quarta-feira, 3 de junho de 2015

Homilética: Solenidade de Corpus Christi - Ano B: "Corpo e Sangue da nova aliança".


A fé da Igreja na presença do seu Senhor ressuscitado no mistério da Eucaristia remonta à origem da comunidade cristã. São Paulo transmite o que recebeu da tradição, cerca de 25 anos depois da morte de Jesus. É a narração mais antiga da Eucaristia. A Igreja nunca abandonou esta centralidade. Também o Evangelho de Marcos dá-nos hoje um relato semelhante da instituição da Eucaristia.


A Solenidade do Corpo e do Sangue de Cristo foi instituída em meados do século XIII, numa época em que se comungava muito pouco e onde se levantavam dúvidas sobre a «presença real» de Jesus na hóstia consagrada depois da celebração da Eucaristia. A Igreja respondeu, não com longos discursos, mas com um ato: sim, Jesus está verdadeiramente presente mesmo depois do fim da missa. E para provar esta fé, criou-se o hábito de organizar procissões com a hóstia consagrada pelas ruas, fora das igrejas.


Hoje, não é raro encontrar católicos que põem em dúvida esta permanência da presença Jesus no pão eucarístico. As palavras de Jesus esclarecem-nos: «Este é o meu Corpo… Este cálice é a nova Aliança no meu sangue». Estas afirmações de Jesus, na noite de quinta-feira santa, não dependiam nem da fé nem da compreensão dos apóstolos. É Jesus que se compromete, que dá o pão como sendo o seu corpo, o cálice de vinho como sendo o cálice da nova Aliança no seu sangue. Só Ele pode ter influência neste pão e neste vinho.


Hoje, é o sacerdote ordenado que pronuncia as palavras de Jesus, mas não é ele que lhes dá sentido e realidade. É sempre Jesus ressuscitado que se compromete, exatamente como na noite de quinta-feira santa. O sacerdote e toda a comunidade com ele são convidados a aderir na fé a esta ação de Jesus. Mas não têm o poder de retirar a eficácia das palavras que não lhes pertencem. A Igreja tem razão em celebrar esta permanência da presença de Jesus. Que esta seja para nós fonte de maravilhamento e de ação de graças!


COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Textos: Ex 24,3-8; Hb 9,11-15; Mc 14,12-16.22-26

A primeira leitura da solenidade da festa de Corpus Christi no ano B, nos propõe um trecho do livro do Êxodo (24.3 -8). Esta Perícope fala da Aliança celebrada com as palavras: "Faremos tudo quanto nos disse o Senhor", mas também através de um gesto significativo.

Na verdade, Moisés, depois de ter ordenado que fossem oferecidos sacrifícios de comunhão e depois de ter sacrificado touros, despeja a metade do sangue sobre o altar, símbolo de Deus, e com a outra metade asperge o povo dizendo: "Este é o sangue da Aliança que o Senhor fez convosco segundo todas estas palavras”'.

A segunda leitura, por sua vez, nos recorda que Cristo é o mediador de uma nova Aliança porque "Ele entrou uma vez por todas no Santuário, não mediante o sangue de bodes e de bezerros, mas com o Seu próprio sangue, obtendo, assim, uma redenção eterna”. Mais adiante o autor conclui: "por isso Ele é o mediador de uma nova aliança. Pela Sua morte, Ele reparou as transgressões cometidas no decorrer da primeira aliança. E assim, aqueles que são chamados recebem a promessa da herança eterna“ (Hb 9,15).

No final do Evangelho proposto para esta solenidade, a nova Aliança é apresentada nas palavras de Jesus que, em seguida, serão sempre pronunciadas na oração Eucarística: “Isto é o meu sangue, o sangue da Nova Aliança, que é derramado em favor de muitos" (Mt 14,12. 22-26).

