sexta-feira, 30 de maio de 2014

"Dominus Nobiscum": A celebração dominical na ausência do sacerdote.


A falta de sacerdotes é uma triste realidade para muitas comunidades paroquiais em nosso país. Essa carência prejudica a administração dos sacramentos, em particular a Santíssima Eucaristia. A Igreja com sua preocupação pastoral roga aos Bispos e párocos que procurem outros sacerdotes, diocesanos ou religiosos, como primeira solução, para que celebrem a Santa Missa nesses locais de modo que os fiéis possam cumprir o preceito dominical. Ainda assim, pode não haver sacerdotes em número suficiente para atender todas as comunidades nos domingos e solenidades. Dessa forma, é pedido aos fiéis que se locomovam para uma igreja vizinha para lá celebrar a Eucaristia.

Se, apesar de todos esses esforços, for impossível aos fiéis assistir a Santa Missa, estão eles de acordo com o direito, desobrigados do preceito. Ainda assim, a Igreja convida vivamente, embora não obrigue, o fiel a se reunir em comunidade para a celebração da Palavra ou, pelo menos rezar em família ou, ainda, sozinho. A primeira dessas formas de oração, a comunitária, realiza-se com uma celebração da Palavra de Deus na qual se pode distribuir a comunhão eucarística. A esse ponto temos muitos problemas. O primeiro deles é que a celebração raramente é feita como deveria de acordo com o "Ritual da Sagrada Comunhão e o Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa". O que se vê de mais comum é um esboço de missa, da qual se arrancam ou adaptam tudo que seja sacerdotal.
 

Um ícone dessa realidade é a expressão "O senhor esteja conosco" que é uma clara adaptação tupiniquim da saudação clerical "O senhor esteja convosco", do latim "Dominus Vobiscum". E é justamente o latim que mostra como tal expressão é uma adaptação simplória e estranha ao Rito Romano, uma vez que a resposta da saudação só faz sentido na tradução brasileira, no latim o "Et cum spirito tuo" remete claramente ao espírito sacramental que habita na pessoa do ministro ordenado. Tal adaptação infeliz não se prende a essa saudação, mas se estende a"... e a comunhão do Espírito Santo esteja sempre coNosco", "A paz do Senhor esteja sempre coNosco", "Abençoe-Nos o Deus todo-poderoso..." e até ao absurdo "... por Jesus Cristo. Que CONOSCO (sic!) vive e reina, na unidade do Espírito Santo". Casos mais graves podem incluir recitação do prefácio ou imitações do mesmo e, ainda, da própria Oração Eucarística retirando-lhe tão somente a narrativa da consagração. Detalhes à parte, essa celebração que nasce da adaptação do rito da Missa não possui aprovação da Santa Sé.


Outro problema dessas celebrações, não de natureza ritual, mas teológica é equiparar tais celebrações à Santa Missa. A Sé Apostólica é insistente ao falar desse assunto quando diz que aqueles que preparam tais celebrações devem despertar nos fiéis "fome" pela Eucaristia, deixando claro que ali não se celebra o sacrifício, ainda que os fiéis noutro sacrifício por meio da comunhão. Pede-se inclusive que nessas celebrações, que devem possuir sempre um caráter extraordinário, faça-se uma especial prece pelas vocações sacerdotais a fim de que se tenha o mais breve possível o retorno à normalidade, isto é, a celebração da Missa.



Existe ainda uma ideia bastante estranha à mentalidade católica que diz ter maior valor a celebração da Palavra feita na comunidade local do que ir buscar a Santa Missa em alguma paróquia próxima. Isso é algo certamente anticatólico baseado na ideia de "primazia da assembleia", endeusando a comunidade reunida e colocando-a à frente do próprio Cristo, do seu sacrifício redentor e do inestimável dom do sacerdócio ministerial. Ademais, enquanto católicos, qualquer comunidade católica no mundo é tão nossa quanto aquela que frequentamos aos domingos, mesmo que de um rito distinto.

Assim, busquem os fiéis deslocar-se para outros locais e, principalmente, outros horários para participar da Santa Missa. Nesse sentido o "Diretório para a celebrações na ausência do sacerdote", emanado pela Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, proíbe explicitamente que uma celebração da Palavra tenha lugar na mesma igreja em que já se celebrou a missa ou em que se vai celebrar em horas posteriores.

