sábado, 9 de março de 2013

O Ateísmo Marxista - parte III



A doutrina marxista, assumida em todos os seus aspectos, exige a abolição da religião, para devolver as pessoas à “realidade”e fazê-las sujeito do processo da redenção do ser humano. A pessoa, na medida mesma em que vive da religião, ausenta-se da realidade necessitada de transformação. O pressuposto marxista é de que a religião desvia a atenção dos problemas reais  oferecendo pseudo-soluções de mero consolo para as vítimas do sistema vigente e tranquilizando a consciência daqueles que, detendo o poder,  julgam-se benfeitores da humanidade.

Essa forma de compreender a religião cria uma verdadeira aversão pela experiência religiosa e chegou mesmo a se transformar em violento combate contra as instituições religiosas lá onde se implantou o chamado “socialismo real”, como nos lembrava o Concílio Vat. II: “Por isso, os que professam esta doutrina, quando alcançam o poder, atacam violentamente a religião, difundindo o ateísmo também por aqueles meios de pressão de que dispõe o poder público, sobretudo na educação da juventude.” (Vat. II, GS n.20). Isto nos lembra o fervor religioso com que Saulo devastava a Igreja lá em suas origens.


Ao abolir a religião a doutrina marxista se apropria de seu dinamismo e de sua força motivadora, agora transformados em mística política. Aqui se esconde a fascínio que a proposta marxista exerceu, sobretudo em jovens à procura de um sentido de vida que lhes justificasse o viver e o morrer.  O que pode ser traduzido assim: “deixemos de sonhar com a eternidade e ofereçamos nossa vida para realizar hoje, nessa terra, o reinado do povo”.

No último artigo nessa coluna procurei mostrar como as verdades fundamentais da fé cristã foram completamente esvaziadas de seu conteúdo teológico para ganharem um sentido exclusivamente antropológico materialista voltado para a prática política, considerada a política o lugar da ação capaz de instaurar o reino do Homem. Assim: “ a) a esperança de um novo céu e de uma nova terra - comunhão de todos no mistério da Trindade – se torna esperança de uma comunhão plena pela implantação do paraiso terrestre; b) o pecado original é substituido por outro mal radical: a propriedade particular dos meios de produção; c) a classe oprimida e crucificada ocupa o lugar do redentor crucificado, ressuscitando na história como força revolucionária para implantar a nova sociedade; d) o partido comunista substitui a Igreja, sendo ele a consciência do sentido da história e o instrumento através do qual a classe operária tomaria o poder; e) a mística religiosa se transforma em mística política, que exige a doação da própria vida.”

Pano de fundo a presidir a conversão do cristianismo em  humanismo político é o materialismo dialético, segundo o qual a matéria é eterna e está em permanente evolução chegando, com o aparecimento do ser humano a um estágio novo, devendo a partir de então evoluir para formas superiores de existência pela ação do ser humano sobre a natureza. Com  oparecimento da consciência começa a história humana que, desde seus inícios, deve ser entendida como a história da luta de classes: “A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da luta de classes” (Manifesto Comunista 1848).

Marx profetizou o fim do capitalismo pela tomada do poder pela classe operária e pela conseqüente instauração do comunismo com um novo modo de produção onde a divisão entre capital e trabalho seria definitivamente superada. Só então teríamos uma humanidade plenamente reconciliada consigo mesma. O sonho com uma humanidade nova, com uma sociedade plena de justiça, ganhou força histórica e produziu os heróis e também os “mártires” da revolução socialista, que haveria de chegar a todos os recantos do mundo.

A mística político-revolucionária suscitou missionários sobretudo no meio da juventude. Che Guevara, argentino de nascimento, que, depois de atuar na revolução cubana, deixou Cuba para servir à revolução socialista na América latina, é o exemplo mais conhecido entre nós de consagração à causa do socialismo. O pensamento marxista ganhou espaço em nossas universidades sobretudo nos curso de ciências sociais e afins. Uma parcela considerável de nossa juventude universitária, sedenta de verdade e inconformada com as injustiças produzidas pelo capitalismo, aderiu ao marxismo como doutrina e como prática política. Membros da JUC (Juventude Universitária Católica) se sentiram impelidos a assumir a luta política em nome da própria fé.

O diálogo com o marxismo, a assunção de sua análise da sociedade e sua mística revolucionária instauraram uma profunda crise, também de fé, em muitos universitários cristãos. A aposta no processo revolucionário como a única via eficaz de transformação social e uma nova compreensão da vida de fé como práxis política tornaram, em muitos, secundária a experiência de Deus como fonte e fim último do próprio agir. A nova sociedade – o homem novo –, a sociedade liberta de todas as formas de opressão, se tornou o sentido último, a razão de ser do pensar e do viver. (continua).


Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

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