É necessário, portanto, ter em mente, antes de tudo, que a Aliança prometida e depois realizada por Jesus através da celebração da Eucaristia continua concreta e operante. Isto é, o pacto de amizade entre Deus e o ser humano, amizade almejada por um lado, e por outro, tão difícil de alcançar, sobretudo pelo próprio homem, se torna possível, visível e concreta em Cristo. 

A vida sacramental e a escuta da Palavra tendem, justamente, à construção e à manutenção deste vínculo com o Senhor, a fim de que a Nova Aliança realizada seja também a obra por excelência na vida dos cristãos e através deles, na vida de todos os homens pelos quais o Senhor deu a Sua vida.

Assim, a participação na Eucaristia, consequentemente, torna-se também uma ocasião para a oração de intercessão por todo o mundo, como a Igreja faz, quando na sua liturgia reza, de modo especial, a oração universal. Aliás, todos os sacramentos repropõem o Memorial de Cristo morto e ressuscitado, através dos quais Ele é o Emanuel, isto é, Deus conosco até o fim dos tempos. É por isso que os sacramentos podem ser chamados também de mistérios. 

A Eucaristia, corpo e sangue do Senhor, comunica-nos toda a vida e toda a vitalidade de Cristo. A Igreja, portanto, celebra a Eucaristia, mas ao mesmo tempo em que a celebra percebe que, na realidade, é a própria Eucaristia que a edifica e lhe dá vida. Isto é, no coração da vida da Igreja está, portanto, a Eucaristia que a mantém viva, porque a torna totalmente de Cristo e através dele, da Trindade.

A solenidade de Corpus Christi chega até nós após a celebração de uma série de outras solenidades importantes como a Ascensão, o Pentecostes e a Santíssima Trindade, justamente porque com a Eucaristia, através do Senhor, estamos em comunhão com a maravilha da vida divina.

Ao celebrarmos esta solenidade, seria o caso de questionarmos, explicita e diretamente, se aquilo que se conhece da Nova Aliança é capaz de “dialogar” com a vida de cada um de nós e de todos, pois é preciso despertar a consciência de que, quem é cristão, não é apenas convidado a participar da celebração da Eucaristia na Santa Missa, mas também é convocado a viver de modo eucarístico, ou eucaristicamente, reconhecendo-a como o “cume e a fonte da vida cristã” (Sacrosanctum Concilium, 10).

É a oração “post communio” (pós-comunhão) no final da própria celebração da Eucaristia que nos ajuda a dialogar de modo a renovar e a desejar uma relação cada vez mais estreita entre a Eucaristia celebrada, a vida presente e a vida eterna ao suplicar: “Dai-nos, Senhor Jesus, possuir o gozo eterno da vossa divindade, que já começamos a saborear na Terra, pela comunhão do vosso Corpo e do vosso Sangue”. Louvado seja o Santíssimo Sacramento do Altar!


PARA REFLETIR

“Hoje a Igreja te convida:/ o Pão vivo que dá Vida/ vem com ela celebrar”.

Eis, caríssimos Irmãos, o sentido desta hodierna Solenidade: celebrar com a Igreja, celebrar como Igreja o Cristo, Pão vivo, Pão vivente, que nos dá a Vida divina, Vida que é o próprio Santo Espírito!

Nunca esqueçamos: no santíssimo Sacramento da Eucaristia, o próprio Senhor Jesus Cristo, imolado e ressuscitado, está realmente presente nas aparências do pão e do vinho, cheio de Espírito Santo, Espírito de Ressurreição, a ponto de a Escritura exclamar:

“O Senhor é o Espírito!” (2Cor 3,17)

Pois bem: quem comunga com o Corpo e Sangue do Senhor, recebe a Vida Eterna, isto é, o Espírito Santo, que nos cristifica, nos preparando para a Vida imperecível na Glória!

Muito pode ser dito sobre a Eucaristia!

O mistério é imenso, a riqueza é incomensurável, o amor é infinito!

