domingo, 3 de março de 2013

O ateísmo marxista - parte I



Hoje começamos a abordar um tipo de ateísmo que começou na filosofia e acabou por se transformar em regime politico e, hoje, exerce ainda forte influência na cultura. O Concílio Vat. II a ele se refere quando afirma: “Não se deve passar em silêncio, entre as formas atuais de ateísmo, aquela que espera a libertação do homem sobretudo da sua libertação econômica. A esta, dizem, opõe-se por sua natureza a religião, na medida em que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o afasta da construção da cidade terrena. Por isso, os que professam esta doutrina, quando alcançam o poder, atacam violentamente a religião, difundindo o ateísmo também por aqueles meios de pressão de que dispõe o poder público, sobretudo na educação da juventude.” (Vat. II, GS n.20).

Faço uma breve explanação sobre essa forma de ateismo que influenciou fortemente nossa juventude universitária e muitos intelectuais no séc. passado, levando-os a trocar a esperança cristã por uma esperança destituida de qualquer dimensão de transcendência. Um dos precursores desse ateismo militante foi um filósofo alemão: Ludwig Feuerbach. Para esse pensador Deus não é outra coisa que a essência do ser humano pensada como um outro. 

Ao pensar e cultuar Deus, o indivíduo humano se aliena, ou seja, projeta-se para fora e adora em um outro a própria essência. Donde as afirmações de Feuerbach: “A consciência do infinito revela o infinito da própria consciência”. “Consciência de Deus é autoconsciência, conhecimento de Deus é autoconhecimento” “Deus é a mais alta subjetividade do homem, abstraída de si mesmo.” “Este é o mistério – segredo - da religião: o homem projeta seu ser na objetividade e então se transforma a si mesmo num objeto face a esta imagem de si, então convertida em sujeito”. O leitor pode adivinhar que, segundo essa forma de pensar, quando o homem tomar posse de si mesmo, recuperar sua essência perdida no ato religioso, então descobrirá que aquilo que ele chamava “Deus” é ele mesmo em sua subjetividade mais profunda.

O homem religioso vive na miséria porque projeta em um outro a infinita riqueza de sua humanidade e a este outro entrega a direção de sua vida. Sua vida fica à mercê dos fenômenos da natureza ou do processo histórico pensados como ação de uma providência divina. Eis o homem alienado, submisso, despossuído de si mesmo, em estado de miséria. Entretanto, sonha. Deus com o céu é o seu sonho.

Marx assume a análise da religião de Feuerbach, mas se pergunta: por que o ser humano se aliena na religião? E responde com uma afirmação que abre caminhos para uma análise que pretende desocultar os mecanismos históricos que levam o ser humano a necessitar da religião como sonho e como busca de uma realidade perdida nas condições materiais de sua existência: “A miséria religiosa é, por um lado, a expressão da miséria real e, por outro, o protesto contra essa miséria. A religião é o gemido da criatura oprimida pelo mal, é a alma de um mundo sem coração, e é o espírito de uma época sem espírito. É ópio para o povo”.

Marx chama a religião de miséria, ou seja, o homem religioso ao adorar Deus se perde: “A religião é, na realidade, a consciência e o sentimento próprios do homem que, ou ainda não se encontrou, ou já acabou de se perder”. Por isso na religião o homem se encontra em estado de miséria, vítima de um mundo sem coração e de uma época sem espírito. O que tem de melhor é tomado por um outro diante do qual ele se sente miserável. Pois bem esta miséria – a religião – tem duplo significado: ela é expressão da miséria real e, ao mesmo tempo, protesto contra essa miséria. É protesto porque mostra que o ser humano, ao projetar em sonho um lugar de felicidade, explicita sua profunda discordância em relação às condições históricas que o fazem infeliz. Mas é consolo, como quando um prisioneiro, condenado à prisão perpétua, vive em sua imaginação sonhos de liberdade.

Esta afirmação de Marx é um convite a estudar a miséria real, que, compreendida e abolida, limpará a cultura do lixo religioso. Assim descreve ele sua tarefa: “Desde que a verdade da vida futura se desvaneceu, a história tem a missão de estabelecer a verdade da vida presente. E a primeira tarefa da filosofia, que está a serviço da história, depois de desafivelada a máscara da imagem santa, que representava a renúncia do homem a si mesmo, consiste em desmascarar esta renúncia, ainda latente sob suas formas profanas.

A crítica do céu transforma-se assim em crítica da terra; a crítica da religião em crítica do direito; e a crítica da teologia em crítica da política”. “A crítica da religião leva à doutrina de que o homem é para o homem o ser supremo”. Não basta perceber que a religião é alienação. É preciso descobrir as raízes ocultas da religião no mundo real, ou seja, é preciso, clarear os mecanismos da injustiça que no  mundo do direito, da política e da organização da sociedade, sobretudo na economia, fazem o ser humano infeliz e necessitado de religião. Mas isto é assunto para outra vez.


Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

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