quarta-feira, 18 de junho de 2014

A Teologia da Libertação passou por uma reorientação importante


"Hoje em dia, incluindo alguns expoentes como Gustavo Gutiérrez, está sendo desenvolvida uma teologia da libertação com base bíblico-espiritual, que, sem dúvida, tem ajudado muito nessa reorientação. E eu considero que, por isso, atualmente, ela é uma contribuição para a vida eclesial". A afirmação é de dom Carlos Aguiar, arcebispo de Tlalnepantla e presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam). Dom Aguiar concedeu uma entrevista após a visita feita pela presidência do Celam a Roma.
 
Com frequência, a presidência do Celam visita a cúria romana. Qual é o objetivo da visita? Quais os frutos desses encontros entre o Celam e os dicastérios? São reuniões de administração ordinária?
 
DOM AGUIAR: O Conselho da Presidência do Celam, há vários quatriênios, visita a Cúria Romana e se encontra com o papa.

 
O Celam é uma instância eclesial a serviço das 22 conferências episcopais da América Latina e do Caribe. Muitos dos serviços que ele oferece às conferências são realizados de maneira conjunta com os dicastérios da Santa Sé ou por recomendação dos próprios dicastérios. Esta convergência de serviços é fruto dos diálogos entre a presidência e os dicastérios.

 
Em nossa recente visita ao Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, revisamos com satisfação o programa conjunto de seminários para bispos que foi desenvolvido neste campo da comunicação. Partindo da avaliação, consideramos conveniente continuar com os restantes já programados e também oferecer algo semelhante para os seminários, onde são formados os futuros sacerdotes.

 
Também apresentamos, tanto à secretaria do Sínodo quanto ao Conselho Pontifício para a Família, o projeto do Congresso Latino-Americano de Agentes da Pastoral Familiar, que se realizará no Panamá no próximo mês de agosto, como preparação para o Sínodo da Família.



O ápice da visita é o encontro do Celam com o papa. Poderia nos contar o que têm significado para o Celam esses encontros ao longo destes anos?

 
DOM AGUIAR: O encontro com o Santo Padre é realmente o ápice das visitas. Para o papa Bento XVI, em outubro de 2011, nós apresentamos o projeto de Tradução da Bíblia, que chamamos de BIA (Bíblia da Igreja na América). Foi de grande interesse, para ele, conhecer os critérios adotados nessa tradução e saber que é um projeto em conjunto com a Conferência Episcopal dos Estados Unidos. Naquela visita, ele nos adiantou que possivelmente faria uma viagem ao México e a Cuba, como de fato fez em março de 2012.
 
Em abril do ano passado, tivemos o encontro com o papa Francisco, apenas um mês e meio depois da eleição. Naquele encontro eu confirmei que faríamos o nosso encontro anual de Coordenação Geral do Celam no Rio de Janeiro, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, e ele nos comentou que queria se encontrar conosco e nos dirigir uma mensagem para orientar e incentivar os nossos trabalhos. E foi o que aconteceu no dia 28 de julho do ano passado.

 
Esta foi a segunda visita de vocês ao papa Francisco, um papa de origem latino-americana e que já participou do Celam. É um encontro especial, sem dúvida. É interessante conhecer com profundidade o significado deste encontro, nas suas várias dimensões. Poderia nos falar disto?

 
DOM AGUIAR: Neste último encontro, que tivemos no dia 27 de maio, ele nos convidou a compartilhar a mesa. O tema espontâneo que surgiu foi a recente visita dele à Jordânia, à Palestina e a Israel, onde ele se sentiu bem recebido e muito contente com a aceitação dos presidentes de Israel e da Palestina do convite a se reunir com o papa no Vaticano para rezarem juntos pela paz.


Também comentamos vários temas de interesse eclesial e social na América Latina e no Caribe. Mas os temas que mais concentraram a conversa foram o fenômeno da migração e as dramáticas características que ela vem gerando em nossos povos, junto com a necessidade de divulgar e de aprofundar na recente exortação apostólica Evangelii Gaudium.
 
O papa deu alguma diretriz para este ano na reunião que vocês tiveram?
 
DOM AGUIAR: Fundamentalmente, continuar impulsionando a Missão Continental à luz de Aparecida e da Evangelii Gaudium.

 
Como o papa espera que o discurso que ele fez para o Celam no Rio de Janeiro seja posto em prática?

 
DOM AGUIAR: O papa espera que nós impulsionemos a Missão Paradigmática, do jeito que ele a apresentou no discurso, ou seja, a renovação pastoral das dioceses e das paróquias. Da mesma forma, enfrentar e superar as tentações de ideologização do Evangelho, o funcionalismo e o clericalismo; caminhar à luz das pautas eclesiológicas do discipulado missionário, a Igreja como “mysterium lunae”, e a revolução da ternura iniciada na Encarnação, promovendo as categorias da proximidade e do encontro.

 
A Igreja imagina, ou melhor, concebe que o Celam tem por vocação a capacidade de acompanhar, articular, conter a diversidade da Igreja latino-americana em diversas dimensões, em particular na dimensão teológica. Esta seria uma das novidades do Celam. Em Aparecida, o Celam caminhou em diálogo com a Ameríndia, com benefícios para todos. Como esse diálogo avançou neste quatriênio?

 
DOM AGUIAR: O Celam é uma instância servidora das conferências episcopais e um dos aspectos que o caracteriza é a reflexão teológico-pastoral. Essa tarefa ele desenvolve especialmente no seu Instituto, agora chamado de CEBITEPAL, com três escolas: a bíblica pastoral, a teológica pastoral e a social. E também com a Equipe Teológica Pastoral de especialistas do continente. No diálogo com a Ameríndia, em particular, houve contatos de vários níveis em alguns encontros, tanto promovidos pelo Celam quanto por eles.