As leituras que acabamos de escutar dizem-nos que este santíssimo Sacramento é, neste mundo, no caminho da Igreja, o selo sempre presente da Nova e Eterna Aliança do Senhor Deus com o Seu Povo; Aliança no Sangue do Cordeiro que tira o pecado do mundo; dizem-nos que o próprio Cristo, Sacerdote no Santuário da Eternidade, celebra para sempre, uma vez por todas, sem nunca terminar, o Sacrifício eterno pela nossa salvação, Sacrifício continuamente presente em nossos altares quando oferecemos a Eucaristia; dizem-nos que lá, na Glória, na Eucaristia eterna, na Missa perene, Ele nos espera, para bebermos com Ele o cálice da bênção, no Reino eterno de Deus!

Mas, caríssimos meus no Senhor, hoje, gostaria de lhes responder a algumas questões para ilustrar tão grande Sacramento… Ei-las: Por que o Senhor escolheu pão e vinho? E por que numa ceia? E por que corpo e sangue?

Por que o Senhor escolheu o pão e o vinho com água como matérias para a Eucaristia?

A resposta é simples: porque estes três alimentos são aqueles encontrados em todas as mesas, todos os dias, nos grandes e pequenos momentos. Ainda hoje, nos países da bacia do Mediterrâneo, em cada mesa, em cada refeição, estão lá: o pão fatiado, a água e o vinho! Alimentos dos ricos e dos pobres, alimento de todos! Irmãos: Cristo não quer estar presente na nossa vida somente em algumas ocasiões, somente nos grandes momentos… Ele é o alimento de todas as horas, de cada ocasião, do dia-a-dia miúdo da nossa existência! Amigo próximo, companheiro de caminho… E debaixo de sinais tão simples, tão nossos, tão do dia a dia…

– Obrigado, Senhor Jesus, Amigo certo das horas incertas!
Obrigado, Senhor Jesus, Amigo de todos os momentos, dos bons e dos maus, dos sorrisos e das lágrimas!

Obrigado, Amigo tão humilde, que, rico e glorioso, vens a nós “em tão ínfimos sinais”!

Por que o Salvador nosso escolheu uma ceia?

Antes de tudo, porque Ele quis instituir a Sua Páscoa como cumprimento e plena realização da Páscoa dos judeus; assim, na ceia pascal judaica, Ele instituiu o memorial da Sua Páscoa, entregando-a à Sua Igreja nascente como nossa Páscoa! Que mistério tão profundo! Que amor tão admirável: o cordeiro pascal dos judeus sacrificado e consumido em alimento, agora seria o próprio Cristo Senhor, partido, quebrado no sinal do pão e derramado no sinal do vinho, como memorial perene da Sua entrega na Cruz pela salvação nossa e do mundo inteiro!

Mas, tem mais: comer juntos, alimentar-se do mesmo alimento tirado do mesmo prato, na mesma refeição, significa viver a mesma vida! Portanto, o Senhor quis comer conosco, quis que comunguemos, que comamos, que nos alimentamos Dele mesmo, da Sua próprio Vida divina e Eterna, que é o Seu Espírito Santo e agora inunda a aparência do pão e a aparência do vinho! Comungando na Eucaristia, nós “con-vivemos” com o próprio Cristo ressuscitado, nós “vivemos com” a mesma Vida que Ele agora tem nos Céus em plenitude! E, comungando com Ele, Nele nos tornamos membros uns dos outros, um só Corpo, Corpo Dele, Corpo que é a Igreja! Eis, Irmãos, que neste Altar, nesta Mesa, nos tornamos sempre mais membros do Corpo de Cristo, nos tornamos sempre mais membros uns dos outros, nos tornamos sempre mais Igreja! Aqui a Igreja se fortalece, aqui a Igreja continuamente se faz e se refaz, a ponto de São Leão I Magno, Papa de Roma, exortar:

“Comei deste Pão e não vos dividireis; bebei deste Cálice e não vos desagregareis!”

