sábado, 16 de maio de 2015

Entregues à morte por causa de Jesus (cf. 2Cor 4,11).


“Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim antes que a vós. [...].
No mundo havereis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo” .
(Jo 15,18; 16,33).

Sempre eram comoventes para mim as celebrações litúrgicas dos mártires. Impressionam nelas as extraordinárias histórias de suas vidas envolvidas pela graça da fé, e, em especial, o testemunho final do seu sangue derramado como o de Cristo, em oblação perfeita de suas frágeis vidas. Além disso, a cor vermelha dos paramentos litúrgicos, as antífonas, os salmos e os cânticos permitem penetrar mais profundamente a alma e o coração de quem reza. Tudo isso torna-se mais tocante e comovente ainda quando iluminado pelas ricas perícopes da Palavra de Deus e pelas belíssimas orações próprias que trazem o Missal Romano e a Liturgia das Horas.

Bebê sequestrado pelo Estado Islâmico e depois morto decapitado

Confesso, que até pouco tempo atrás estas celebrações eram para mim muito mais ações sagradas do encontro com Deus, revestidas de gloriosa e serena memória litúrgica, com tudo que ela é capaz de trazer para o hoje da vida da Igreja e para a nossa vida cristã, porém, permaneciam um tanto distantes e idealizadas. Atualmente, não consigo mais celebrar as festas dos mártires cristãos com a mesma quietude litúrgica. A comoção toma conta das orações, das leituras, das reflexões e das homilias. Por vezes, as palavras dificilmente passam pela garganta, e faço esforço enorme para conter a comoção. Isto porque o martírio daqueles cristãos passou a ser relido a partir do martírio de milhares de cristãos dos tempos atuais, que como afirma o Papa Francisco, são muito mais numerosos que nos primeiros séculos da Igreja. 

Nestes últimos meses, vários jornais, especialmente cristãos, entre eles o jornal redentorista da Polônia, Nasz Dziennik[1][2], trouxe um triste relato sobre a terrível situação dos cristãos em Mosul, uma das cidades da Síria ocupada pelo Estado Islâmico (ISIS). De uma comunidade de mais de 120 mil cristãos, descendentes das primeiras comunidades cristãs, não restou mais nada. O Estado Islâmico brutalmente aniquilou os cristãos daquela região. Todas as 45 igrejas cristãs da cidade foram queimadas e totalmente destruídas. Antes de serem devastadas nos muros das igrejas foram publicadas inscrições dizendo: “Este lugar foi destruído conforme a lei do Estado Islâmico”. Também as casas dos cristãos eram marcadas com a letra “N” - “nazareus”, isto é, seguidores de Jesus Nazareno. Mas, a aniquilação de templos e das casas dos cristãos não foi a barbaridade maior. As maiores atrocidades foram cometidas contra milhares de crianças, jovens, mulheres e homens cristãos que foram obrigados a se “converter” ao islamismo, ou então foram brutalmente degolados, fuzilados e até crucificados, muitas vezes em execuções públicas. “Não há um parque em Mosul,” - disse um dos repórteres à CNN- “onde não decapitaram crianças e colocaram as cabeças em uma vara no parque“.[2][3]

Infelizmente, estes não são fatos isolados. Em diversos outros lugares do mundo a perseguição aos cristãos continua, inclusive, aqui na América Latina. Hoje a religião mais perseguida é justamente o cristianismo! Se existe uma fobia generalizada, não é certamente a homofobia, tão falada e enfatizada pelos Meios de Comunicação Social, mas a cristiano e cristofobia! Mas sobre elas os jornais vergonhosamente se calam quase por completo. Chama a atenção, - afirmaram os bispos argentinos na recente declaração sobre a perseguição aos cristãos no mundo -, fraca ou quase não existente repercussão destas barbaridades na imprensa internacional. Tal imprensa finge que o problema não existe ou então dissimula-se a verdade que incomoda, porque obriga a falar e escrever a favor dos cristãos perseguidos.

