingos seguidos lemos no capítulo seis de São João, onde se narra o discurso-catequese de Jesus sobre o Pão da vida. João é o teólogo da Eucaristia. A vida cristã tem o seu centro na Eucaristia. Sem a Eucaristia não podemos viver. A Eucaristia exige e nos compromete a compartilhar também os nossos diversos pães com os irmãos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Sim, dar o nosso pão para o povo (1ª leitura). E dá-lo com humildade, amabilidade, compreensão (2ª leitura).
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Textos: 2 Re 4, 42-44; Ef 4, 1-6; Jo 6, 1-15

Meus caros irmãos, iniciemos a nossa reflexão tendo como referência o texto da primeira leitura que nos é proposto para este domingo (cf. 2Rs 4,42-44), em que nos é dito que um homem de Baal trouxe a Eliseu o pão das primícias: vinte pães de cevada e trigo novo que deviam ser apresentados diante do Senhor, a quem deveriam ser consagrados para depois serem revertidos em benefício do sacerdote (cf. Lv 23,20). Ao ser entregue a Eliseu, ele, no entanto, não conservou os dons para si, mas mandou reparti-los.  O servo do profeta não acreditava que os alimentos oferecidos chegassem para cem pessoas; no entanto, ainda sobraram. A descrição de uma milagrosa multiplicação de pães de cevada e de grãos de trigo sugere que, quando o homem é capaz de partilhar os dons recebidos de Deus, esses dons chegam para todos e ainda sobram.

No Evangelho o mesmo tema se repete. Jesus, o Deus que veio ao encontro dos homens, percebe a “fome” da multidão que o segue e propõe saciá-la. Aos discípulos, aqueles que vão continuar até ao fim dos tempos a mesma missão que o Pai lhe confiou, Jesus os convida a assumirem o dom da partilha, concretizada na distribuição do pão. A multidão que segue Jesus tem fome e não tem o que comer (vv. 5-6). Esta referência nos leva ao Livro do Êxodo quando, no deserto, o Povo que caminhava para a terra prometida sentiu fome (cf. Ex 16,4ss).

Jesus hoje dá um exemplo maravilhoso para todos nós, cristãos e não cristãos: vê a multidão que o segue, sente compaixão por ela porque a vê faminta e soluciona esta necessidade básica- a fome-, símbolo de outra necessidade profunda, a necessidade de Deus, da sua Palavra e do seu amor. Agora bem, Cristo quer também a nossa colaboração e por isso diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. É um grande desafio que requer fé, confiança e generosidade da nossa parte para compartilhar o muito ou o pouco que tivermos. Graças à colaboração de todos Deus operou o grande milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. Assim foi também no caso de Eliseu na primeira leitura de hoje.

Ao procurar uma solução para saciar a fome dos que ouviam a sua Palavra, Jesus envolve os seus próprios discípulos e ouve a pergunta: “Onde haveremos de comprar pão para lhes dar de comer?” (v. 5).  O Evangelista São João nota que Jesus põe a questão aos discípulos, representados por Filipe, para os “experimentar” (v. 6).  Filipe constata a impossibilidade de resolver o problema, dentro do quadro econômico vigente: “Duzentos denários não bastariam para dar um pedaço a cada um” (v. 7).  O denário era uma moeda de prata da época romana e tinha o valor de uma dracma, o salário diário de um trabalhador no tempo de Jesus (cf. Mt 20,2.9.13). Então Deus respondeu à necessidade do Povo e lhe deu comida em abundância. Os discípulos raciocinam em termos financeiros, mas Jesus procura dar ênfase à partilha.

André, porém, apresenta uma solução: “Há aqui um menino, que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos” (v. 9). No entanto, o próprio Apóstolo André não está convicto dos resultados, quando completa: “Mas o que é isso para tantas pessoas?” A figura do “menino”, anônimo, é significativa: quer pela idade, quer pela condição, pois trata-se de alguém ainda frágil em sua estrutura física e também social.

Jesus ordena aos discípulos que façam sentar aquela multidão, em seguida ele tomou aqueles pães e peixes, deu graças ao Pai e distribuiu-os, como nos relata o Evangelho: “Tomou os pães e deu graças. Em seguida, distribuiu-os a quantos estavam sentados” (Jo 6,11). As palavras pronunciadas por Jesus sobre o pão, que é compartilhado, junto com a ação de graças, são paralelas às palavras da Última Ceia e evocam a Eucaristia, o Sacrifício de Cristo para a salvação do mundo. A palavra “Eucaristia” quer dizer “Ação de Graças” e é o grande encontro permanente do homem com Deus, em que ele mesmo se faz nosso alimento e se oferece a si próprio para nos transformar nele mesmo.