– Obrigado, Salvador nosso, Jesus amado, porque nesta Mesa sagrada, Tu Te fazes nosso alimento de Vida eterna, Tu nos dás a comer Tua própria Vida divina, Tu nos unes a Ti e nos unes uns aos outros em Ti!

Senhor, não permitas nunca que nos separemos de Ti! Não consintas nunca em que nossas diferenças e debilidades nos separem uns dos outros!

Ó Cristo Deus, cada vez que participarmos desta Mesa santa, deste Altar sagrado, faze de nós, sempre mais, um só Corpo-Igreja no Teu Corpo-Eucaristia!

Que o Teu Espírito nos una num só Corpo, até o Dia da Vida Eterna, na Glória!

Por que o Salvador disse, do Pão: “É o Meu Corpo, a Minha Carne”? E por que, do Cálice: “É o Meu Sangue?”

Porque ambos os sinais exprimem bem o Seu amor, a Sua entrega total ao Pai e a nós, ao Pai por nós, em nosso favor!
Nas Escrituras, “corpo” e “carne” exprimem a pessoa toda, o homem todo, na sua fragilidade de criatura. Pois bem, dizendo “é o Meu Corpo”, o Senhor quis dizer:

“Sou Eu mesmo, em todos os Meus sonhos, em todas as dimensões da Minha vida, em todo o Meu amor… Tudo o que sou, tudo o que tenho, tudo quanto vivi, Eu entrego por vós, entrego a vós!”

“Sangue”, na Bíblia Sagrada, significa a vida. O sangue dado, evoca a vida derramada, a vida tirada, esparramada! O Senhor Jesus, dando-nos Seu Sangue, quis nos dar Sua existência vivida o tempo todo como doação, como entrega, até o extremo da Cruz!

Pois bem, no Seu Corpo e no Seu Sangue o Senhor Se deu todo: deu-nos Seu corpo, Sua existência, Seus cansaços, Seus amores, Sua paciência, até a morte e morte violenta, humilhante e dolorosa, morte de cruz!

– Senhor Jesus Cristo, nosso Sumo e Eterno Sacerdote, Cordeiro imolado, Vítima pascal, obrigado, porque, tendo nos amado, amaste-nos até o fim, até o extremo! Tudo Tu nos deste! Em nada Te poupaste!

Ajuda-nos, sustenta-nos, para que, comungando da Tua Eucaristia, saibamos, pelo amor do Teu Espírito Santo, fazer de nossa vida uma entrega total a Ti e, no Teu amor, aos irmãos!

O que não podemos com nossas forças, concede-nos pela força deste Sacramento de Amor!
Irmãos, que doação tão inteira! Que entrega tão total! Que amor tão completo! Que dom tão radical!

Eis a Eucaristia! Eis o Sacramento de amor! Eis o Sinal bendito que mais nos revela Quem é Deus: Deus é amor que Se entrega, que se gasta, que Se deixa consumir até fazer-Se alimento da criatura! Como diz a famosa estrofe “Panis Angelicus”:

“Ó coisa admirável!/ Alimenta-se do Senhor/ o pobre, o servo, o humilde!”

Por tudo isto, caríssimos, a Eucaristia nos impele, nos compromete a responder com amor a tão grande e completo e radical Amor!
Triste de quem comunga deste Sacramento com o coração fechado!
Ai de quem O recebe sem se dispor a amar, amar ao Senhor que nos ama e amar aos irmãos por amor do Amor que nos amou primeiro!
Que proclamemos hoje a nossa fé na Presença real e substancial do Senhor imolado e ressuscitado na Eucaristia!

Proclamemo-la celebrando o Sacrifício eucarístico,
proclamemo-la comungando o Corpo do Senhor,
proclamemo-la saindo em procissão pelas ruas de nossas cidades,
proclamemo-la, enfim, por uma vida eucaristicamente conformada: vida de amor e entrega a Deus, vida de amor e serviço aos irmãos; de modo que possamos, um dia, beber com o Senhor, do Fruto da videira, no Reino de Deus. Amém.

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