segunda-feira, 4 de março de 2013

O ateísmo marxista - parte II



Marx entendia a vivência religiosa como expressão de um estado de miséria que a humanidade para si mesma cria ao organizar a vida da sociedade. Por ser “a religião, na realidade, a consciência e o sentimento proprios do homem que, ou ainda não se encontrou, ou já acabou de se perder” é necessário verificar onde o ser humano se perde ou se desencontra de si mesmo.

A alienação religiosa é o sintoma de uma alienação real que finca suas raízes na forma como se estruturam as relações sociais a partir do mundo da produção. Para Marx a relação homem-natureza, mediada pelo trabalho,  é a relação fonte do processo de humanização do indivíduo humano. É também a relação que preside e determina o conjunto das relações dentro da sociedade. É aí que deve ser encontrada a razão por que o ser humano se perde ou não se encontra na plenitde de sua humanidade.


A essência humana é criada no ato pelo qual se transforma a natureza Como a essência humana se dá pela comunhão coletiva em que todos comungam igualmente do fruto do trabalho humano, o fato de alguns serem os donos dos meios de produção, enquanto outros lhes vendem seu trabalho, gera duas classes fundamentais em oposição, impedindo assim a concretização da sociedade de iguais em total fraternidade. A propriedade privada é, pois, uma espeçie de pecado original do qual decorrem todos os males da sociedade. O trabalhador se perde a si mesmo, aliena-se no próprio ato da produção uma vez que não retornam a ele, não apenas o valor pecuniário do artefato produzido, mas também  os frutos culturais e humanizantes de seu trabalho.

Uma sociedade de classes é uma sociedade onde a essência humana está dividida, O proprietário se fecha em seu universo egoista e o trabalhador se vê expropriado do fruto de seu trabalho. Fica impedida a comunhão dos seres humanos na qual os indivíduos poderiam viver plenamente a experiência de serem homens. De um lado um ser humano explorador, opressor e, de outro, um ser humano explorado, oprimido, roubado em sua própria humanidade. Esse estado de infelicidade leva ao sonho com um mundo, fora da história, onde os homens um dia haveriam de ser felizes pela participação no “mistério” de três  pessoas onde tudo o que é de uma é também das outras duas.

O Deus Uno e Trino dos cristãos é adorado por expressar aquilo mesmo que os seres humanos gostariam de realizar nessa terra. A religião é expressão e protesto contra a miséria real. De um lado a religião desempenha a função consolo para as frustrações produzidas pela injustiça,operando uma reconciliação ilusória para o conflito social básico, e, de outro, funciona como justificativa de formas políticas e sociais, ou seja como ideologia do “status quo” do capitalismo. À solução “mística” proposta pela religião Marx propõe a solução política que objetiva a criação de um estado proletário, mediante um processo revolucionário, com a consequente instauração de um modo de produção coletivista, onde todos se tornam iguais nas relações de produção.

A sociedade sem classes, uma vez implantada, dispensaria a existência do Estado tal como se estruturou no decorrer da história. Teríamos um tipo de democracia onde sempre de novo as assembléias do povo decidiriam seu destino e seus caminhos. Para que se pudesse chegar ao paraiso terrestre, emergiria na classe operária, onde a experiência de desumanização chegaria a seu extremo, uma consciência revolucionária acompanhada de uma prática política destinada a tomar o poder e implantar a nova sociedade, pela abolição da propriedade particular dos meios de produção.

Os partidos comunistas deveriam ser a expressão dessa consciência e o instrumento de tomada do poder para a  instauração da “democracia perfeita”. Feuerbach havia afirmado: “o mistério – o conteúdo oculto – da teologia é a antropologia”, ou seja, as afirmações da teologia são reveladoras dos mais profundos atributos da essência do homem. Marx procura caminhos de operar a conversão da religião em política, de modo que vamos encontar no marxismo as verdades da fé cristã reduzidas a dimensões puramente humanas, privadas de qualquer dimensão de transcendência. Assim: a) a esperança de um novo céu e de uma nova terra - comunhão de todos no mistério da Trindade – se torna esperança de uma comunhão plena pela implantação do paraiso terrestre; b) o pecado original é substituido por outro mal radical: propriedade particular dos meios de produção; c) a classe oprimida, crucificada, ocupa o lugar do redentor crucificado, ressuscitando na história como força revolucionária para implantar a nova sociedade; d) o partido comunista substitui a Igreja, sendo ele a consciência do sentido da história e o instrumento através do qual a classe operária tomaria o poder. e) a mística religiosa se transforma em mística política, que exige a doação da própria vida. (continua).


Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

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