sexta-feira, 10 de julho de 2015

A vida dos outros


A crise da secularização, que para muitas pessoas assume a forma de um forte sentido de solidão e de uma perda de sentido da vida, é hoje considerada e narrada — em certos casos quase gritada — pela literatura. Enquanto dois escritores franceses de grande sucesso — Michel Houellebeq e Emmanuel Carrère — narram na sua última obra dois casos de regresso à fé católica falhados, o escritor inglês Ian McEwan brada — literalmente — a sua angústia num lindíssimo romance, «La ballata di Adam Henry» (Turim, Einaudi, 2014, 208 páginas, 20 euros). 

O caso é um clássico, uma questão biojurídica daquelas que se apresentam de novo sempre com maior frequência, e que impõem a opção entre ciência e religião. Um jovem — quase de maior idade — está a morrer de leucemia. Uma transfusão poderia salvar-lhe a vida, permitindo a continuação da terapia, mas os pais recusam por motivos religiosos. Chamada a decidir acerca do destino do jovem, Adam, é uma magistrada afirmada, tão apaixonada pelo seu trabalho que renuncia à maternidade e descuida o seu matrimónio. O caso do jovem acontece em contemporâneo com a crise matrimonial que ela vive, e que abre uma brecha imprevista na sua tranquila vida de mulher rica e afirmada. Acontece também em contemporâneo com a sua normal actividade de juíza que, ocupando-se de direito de família, assiste cada vez mais a numerosas crises matrimoniais que a põem diante «do absurdo perverso dos casais em fase de divórcio». A sua recente impressão era que as separações tivessem alcançado «o máximo das proporções de uma onda anómala, que tinha atingido inteiras famílias, disperso propriedades e sonhos luminosos, afogado qualquer pessoa que não tinha um forte instinto de sobrevivência. Promessas de amor abjuradas e descritas de novo, companheiros outrora serenos que se transformam em combatentes astutos escondidos por detrás dos respectivos advogados sem se preocupar com as despesas». 

Ao lado desta derrota, o problema de Adam é a sua família unida e amorosa, que tinha dado um sentido à vida e ao matrimónio graças à conversão a uma seita religiosa, as Testemunhas de Jeová. Salvar a vida do jovem a todo o custo significa que ele e os seus familiares têm que pôr em dúvida esta forte referência existencial.

Não se trata de superstição nem tão-pouco de engano por parte dos idosos da seita, mas da fidelidade a quem respondeu a uma necessidade profunda: a juíza compreende isto muito bem, e portanto para ela é claro que as razões científicas não são suficientes para encontrar uma sentença que imponha a supressão desta convicção. Precisamente por esta razão quer falar pessoalmente com o jovem, e vai ao hospital, onde encontra um ponto de contacto profundo com ele — poeta e aspirante músico — através da música e da poesia. Precisamente a música e os versos cantados juntos revelam ao próprio jovem o seu desejo de viver, e a ela a razão devido à qual o deve obrigar à transfusão.

Na inquietude que o atormenta depois da cura, Adam procurará insistentemente algumas respostas da juíza que, salvando-o, aos seus olhos se tornou inteiramente responsável pela sua vida. A mulher, mesmo se fascinada pelo jovem, que reabre no seu coração a ferida da maternidade negada, foge desta responsabilidade. Também porque ela mesma não saberia qual resposta dar a uma pergunta com um sentido tão exigente e profundo.

Trata-se de um romance de grande profundidade moral: por um lado, o autor realça o peso que carrega quem toma decisões importantes relativamente à vida dos outros, ou seja, decisões no campo da bioética. Por outro, revela o drama de uma sociedade que sabe unicamente destruir a fé, mas depois não tem respostas para dar às verdadeira perguntas que a nossa existência de seres humanos nos coloca. 


Lucetta Scaraffia
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L’osservatore Romano

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