Os pães e os peixes foram sendo distribuídos fartamente, sinal da bondade de Deus, operada pelas mãos de Jesus.  A multidão fica admirada com o prodígio da multiplicação dos pães; mas o dom que Jesus oferece é a plenitude de vida para o homem faminto. Jesus sacia não só a fome material, mas aquela mais profunda, a fome do sentido da vida, a fome de Deus.

Na cena, a atitude do menino tem uma especial relevância. Diante da dificuldade de alimentar tantas pessoas, põe ele em comum o pouco de que dispõe: cinco pães e dois peixes (v.8). O milagre se realiza a partir de uma primeira partilha modesta daquilo que um simples menino possuía.

O final do relato também tem algo a nos dizer. Quando todos se saciaram, Jesus ordenou: “Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca. Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido” (v. 12-13).  O número doze era o número dos apóstolos e era o símbolo da universalidade dos bens de Deus.  A recomendação de Jesus para recolher os pedaços que sobraram indica que é aos Apóstolos e aos sacerdotes que Jesus incumbiu esta missão de conservar como o maior tesouro sobre a terra, a divina Eucaristia, e de levá-la aos doentes, por isto chamamos de reserva eucarística. E, quanto aos fiéis, devem conservar religiosamente os frutos e as graças da comunhão recebida.

A Igreja seguiu o exemplo de Jesus durante estes 21 séculos de história, obedecendo ao imperativo “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A Igreja repartiu generosamente o pão da compaixão e da ternura com os doentes, anciãos, órfãos. Soube conjugar a evangelização com a beneficência e o cuidado material dos mais pobres, colaborando e completando o que num princípio pertenceria aos deveres de cada Estado. Testemunho desta ação caritativa e de promoção humana e cristã são as diversas ordens e congregações religiosas: As Missionárias da Caridade da beata Madre Teresa de Calcutá; as irmãzinhas dos Anciãos desamparados de Santa Teresa de Jesus Jornet e Ibars; os Irmãos Hospitaleiros de São João de Deus; os servidores dos enfermos de São Camilo de Lélis; as servas de Maria ministras dos enfermos de Santa Soledad Torres Acosta; os Oratorianos de São Felipe Neri... E uma coroa de cristãos comprometidos, missionários, voluntários, religiosos e religiosas que trabalham desinteressadamente no campo sanitário e educativo, e “compartilham o seu pão” com os que não o têm. Esta colaboração é às vezes econômica e outras, a doação de si mesmos, do seu tempo, do seu trabalho. E fazem isso não só com os países do Terceiro Mundo, mas bem próximo, no seu próprio ambiente, no qual os anciãos e os enfermos ou os pobres necessitam o “pão” da nossa acolhida, ternura e proximidade.

Esse “Dai-lhes vós mesmos de comer” implica, pois, compartilhar o pão material. Mas, sobretudo, é um símbolo muito expressivo de outros “pães” dos que também tem fome a humanidade: a cultura, pois muitos não têm escola; trabalho digno e estável; moradia para os que estão na rua dormindo debaixo das pontes ou jogados em qualquer praça; possibilidades de vida especialmente para emigrantes que abandonam o seu país em busca de um futuro melhor. Cristo não só da de comer ou cura os doentes e ressuscita os mortos; também prega o Reino, perdoa os pecados, conduz a Deus. Não quer que fiquem somente no mero fato do milagre material, mas que deem o salto à fé e ao compromisso da doação. Este discurso de São João no capítulo seis levará pouco a pouco os leitores à compreensão mais profunda do sacramento da Eucaristia.    

Na Oração do Pai Nosso, em sua segunda parte, o próprio Senhor Jesus nos ensina a pedir: “O pão nosso de cada dia dai-nos hoje”.  O Pai, que nos dá a vida, não pode deixar de nos dar o alimento necessário à vida.  Este pedido de pão que fazemos na Oração do Pai Nosso não pode ser isolado de uma frase dita por Jesus na parábola do Juízo Final: “Tive fome e me destes de comer” (Mt 25,35).  Mas, devemos também lembrar que “o homem não vive apenas de pão, mas de tudo aquilo que procede da boca de Deus” (Dt 8,3; Mt 4,4).  Há também na terra não apenas a fome de pão, mas também a fome de ouvir a palavra de Deus (cf. Am 8,11).

Assim, devemos lembrar também da palavra de Deus a ser acolhida na fé, e do Corpo de Cristo a ser recebido na Eucaristia. A Eucaristia deveria ser também o nosso Pão quotidiano.  No milagre da multiplicação dos pães, quando o Senhor proferiu a bênção, partiu e distribuiu os pães através dos seus discípulos para alimentar a multidão, o que prefigura a superabundância deste único pão da sua Eucaristia.

Que a nossa oração ampare o compromisso comum para que nunca falte a ninguém o Pão do céu que dá vida eterna e o necessário para uma vida digna e se afirme a lógica da partilha e do amor. Que o Senhor nos faça redescobrir a importância de nos alimentarmos não só de pão, mas de verdade, de amor, de Cristo, do corpo de Cristo, participando fielmente e com grande consciência na Eucaristia, para estarmos cada vez mais intimamente unidos a ele.

