sábado, 7 de setembro de 2013

Jejuará Obama pela Síria?


“A política americana de contenção também implicou uma enorme expansão militar, de modo que os nossos arsenais começaram por chegar ao nível dos soviéticos e da China, para depois os ultrapassar. Com o correr dos anos, o ‘triângulo de ferro’ do Pentágono, indústria militar e congressistas com grandes despesas no sector da defesa nos seus distritos eleitorais acumularam grande poder para definir a política externa americana. E embora a ameaça do nuclear afastasse a hipótese de confrontos militares directos com as superpotências rivais, os políticos americanos viam cada vez mais os problemas do resto do mundo do ponto de vista militar, e não tanto como diplomatas. (...)

[Depois dos ataques dos EUA ao Afeganistão], aguardei com expectativa o que pensei que havia de se seguir: a apresentação de uma política externa americana para o século XXI que não só adaptasse à ameaça das redes terroristas o nosso planeamento militar, operações dos serviços secretos e defesa interna, mas também construísse um novo consenso internacional em torno dos desafios das ameaças transnacionais.

Este novo modelo nunca apareceu. Em vez disso, o que tivemos foi um sortido de políticas obsoletas de tempos que já lá vão. (...) O destino voltava a ser moda; tudo o que era necessário, segundo Bush, era o poder militar da América, a sua determinação e uma ‘coligação de vontades’.

O que já não podia apoiar era uma ‘guerra burra, uma guerra feita à pressão, uma guerra que era produto não da razão mas da paixão’ (...). Sei que mesmo que a guerra contra o Iraque seja bem-sucedida será necessária uma ocupação por tempo indeterminado, com custos indeterminados e consequências indeterminadas. Sei que uma invasão do Iraque sem motivos claros e sem forte apoio internacional só vai inflamar os ânimos no Médio Oriente e fomentar não os melhores mas os piores impulsos no mundo árabe e fortalecer o ramo de recrutamento da Al-Qaeda.”


Quem assim escrevia, em 2006, era Barack Obama (Audácia da Esperança, ed. port. Casa das Letras, pág. 281-289). Num livro que, na capa, propunha: “Um apelo a uma nova forma diferente de fazer política”. Uma das coisas que mais nos espanta, na nossa condição humana, é o mistério da nossa fragilidade, que nos faz atraiçoar os princípios que defendemos pela mesquinhez de interesses ou pelo poder que temos – ou pelos poderes que, mesmo sem darmos conta, nos aprisionam.

Na crise síria (como no Egipto, como na Líbia, como...), continuamos aprisionados pelo ponto de vista militar; continuamos a sentir a ausência de uma “política externa americana para o século XXI”, que não continue tomada pelas lógicas infernais do século XX; continuamos a ver “políticas obsoletas de tempos que já lá vão”;
continuamos a ver soar tambores de guerra em nome da paixão e não da razão; continuamos a intuir que, mesmo uma invasão “sem pôr as botas no chão” não tem motivos claros, não tem apoio internacional e só irá “inflamar os ânimos no Médio Oriente” e “fortalecer o ramo de recrutamento da Al-Qaeda.”

Porquê, então, prosseguir na lógica demente da guerra? Apenas para satisfazer a indústria do armamento, condenando à guerra, à fome, à miséria e à tragédia a vida de povos inteiros?

Essas são algumas perguntas que nos podem levar, hoje, a fazer jejum pela paz – na Síria e no mundo –, respondendo positivamente ao apelo do Papa Francisco. O jejum é um sinal: antes de mais, de afirmação da vontade própria sobre as paixões – algo que parece muito afastado da lógica de guerra que nos atormenta. Depois, é um sinal de que somos capazes de abdicar de algo importante, em favor do bem do outro. Porque enquanto não formos capazes, no Ocidente, de abdicar deste jogo ambíguo de ganhar dinheiro à custa da vida de tantos povos, não teremos sido capazes de abdicar de nada em favor do outro. E o mundo continuará a ser não um lugar de paz, mas um lugar de tormento.


Barack Obama talvez fosse capaz de fazer jejum. Jejuará o Presidente Obama pela paz?

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Disponível em: Religionline

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