domingo, 16 de junho de 2013

Papa destaca que medidas políticas e econômicas devem respeitar o ser humano


CARTA
Carta do Papa Francisco ao primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, por ocasião do encontro do G8 (17-18 de junho de 2013)
Domingo, 16 de junho de 2013


Ao honorável David Cameron

Primeiro Ministro,

Tenho o prazer de responder à sua gentil carta de 5 de junho de 2013, com a qual quis informar-me sobre a agenda do seu governo para a presidência britânica do G8 no ano de 2013 e sobre a próxima Cúpula, prevista para Lough Erne, nos dias 17 e 18 de junho de 2013, intitulado “Um encontro do G8 que remonta aos primeiros princípios”.

A fim de que tal tema tenha o seu mais amplo e profundo significado, é preciso assegurar a cada atividade política e econômica nacional e internacional uma referência ao homem. De fato, essas atividades devem, por um lado, consentir a máxima expressão da liberdade e da criatividade individual e coletiva e, por outro lado, promover e garantir que essas aconteçam sempre responsavelmente e no sentido da solidariedade, com uma particular atenção aos mais pobres.


As prioridades que a Presidência britânica estabeleceu para a cúpula de Lough Erne referem-se, sobretudo, ao livre comércio internacional, ao fisco, à transparência dos governos e dos agentes econômicos. Não falta, contudo, uma atenção fundamental com o homem, concretizada na proposta de uma ação concertada do Grupo para eliminar definitivamente o flagelo da fome e para garantir a segurança alimentar. Da mesma forma, é sinal de atenção pela pessoa humana o fato de que um dos temas centrais da agenda seja a proteção das mulheres e das crianças da violência sexual em situações de conflito, ainda que é preciso não esquecer que o contexto indispensável para o desenvolvimento de todas as mencionadas nações políticas é aquele da paz internacional.  Infelizmente, as graves crises internacionais são temas recorrentes nas deliberações do G8, e este ano não se poderá não considerar com atenção a situação no Oriente Médio e, particularmente, na Síria. Por este último, desejo que a Cúpula contribua para obter um cessar fogo imediato e duradouro e levar todas as partes em conflito à mesa de negociações. A paz exige uma renúncia de longo alcance a certas reivindicações, para construir uma paz mais igualitária e justa. Além disso, a paz é um requisito indispensável para a proteção das mulheres, das crianças e das outras vítimas inocentes, e para começar a erradicar a fome, principalmente entre as vítimas da guerra.

As ações inclusas na agenda da presidência britânica do G8, que pretendem se concentrar na legalidade como o fio de ouro do desenvolvimento, com os consequentes compromissos para evitar a evasão fiscal e assegurar a transparência e a responsabilidade dos governantes, são medidas que apontam para as raízes éticas profundas dos problemas, já que, como bem havia destacado o meu predecessor, Bento XVI, a presente crise global demonstra que a ética não é algo externo à economia, mas é uma parte integrante e inevitável do pensamento e da ação econômica.

Sejam as medidas de longo prazo para assegurar a estrutura adequada de legalidade que norteia todas as ações econômicas, sejam as medidas conjunturais de urgência para resolver a crise econômica mundial, devem ser guiadas pela ética, pela verdade, que incluiu, antes de tudo, o respeito pela verdade sobre o homem, o qual não é um fator econômico em maioria, ou um bem descartável, mas algo que tem uma natureza e uma dignidade não reduzíveis a simples cálculos econômicos. Por isso, a preocupação com o bem-estar básico material e espiritual de cada homem é o ponto de partida de toda solução política e econômica e a medida última da sua eficácia e da sua eticidade.

Por outro lado, a finalidade da economia e da política é propriamente o serviço aos homens, a começar pelos mais pobres e mais frágeis, onde quer que eles se encontrem, mesmo se estejam no ventre de suas mães. Toda teoria ou ação econômica e política deve esforçar-se para proporcionar a todo habitante da terra aquele mínimo bem-estar que permita viver com dignidade, na liberdade, com possibilidade de sustentar uma família, de educar os filhos, de louvar a Deus e de desenvolver as próprias capacidades humanas. Isto é o principal. Sem esta visão, toda a atividade econômica não teria sentido.

Nesse sentido, os vários e graves desafios econômicos e políticos que o mundo de hoje enfrenta requerem uma corajosa mudança de atitude, que restaure à finalidade (a pessoa humana) e aos meios (a economia e a política) o seu devido lugar. O dinheiro e os outros meios políticos e econômicos devem servir e não governar, tendo em mente que a solidariedade gratuita e desinteressada é, de modo aparentemente paradoxal, a chave do bom funcionamento econômico global.

Quis compartilhar com o Senhor, primeiro-ministro, estes pensamentos, no desejo de contribuir para destacar aquilo que está implícito em todas as instâncias políticas, mas que às vezes se pode esquecer: a importância vital de colocar o homem, cada homem e cada mulher, no centro de toda atividade política e econômica nacional e internacional, porque o homem é o mais verdadeiro e mais profundo recurso da política e da economia e, ao mesmo tempo, o fim primordial delas.

Senhor primeiro-ministro, com a esperança de ter oferecido uma válida contribuição espiritual às vossas deliberações, faço votos de um fecundo êxito dos trabalhos e invoco abundantes bênçãos para a Cúpula de Lough Erne e para todos os participantes, bem como para as atividades da presidência britânica do G8 durante o ano de 2013 e aproveito a ocasião para renovar os meus melhores votos e exprimir os meus sentimentos de estima.

Do Vaticano, 15 de junho de 2013,

Franciscus
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Fonte: Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal

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