Algo bastante complicado nessas celebrações é a questão da presidência. Se existe um diácono ele preside a celebração como presidiria uma hora canônica. Pode usar sobrepeliz e estola ou alva acompanhada de amito, cíngulo e estola. O uso da dalmática, embora não se proíba, é pastoralmente desaconselhável na maioria dos casos por ser um elemento característico da solenidade e tal celebração, por sua excepcionalidade, não poderia se revestir deste caráter. O diácono faz uso da cadeira do presidencial.

 O caso mais comum, porém, é a ausência de qualquer ministro ordenado. Neste caso a "presidência" fica vacante, aqueles que guiam a celebração sejam tratados como um entre os outros. A instrução Redemptionis Sacramentum sugere que os diversos ofícios sejam distribuídos entre várias pessoas, para que não se tenha a falsa noção de que um leigo preside. Estes devem se sentar junto da assembleia, fora do presbitério. Se for porém, um acólito instituído, pode se sentar no presbitério, mas nunca na cadeira do presidente. Para bem marcar a ausência deste, pode-se depositar sobre a cadeira do celebrante uma estola da cor do dia, trazida por aqueles que guiarão a celebração.

No que diz respeito ao que se deve preparar tenha-se sempre em mente a dignidade da Palavra e da Eucaristia, mas também a modéstia que se deve manter em tal circunstância. Não se faz uso do incenso, ainda que na presença do diácono. Sobre o altar se acendam duas velas, por mais que seja costume usar até seis nas missas dominicais. Não se acende o círio pascal, que é previsto apenas para a Missa, Laudes e Vésperas. Prepare-se a chave do sacrário, cuide-se que as hóstias consagradas sejam em quantidade suficiente, se possível do mesmo domingo; na credência o que se necessita para a comunhão e a purificação dos vasos: cibórios, galheta d'água, corporal e sanguineo, além de um purificatório com manustérgio. No ambão, o lecionário; e para aqueles que guiam a celebração o Ritual de "A sagrada comunhão e o culto do mistério eucarístico fora da missa". A tradução de Portugal se encontra aqui, a brasileira na loja Paulus mais próxima de você; existe também a possibilidade de se fazer o rito de acordo com o original em latim.

O Ritual não descreve que a celebração comece com procissão. Todavia, se for o diácono a presidir, pode-se fazer uma pequena procissão de entrada com aqueles que servem o altar de maneira simples. Não havendo diácono, convém que aqueles que guiam a celebração já estejam em seus lugares na assembleia, para exprimir que sejam "um entre os iguais", como dizem os documentos da Sé Apostólica e não "presidentes leigos" como proibem os mesmos documentos.

No início da celebração, não se diz "Em nome do Pai...", apenas saúda-se o povo. O diácono pode usar das mesmas fórmulas que o sacerdote usa na missa, entre as quais se inclui "O senhor esteja convosco". Os leigos, entretanto, saúdam o povo dizendo "Irmãos e Irmãs, bendizei a Deus...", como vem no ritual. Não se pode fazer esta saudação do altar, o diácono a faz da cadeira, o leigo pode fazer da entrada do presbitério, sem subir os degraus. Segue o ato penitencial, para o qual se dispõe de três fórmulas semelhantes àquelas presentes no missal ou, no breviário, para a oração das Completas.

Terminado o ato penitencial, todos se sentam e passa-se à liturgia da palavra, omitindo-se Kyrie, Gloria e Oração do Dia. Diferentemente da Santa Missa, permite-se aqui uma certa liberdade na escolha das leituras. Todavia, salvo alguma ocasião particular como por exemplo quando se queira rezar a Deus para que conceda à comunidade a graça de um sacerdote, é conveniente tomar as mesmas leituras previstas para aquele dia, a fim de que os fiéis ouçam os mesmos trechos lidos em todo o mundo de rito latino. As leituras se fazem como de costume para a Santa Missa ou Liturgia das Horas, o leitor faz reverência ao altar e sobe ao presbitério, dirige-se ao ambão de onde proclama a leitura, assim também é o salmo.