 
O papa Francisco dialogou com Gustavo Gutiérrez num encontro de grande significado. O Celam está pensando em algum espaço no qual dialogar com as diversas expressões das teologias do continente?

 
DOM AGUIAR: Uma das recomendações que o Celam recebeu há muitos anos, tanto da Santa Sé quanto das conferências episcopais e das diretorias nas trocas de cargos, é acompanhar a reflexão teológica no continente. Por exemplo, sempre esteve presente para a sua preparação e participação nos congressos latino-americanos sobre a cultura e a sabedoria indígena.

 
A teologia da libertação nasceu na América Latina, onde se desenvolveu e se purificou na provação, mas hoje ela é vigorosa na Europa, na Índia, na Ásia e na África. O Celam pode valorizar o processo vivido, e que continuará sendo vivido, da teologia da libertação e do seu significado para a América Latina?

 
DOM AGUIAR: Graças a Deus, os esforços de muitos teólogos, bispos, agentes da pastoral e de diversos atores eclesiais, que recolheram com fidelidade a eclesiologia da comunhão proposta pelo Concílio Vaticano II, especialmente na Lumen Gentium, ajudaram enormemente a direcionar a teologia da libertação surgida nos anos 1970 e 1980, uma tarefa que foi apontada então pelo magistério pontifício de João Paulo II.

 
Naquela época, houve uma corrente que se desenvolveu com base na análise sociológica marxista, que levou a uma ideologização da mensagem evangélica. Foi o momento mais crítico da teologia da libertação.
 
Hoje em dia, incluindo alguns expoentes como Gustavo Gutiérrez, tem sido desenvolvida uma teologia da libertação com base bíblico-espiritual, que, sem dúvida, vem ajudando muito nessa reorientação. E eu considero que, por isso, ela é, atualmente, uma contribuição para a vida eclesial.


Há expoentes da teologia da libertação que são idosos; alguns já faleceram. Por um lado, este seria um indicador de algo sólido oferecido no mundo atual pelo peso da sabedoria dos idosos e dos que a viveram até o compromisso dos seus últimos dias. Por outro lado, o desafio é que os jovens deem continuidade ao aprofundamento que ela requer. Existe gente, em todo o continente, que a pratica e que a leva até as consequências da vida nas periferias, nos lugares mais castigados da sociedade e também na academia, no mundo dos estudos. Essas pessoas que trabalham nessas frentes na teologia da libertação estão encontrando diálogo com o Celam?
 
DOM AGUIAR: A teologia da libertação nasceu como consequência do desejo de aplicação do Concílio Vaticano II e da busca de respostas evangélicas para a superação da falta de equidade, que, infelizmente, caracteriza a nossa região. Nisto nós estamos muito comprometidos em todas as nossas atividades como Celam.

 
Hoje se fala da teologia da libertação e da teologia do povo, que foi fundada na Argentina em tempos do teólogo Lucio Gera e que acompanhou a pastoral do papa Francisco. São duas dimensões teológicas que não se contrapõem, que encontram convergências e expressam a pluralidade teológica do continente... O senhor considera que o Celam está interessado em valorizar as especificidades dessas correntes teológicas? Reconhecê-las e valorizá-las em diálogo permanente dá ao Celam uma profundidade maior no seu olhar teológico. O senhor acha que está dentro dos interesses da presidência do Celam levar adiante instâncias de diálogo emancipador?

 
DOM AGUIAR: A sensibilidade e o compromisso que o papa Francisco mostra com os pobres é, sem dúvida, fruto da experiência de reflexão e de ação que a Igreja desenvolveu em muitos âmbitos na América Latina.

 
Como eu disse antes, o Celam tem no CEBITEPAL e nos seus projetos, sempre, esta preocupação. No espírito de todos nós, que colaboramos com o Celam, fica bem manifesta a vontade de impulsionar e de aplicar o Documento de Aparecida e, agora, a Evangelii Gaudium, uma exortação que, com força e vigor, expressa a indispensável tarefa de promover a dimensão social da fé.

 
Quais o senhor acha que são os grandes desafios do Celam para os próximos anos, considerando que ele está em diálogo com um papa latino-americano?

 
DOM AGUIAR: Corresponder à ação do Espírito Santo, que nos deu um papa latino-americano com o carisma e com a qualidade próprias de um homem de Deus, que quer servir ao povo de Deus apoiado na sua valiosa experiência da Igreja latino-americana.

 
O Espírito Santo, em tempo oportuno, nos deu o Concílio Vaticano II. É hora de vivê-lo. O papa Francisco disse isto com clareza; não podemos esperar mais tempo, temos que nos comprometer nesta tarefa e a maneira de fazer isso é indicada claramente no Documento de Aparecida e na Evangelii Gaudium.

 
Os diversos movimentos econômicos e culturais que atravessaram o continente nestas últimas décadas deixaram uma forte marca individualista na sociedade. A Igreja não sai ilesa dessas ameaças culturais. Como o Celam pode ter, hoje, a profecia que teve em décadas anteriores?

 
DOM AGUIAR: Este, com certeza, é o grande desafio diante do fenômeno da globalização: não perder a expressão comunitária da fé e desenvolvê-la na família e nos diversos âmbitos da vida, social, cultural, econômico, político e eclesial.

 
Uma última palavra sobre o balanço da visita do Celam a Roma.

 
DOM AGUIAR: Nós voltamos de Roma fortalecidos espiritual e pastoralmente na comunhão com Pedro. A nossa convicção é a de seguir em frente com o Plano Global do Quatriênio 2011-2015, que é animado pela segunda parte do tema de Aparecida: “Para que nossos povos n’Ele tenham vida”.


Por Susana N. Núñez


Publicado pelo Celam

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