Peçamos também ao Senhor que nos conceda ouvidos atentos de discípulos para acolher e transmitir a sua Palavra e que tenhamos sempre fome do verdadeiro Pão, que é a Eucaristia, e que ela seja vivificante para cada um de nós. A Virgem Maria nos acompanhe com a sua materna intercessão e venha em nosso auxílio para que o nosso coração esteja sempre aberto à compaixão pelo próximo e à partilha fraterna dos dons que possuímos.  Assim seja. 

PARA REFLETIR

Salta à vista o tema do pão na liturgia de hoje: ele aparece claramente na primeira leitura e no evangelho e, de modo implícito, está presente também no salmo. Na tradição bíblia, o pão recorda duas coisas importantíssimas. Lembra-nos, primeiramente, que não somos auto-suficientes, não possuímos a vida de modo absoluto: devemos sempre renová-la, lutar por ela. O homem não se basta a si próprio; precisa do pão de cada dia. E aqui, um segundo importante aspecto: o homem não pode, sozinho, prover-se de pão: é Deus quem faz a chuva cair, quem torna o solo fecundo, quem dá vigor à semente. Assim, a vida humana está continuamente na dependência do Senhor. Portanto, meus caros, todos necessitamos do pão nosso de cada dia – e este é dom de Deus. “O que tens tu, ó homem, que não tenhas recebido? E, se recebeste, do que, então, te glorias?”

Desse modo, caríssimos irmãos em Cristo, Jesus, ao multiplicar os pães, apresenta-se como aquele que dá vida, que nos sacia com o sentido da existência – sim, porque não há vida de verdade para quem vive sem saber o sentido do viver! – Dá-nos, Jesus a vida física, a vida saudável, mas dá-nos, mais que tudo, a razão verdadeira de viver uma vida que valha a pena!

Mas, acompanhemos com mais detalhes a narrativa do Quarto Evangelho. Jesus, num lugar deserto, estando próxima a Páscoa, Festa dos judeus, manda o povo sentar-se sobre a relva verde, toma uns pães e uns peixes, dá graças, parte, e os distribui… multiplicando os pães e os peixes. Todos comeram e ficaram saciados. Não aparece no evangelho deste Domingo, mas sabemos, pela continuação do texto de São João, que o povo, após o milagre, foi à procura do Senhor e ele recriminou duramente a multidão: “Vós me procurais não porque vistes os sinais, mas porque comestes pão e ficastes saciados!” Que sinal o povo deveria ter visto? Recordemos que no final do trecho que escutamos no evangelho o povo exclama: “Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo”. Eis: o povo até que começou a discernir o sentido do milagre de Jesus; mas, logo depois, fascinado simplesmente pelo pão material, pelas necessidades de cada dia, esquece o sinal. Insistimos: que sinal? Primeiro, que Jesus é o Novo Moisés, aquele profeta que o próprio Moisés havia anunciado em Dt 11,18: “O Senhor Deus suscitará no vosso meio um profeta como eu”. Pois bem: como Moisés, Jesus reúne o povo num lugar deserto, como Moisés, sacia o povo com o pão… Mas, Jesus é mais que Moisés: ele é o Deus-Pastor que faz o rebanho repousar em verdes pastagens (“Havia muita relva naquele lugar… Jesus mandou que o povo se sentasse…”) e lhe prepara uma mesa. Era isso que o povo deveria ter compreendido; foi isso que não compreendeu…

E nós, compreendemos os sinais de Cristo em nossa vida? Somos capazes de descortinar o sentido dos seus gestos, seja na alegria seja na tristeza, seja na luz seja na treva? Os gestos de Jesus na multiplicação dos pães é também prenúncio da Eucaristia. Os quatro gestos por ele realizados – tomou o pão, deu graças, partiu e deu – são os gestos da Última Ceia e de todas as ceias que celebram o sacrifício eucarístico do Senhor: na apresentação das ofertas tomamos o pão, na grande oração eucarística (do prefácio à doxologia – “Por Cristo, com Cristo…”) damos graças, no “Cordeiro de Deus” partimos e na comunhão distribuímos. Eis a Missa: o tornar-se presente dos gestos salvíficos do Senhor, dado em sacrifício e recebido em comunhão.

Vivendo intensamente esse Mistério, nos tornamos realmente membros do corpo de Cristo, que é a Igreja. Cumprem-se em nós, de modo real, as palavras do Apóstolo: “Há um só Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança a que fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos”. Eis, caríssimos! Que o bendito Pão do céu, neste sinal tão pobre e humilde do pão e do vinho eucarísticos, nos faça compreender e acolher a constante presença do Senhor entre nós e nos dê a graça de vivermos de verdade a vida de Igreja, sendo um sinal seu no meio do mundo. Amém.

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