terça-feira, 20 de novembro de 2012

Não mais "Deus seja louvado"?



A atual Constituição Brasileira tem de modo explícito o cuidado do Estado em matéria de liberdade religiosa (cf. Inciso VI do art. 5º), como toda a tradição social jurídica e religiosa do Brasil. Contudo, nesta época de pós-modernidade, com o ressurgimento das formas de laicismo de matiz iluminista, tristemente, tem se espalhado uma visão míope e distorcida do que seja a laicidade do Estado. Surgem, hoje, formas sutis de preconceito religioso ou intolerância; tais atitudes, por vezes, aparecem envoltas em argumentações nada convincentes sobre a laicidade do Estado. O exemplo é o pedido da Procuradoria Regional de Direitos dos Cidadãos (PRDC), de São Paulo, para retirar a frase “Deus seja louvado” das cédulas da moeda brasileira. As argumentações é que o Brasil é um país laico, portanto, não deve estar vinculado a qualquer manifestação religiosa, e a frase citada “constrange a liberdade de religião de todos os cidadãos que não cultuam Deus, como os ateus e os que professam a religião budista, muçulmana, hindu e as diversas religiões de origem africana”.

Logo, a Casa da Moeda informou que cabe ao Banco Central (BC) “não apenas a emissão propriamente dita, como também a definição das características técnicas e artísticas” das cédulas. Já o BC afirmou que o fundamento legal para a existência da expressão “Deus seja louvado” nas cédulas é o preâmbulo da Constituição, que afirma que ela foi promulgada “sob a proteção de Deus”. Diante disso, o Secretário Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Leonardo Ulrich Steiner, afirma bem que a frase citada nas cédulas de real “não constrange, mas pode incomodar aos que afirmam não crer. As pessoas que vivem a sua fé, em suas diversas expressões, certamente não se sentem constrangidas, pois vivem da grandeza da transcendência. É que fé não é em primeiro lugar culto a um deus, mas relação. Se a frase lembra uma relação, poderia lembrar que o próprio dinheiro deve estar a serviço das pessoas, especialmente dos pobres, na partilha e na solidariedade. Se assim for, Deus seja louvado!”.

É importante também saber que a liberdade religiosa e a correspondente neutralidade do Estado não significam arreligiosidade ou “ateísmo” público. Um ateísmo público não seria neutralidade religiosa, mas um credo de caráter antireligioso. Um “Estado Laico é aquele em que há separação entre duas esferas, com autonomia do Estado e da Igreja, mas de relação de mútua cooperação, respeitada a liberdade religiosa e o pluralismo religioso, sem uma religião estatal, tal como se verifica no Brasil, onde a Constituição Federal de 1988 previu a independência e colaboração entre o Estado Brasileiro e as confissões religiosas existentes no País, com a garantia da liberdade religiosa”. Assim, “quando se fala de Estado Laico, não se pode pensar num Estado avesso ao fator religioso, agnóstico ou ateu, mas num Estado que respeita a liberdade religiosa”. É inaceitável atitudes, a título de preconceito religioso, de excluir dos espaços públicos os símbolos religiosos e retirar a frase “Deus seja louvado” das cédulas da moeda brasileira. Não duvido da disposição e tempo disponível ainda para entrar na justiça com uma ação para descer o Cristo Redentor do Corcovado no Rio de Janeiro, trocar nomes de Estados (São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina), de cidades com nomes religiosos e acabar com os feriados religiosos no Brasil. A questão não é reivindicar privilégios para esta ou aquela religião, nem que o Estado tenha uma religião oficial. Pelo contrário, o Estado não deve impor a religião, nem discriminar cidadãos por causa dela, mas assegurar-lhes plena liberdade religiosa; também àqueles que não têm fé. Enfim, sim, que Deus seja louvado, ontem, hoje e sempre.

Dom Francisco de Assis Dantas de Lucena
Bispo de Guarabira (PB)

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