O Evangelho, se for proclamado pelo diácono, poderá seguir o mesmo esquema da Santa Missa. O diácono inclina-se ao altar, rezando o "munda cor meum", a seguir se dirige para o ambão, de onde diz "O Senhor esteja convosco". O costume é que o diácono diga essa saudação de mãos juntas, por não ser ele que preside a Missa, neste caso, poderia fazê-lo abrindo as mãos e juntando-as na sequência. Diz então "Proclamação do Evangelho...", traçando a cruz sobre o livro. Terminando, beija o livro como de costume e pode rezar "Per evangelica dicta...". Caso seja um leigo a fazer a leitura, pode-se manter a aclamação ao Evangelho, todavia, durante ela não se inclinará profundamente ao altar nem dirá a oração, fará reverência ao altar antes de subir ao presbitério e dirigirá diretamente ao ambão. De lá dará início à leitura como na oração das Vigílias (Ofício das Leituras estendido) "Leitura do Evangelho de Jesus Cristo segundo...", não traçara a cruz sobre o livro. Todos escutam ao evangelho de pé de como de costume, ao final não beija o livro ou faz a oração.

O código de Direito Canônico proíbe expressamente que os leigos ou religiosos façam a homilia no Cân. 767 § 1. Assim, só se pode ter homilia se a celebração da palavra for presidida por diácono. Noutro caso, a critério da autoridade competente, o pároco pode escrever a homilia para que um fiel leigo faça a leitura da mesma na celebração, a fim de que mesmo não possuindo o ministro fisicamente, ele possa fazer uma reflexão sobre os textos proclamados para a comunidade ali reunida. Reza-se ou canta-se o creio. A liturgia da Palavra se conclui com a oração dos fiéis, dentre as quais, se faz uma prece pelas vocações sacerdotais.

A seguir, realiza-se um ato louvor que pode ser feito de dois modos. O primeiro, canta-se um hino como o Gloria; um cântico, como Magnificat; um Salmo, como o 100, 113, 118, 136, 147, 150; ou ainda uma prece litânica, isto é, em formato de ladainha. A segunda opção é, o ministro se dirigir ao sacrário, abrí-lo, genufletir tomar um cibório e o pôr sobre o corporal aberto em cima do altar, então se ajoelha com toda a assembleia; diz-se então um salmo, hino, cântico ou prece litânica, que deverá ser dirigida ao Cristo Eucarístico.

Segue o rito da comunhão. O ministro, se já não colocou a reserva eucarística sobre o altar, o faz neste momento. Então, convida os demais a rezar a oração do Senhor. Omitindo-se o embolismo, passa-se ao abraço da paz, se for conveniente. Não se diz o Cordeiro de Deus. O ministro, tomando a hóstia e voltando-se para a assembleia, diz "Eis o cordeiro de Deus..." ao qual todos respondem. Permite-se aqui, em caráter de excepcionalidade que o ministro rezando em silêncio "Que o corpo de Cristo me guarde para a vida eterna." comungue por suas próprias mãos. Não existe todavia a obrigatoriedade de que aquele que dirige este momento comungue, como os sacerdotes são obrigados a comungar na missa. A comunhão se distribui como de costume, acompanhado de um canto adequado.

Por fim, repõe-se a reserva eucarística no sacrário e, também em caráter de excepcionalidade, o ministro ainda que não seja acólito instituído pode purificar os vasos sagrados. Encerra-se este rito com a oração depois da comunhão. Caso haja diácono, ele dirá "O senhor esteja convosco" e abençoará a assembleia da mesma forma que o sacerdote faz na Missa. Por fim, despedirá a assembleia. No caso de não haver ministro ordenado, aquele que guia este momento dirá, traçando o sinal da cruz sobre si "O senhor nos abençoe, guarde-nos de todo o mal e nos conduza à vida eterna", da mesma forma que no final de Laudes ou Vésperas, o povo acompanha o movimento e responde "Amém"; e não se despede o povo.

Esta é a celebração de acordo com o Ritual Romano, devidamente aprovada e seguindo as orientações da Santa Sé referentes à esta situação "espinhosa" dentro do campo litúrgico que é a celebração realizada para suprir a falta da missa na ausência do sacerdote. Tenhamos em mente, nestes casos, que em qualquer tipo de dúvida ou incerteza é mais conveniente procurar referência, não no rito da Santa Missa, mas na Liturgia das Horas; uma vez que na Missa todas as rubricas consideram a existência do sacerdote, enquanto que na liturgia das horas, estas consideram como comum a celebração também na ausência do ministro ordenado.
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Referências Bibliográficas:

Instrução Redemptionis Sacramentum 162-167;
Diretório para a Celebração Dominical na Ausência do Sacerdote;
Cerimonies of the Roman Rite, Mons. Peter Elliott;
Ritual Romano, A Sagrada Comunhão e o Culto do Mistério Eucarístico Fora da Missa.
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Fonte: Salvem a Liturgia

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