sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O Ateísmo - parte II



No último artigo nessa coluna formulei algumas perguntas que sempre de novo voltam  quando se coloca a questão da fé em Deus. Algumas delas inscrevem-se no quadro das relações entre fé e razão, entre ciência e fé. Ocupo-me hoje de uma delas: “Não será a idéia de Deus uma criação da mente humana para preencher as lacunas do conhecimento humano sempre limitado?” Há uma forma de ateísmo que se estrutura como conseqüência e como defesa da ciência.

Recentemente, em entrevista televisiva, o Biólogo e Psicólogo americano, Michael Schermer, fundador da "Sociedade dos céticos", ex-mormon, defendeu com ardor de missionário o ateísmo, tendo como pressuposto que a religião oferece respostas ilusórias para questões que a ciência deverá resolver. O Concílio Vat. II, na década de sessenta, já se confrontara com a questão: “Muitos, ultrapassando indevidamente os limites das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os recursos da ciência , ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade absoluta.”(GS 19). Michael Schermer, como Dawkins – este escreveu “Deus, um delírio”- prega com fervor que a Ciência, em especial a biologia e a psicologia, deve substituir a teologia e a filosofia na tarefa de fundar os valores que devem reger a vida da sociedade.


O pressuposto é que todas as quetões levantadas pela humana inteligência devem encontrar resposta na pesquisa científica. A esta forma de pensar subjaz uma posição filosófica de que não podem existir questões que escapem ao método científico da verificação empírica. Michael Schermer, ao criar a “Sociedade dos céticos”, transforma seu ceticismo em ateismo militante, para o “bem da humanidade”.

Há aqui um problema delicado. É verdade que a religião funcionou com frequência como explicação de fenômenos para os quais o ser humano não tinha explicação e como consolo e proteção diante das forças incontroláveis da natureza e dos sofrimentos derivados da própria história tantas vezes construida sob a égide do desejo de dominação de um povo  e de uma classe sobre os(as) demais.

Sobretudo nas religiões chamadas primitivas, para cada fenômeno da natureza havia uma divindade a quem se recorria para obter proteção contra as ameaças das alterações cósmicas. Entretanto, como nos ensina o historiador das religiões e filósofo Mircea Eliade, o núcleo essencial de todas as religiões é a consciência de que este mundo – a existência humana – não se justifica a si mesmo, ou seja, não encontra sua origem última nem seu destino final , no interior de si mesmo.

A experiência de que não somos nós a fonte de nosso próprio existir, nem em nossa origem, nem na continuidade de nossa vida, torna inevitável a pergunta: nossa existência – a existência do universo - é dom de um outro cuja existência se põe por si mesma ou emerge inexplicavelmente do nada? A questão não se coloca simplesmente a respeito das origens remotas do universo, de seu início a bilhões de anos  atrás. A questão se coloca aqui e agora, sobretudo a respeito de meu próprio existir. Afinal só o ser humano pode levantar tal questão. E ele o faz ao se surpreender existindo como puro dom.

O filósofo ateu, Jean Paul Sartre, tematizou essa experiência, e entendeu a existência como “estar-lançado-no-mundo”, um fato bruto, sem explicação, devendo o ser humano dar um sentido à sua existência pelas escolhas de sua liberdade. Mas assim como a fonte de sua existência está mergulhada na noite do nada, também o “para-onde” de suas escolhas está destinado ao vazio absoluto. A existência só pode ser angústia.

Mircea Eliade coloca como origem da religião, a consciência de que o universo depende em seu existir permanentemente de um Poder maior, não submetido à erosão do tempo, e realça a sede de comunhão com o mistério – o Sagrado – como única possibilidade para o ser humano de viver com sentido e de poder enfrentar inclusive a morte. É verdade que o avanço científico substituiu as explicaçòes religiosas para muitos fenômenos naturais, cósmicos, biológicos, psicológicos e sociais, contribuindo para a purificar a religião, como nos lembra o Consílio Vat. II: “um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de Deus.”(GS 7). Entretanto, as questões fundamentais, que transcendem as possibilidades da pesquisa científica, fundam uma ordem de conhecimento na qual se inscrevem as afirmações das religiões.

O avanço científico com suas  maravilhosas descobertas pode despertar no cientista  a admiração religiosa e o sentimento do sagrado: que grandeza é essa de inteligência e de amor escondida  na beleza do universo? Por que e para que tudo isso? Sem deixar de ser pesquisador o cientista pode se tornar também um místico.( continua).


Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

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