Não é o nosso objetivo, ao levantar esta questão aqui, disseminar a animosidade contra o islamismo ou outros movimentos e grupos que fazem questão de combater o cristianismo. Escrevo para que como cristãos: Católicos, Ortodoxos e Protestantes, não abandonemos os nossos irmãos à mercê da violência e da perseguição. Se o mundo se cala, se os governos se calam pressionados pelos barris do petróleo, nós como Igreja e como comunidades cristãs não podemos calar. Gratos a Deus pela relativa paz confessional no Brasil, devemos, com mais frequência rezar em nossas celebrações pelos cristãos perseguidos. Devemos retomar seu exemplo em nossas homilias e pregações. E se acreditamos que o sangue dos mártires é a semente de novos cristãos, como dizia Tertuliano, precisamos tomar seu exemplo para revigorar a fé daqueles que por qualquer motivo abandonam a fé católica, mudam de igrejas como se fosse qualquer grupo de diversão ou de comércio, ou ainda daqueles que, mesmo batizados, não fazem questão de participar das celebrações dominicais. Enquanto uns são despojados de suas casas, de suas propriedades, de seus direitos mais fundamentais e até mesmo perdem a própria vida por serem cristãos, outros sequer fazem questão do seu cristianismo ou quem sabe, aproveitam-se do seu status para outros fins. De fato, o martírio destes cristãos faz enrubescer o nosso rosto, e nos faz repensar seriamente a nossa vida cristã, a nossa convivência e a nossa atuação na sociedade e na política. E isso vale tanto para todas as igrejas e grupos religiosos cristãos, quanto individualmente para cada leigo, religioso, clérigo ou pastor. Isto nos faz repensar a questão do testemunho da nossa fé no meio do mundo cada vez mais secularizado que tende a considerar e apresentar o cristianismo como entrave da liberdade pessoal, do progresso e do desenvolvimento integral do ser humano e da sociedade. Isto nos faz repensar também o modo como nós apresentamos os nossos mártires: Dom Oscar Romero, Irmã Dorothy Stang, Irmã Cleusa Carolina Rody Coelho, Pe. Josimo Tavares, só para lembrar alguns. Por acaso, não fizemos deles simplesmente uns agentes de transformação social e política do que cristãos e místicos, homens e mulheres de Deus, que seguindo os passos de Jesus deram a sua vida por causa do Reino? 

Existem diversos modos de os cristãos lutarem pela liberdade religiosa, pela superação da barbárie das perseguições e pela valorização de cada ser humano. No meio de tantas, não perde valor, ao contrário, sobressai, a importância da celebração dos mártires. Um exemplo mais recente desta realidade foi a celebração dos 100 Anos do Genocídio dos Cristãos Armênios, realizada na Basílica de São Pedro, em Roma, no dia 12 de abril deste ano. A oração da fé em memória dos cristãos armênios nos comoveu a todos. E mexeu com poderosos. E não pode ser diferente, porque o sangue dos mártires de hoje: crianças, jovens, adultos e idosos brada ao céu. O sangue dos mártires da nossa terra junta-se ao sangue dos mártires de todos os lugares e de todos os tempos. E este grito não pode não ser ouvido por Deus nem despercebido pelo mundo, porque a celebração cristã dos mártires torna-se uma poderosa profissão de fé e uma profética convocação para a construção mais harmoniosa da sociedade, até que Deus seja tudo em todos (1Cor 15, 28).    


Pe. Cristóvão Dworak, CSsR[1]



[3][1] Religioso redentorista, polonês. Doutor em Ciências da Religião pela PUC-SP (2014) e Mestre em Teologia Sistemática com Especialização em Liturgia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, SP (2004). É atual Presidente da Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI); Membro da Equipe de Reflexão da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia, Membro da Comissão Regional da Dimensão Litúrgica da CNBB NE 3; Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Religião, Cultura e Saúde (GEPERCS) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Atualmente trabalha como Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Piedade em Itabuna, BA. E-mail: kdworak@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2789290160042321.

[1][2] Cf. Nasz Dziennik, Wtorek, 28/10/2014. A foto aqui anexa faz parte da mesma reportagem.  
[2][3] http://logosapologetica.com/aviso-imagens-fortes-grupo-muculmano-radical-isis-mata-cristaos-mosul/
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Centro Missionário Redentorista

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