quarta-feira, 8 de julho de 2015

Discurso à sociedade civil em Quito


Discurso à sociedade civil
Quito – Equador
Terça-feira, 07 de julho de 2015

Queridos amigos!

Rejubilo por estar convosco, homens e mulheres que representais e dinamizais a vida social, política e econômica do país.

Mesmo antes de entrar na igreja, o Senhor Prefeito entregou-me as chaves da cidade. Deste modo, posso dizer que aqui, em San Francisco de Quito, sou de casa. A vossa prova de confiança e carinho, ao abrir-me as portas, permite-me apresentar-vos algumas chaves da convivência cívica a começar da vida familiar.

A nossa sociedade ganha, quando cada pessoa, cada grupo social se sente verdadeiramente de casa. Numa família, os pais, os avós, os filhos são de casa; ninguém fica excluído. Se alguém tem uma dificuldade, mesmo grave, ainda que seja por culpa dele, os outros correm em sua ajuda, apoiam-no; a sua dor é de todos. Não deveria ser assim também na sociedade? E, no entanto, as nossas relações sociais ou o jogo político baseiam-se muitas vezes na luta, no descarte. A minha posição, a minha ideia, o meu projeto consolidam-se, se for capaz de vencer o outro, de me impor. Isto é ser família? Nas famílias, todos contribuem para o projeto comum, todos trabalham para o bem comum, mas sem anular o indivíduo; pelo contrário, sustentam-no, promovem-no. As alegrias e as penas de cada um são assumidas por todos. Isto é ser família! Oh se pudéssemos ver o adversário político, o vizinho de casa com os mesmos olhos com que vemos os filhos, esposas ou maridos, pais ou mães. Amamos a nossa sociedade? Amamos o nosso país, a comunidade que estamos tentando construir? Amamo-la nos conceitos proclamados, no mundo das ideias? Amemo-la mais com as obras do que com as palavras! Em cada pessoa, em sua situação concreta, na vida que compartilhamos. O amor tende sempre à comunicação; nunca ao isolamento.

A partir deste afeto, surgirão gestos simples que fortalecem os vínculos pessoais. Já em várias ocasiões, me referi à importância da família como célula da sociedade. No âmbito familiar, as pessoas recebem os valores fundamentais do amor, da fraternidade e do respeito mútuo, que se traduzem em valores sociais fundamentais: a gratuidade, a solidariedade e a subsidiariedade. 

Para os pais, todos os filhos, embora cada um tenha a sua índole própria, são igualmente adoráveis. Mas, quando a criança se nega a partilhar o que recebe gratuitamente deles, quebra esta relação. O amor dos pais ajuda-o a sair do seu egoísmo, para que aprenda a viver com os demais, a ceder para se abrir ao outro. No âmbito social, isto supõe assumir que a gratuidade não é complementar, mas requisito necessário da justiça. O que somos e temos foi-nos confiado para o colocarmos ao serviço dos outros; a nossa tarefa é fazer com que frutifique em boas obras. Os bens estão destinados a todos e, embora uma pessoa ostente o seu título de propriedade, sobre eles pesa uma hipoteca social. Assim o conceito econômico de justiça, baseado no princípio de compra-venda, é superado pelo conceito de justiça social, que defende o direito fundamental da pessoa a uma vida digna. A exploração dos recursos naturais, tão abundantes no Equador, não deve apostar no benefício imediato. Ser administradores desta riqueza que recebemos compromete-nos com a sociedade no seu conjunto e com as gerações futuras, às quais não poderemos legar este patrimônio sem o devido cuidado do meio ambiente, sem uma consciência de gratuidade que brota da contemplação do mundo criado. Hoje estão aqui connosco irmãos dos povos indígenas da Amazônia Equatoriana; esta área é das «mais ricas em variedade de espécies, em espécies endêmicas, raras ou com menor grau de efetiva proteção. (…) Requerem um cuidado particular pela sua enorme importância para o ecossistema mundial [pois têm] uma biodiversidade de enorme complexidade, quase impossível de conhecer completamente, mas quando estas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos, em poucos anos perdem-se inúmeras espécies, ou tais áreas transformam-se em áridos desertos» (cf. LS 37-38). Lá o Equador – juntamente com os outros países detentores de franjas amazônicas – tem uma oportunidade para exercer a pedagogia duma ecologia integral. Recebemos o mundo como herança dos nossos pais, mas também como empréstimo das gerações futuras, a quem o temos de devolver.

Da fraternidade vivida na família, nasce a solidariedade na sociedade, que não consiste apenas em dar ao necessitado, mas em sermos responsáveis uns dos outros. Se virmos no outro um irmão, ninguém pode ficar excluído, marginalizado.

O Equador, como muitos povos latino-americanos, passa hoje por profundas mudanças sociais e culturais, novos desafios que requerem a participação de todos os atores sociais. A emigração, a concentração urbana, o consumismo, a crise da família, a falta de trabalho, as bolsas de pobreza produzem incerteza e tensões que constituem uma ameaça para a convivência social. As normas e as leis, bem como os projetos da comunidade civil, devem procurar a inclusão, abrir espaços de diálogo, de encontro e, assim, deixar como uma triste recordação qualquer tipo de repressão, de controle excessivo e a perda de liberdade. A esperança dum futuro melhor passa por oferecer oportunidades reais aos cidadãos, especialmente aos jovens, criando emprego, com um crescimento econômico que chegue a todos e não se fique pelas estatísticas macroeconômicas, com um desenvolvimento sustentável que gere um tecido social firme e bem coeso.

Por fim, o respeito pelo outro que se aprende na família traduz-se, na esfera social, em subsidiariedade. Assumir que a nossa opção não é necessariamente a única legítima é um sadio exercício de humildade. Ao reconhecer a parte boa que há nos outros, mesmo com as suas limitações, vemos a riqueza que encerra a diversidade e o valor da complementaridade. Os homens, os grupos têm direito de percorrer o seu caminho, ainda que isso às vezes suponha cometer erros. No respeito da liberdade, a sociedade civil é chamada a promover cada pessoa e agente social, para que possa assumir o seu papel e contribuir, a partir da sua especificidade, para o bem comum. O diálogo é necessário, fundamental para chegar à verdade, que não pode ser imposta, mas procurada com sinceridade e espírito crítico. Numa democracia participativa, cada uma das forças sociais, os grupos indígenas, os afro-equatorianos, as mulheres, os grupos de cidadãos e quantos trabalham para a comunidade nos serviços públicos são protagonistas imprescindíveis neste diálogo. No-lo dizem com a maior eloquência as paredes, pátios e claustros deste lugar: baseada sobre elementos da cultura Inca e Caranqui, a beleza das suas proporções e formas, o arrojo dos seus diferentes estilos combinados de modo notável, as obras de arte designadas pelo nome de «escola quitenha», condensam um longo diálogo, com sucessos e fracassos, da história equatoriana. O hoje está cheio de beleza, e se é verdade que no passado houve erros e abusos – como negá-lo? – podemos afirmar que a amálgama irradia tanta exuberância que nos permite olhar o futuro com muita esperança.

Também a Igreja quer colaborar na busca do bem comum, com as suas atividades sociais e educativas, promovendo os valores éticos e espirituais, sendo um sinal profético que leve um raio de luz e esperança a todos, especialmente aos mais necessitados.

Muito obrigado por estarem aqui, por me ouvirem. Peço-vos, por favor, que levem as minhas palavras de encorajamento aos grupos que representais nas distintas esferas sociais. O Senhor conceda, à sociedade civil que representais, ser esse campo propício onde se vivam estes valores.
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Canção Nova

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