terça-feira, 29 de maio de 2012

A Face Mariana da Igreja


O culto dos Santos e, em seu centro, o culto de Maria constituem – sobretudo para a área protestante – um dos rebentos secundários, biblicamente fundamentados, de que  Igreja Católica se enriqueceu no decurso dos séculos. Tal ponto de vista não é exato no sentido de que o mesmo fenômeno se encontra também nas Igrejas Orientais, onde – de maneira ainda mais escandalosa – uma parede inteira coberta de imagens de Santos separa o povo celebrante da ação sacra.

A iconostase, que nem os católicos conseguem compreender bem – ainda que os teólogos ortodoxos procurem justificá-la -, tem por finalidade mostrar à Comunidade que só podemos encontrar Cristo, e n’Ele o Deus Trino que nos ama, no seio da “comunhão dos santos” e em união com ela. Com efeito, não existe homem algum que viva só para si e que possa ser isolado da comunidade humana, proposição que sem dúvida deve ser aplicada a Cristo, se Ele é verdadeiro homem, seja Ele o que for além disso: Filho de Deus, Redentor da humanidade, etc.

Esse pensamento representa uma base da qual nós podemos partir para oferecer aos homens de hoje – talvez afastados dos ensinamentos outrora familiares da fé cristã – uma compreensão de tais verdades esquecidas.

De qualquer forma, nós já esquecemos e não nos é mais familiar a idéia de que a Igreja é nossa mãe e que esta maternidade se revela de maneira plástica e pode ser captada no fato e no modo de Maria ser mãe de Jesus.


Em primeiro lugar estão os pais, “honra teu pai e tua mãe”,[1] é um Mandamento que é a expressão das relações humanas mais elementares em qualquer cultura sadia, tanto primitiva como superior.

Aqui não se tem em vista o simples ato sexual fisiológico através do qual nasce um novo ser humano – mas a completa responsabilidade pessoal que os pais assumem com relação à educação dos filhos -, nem se entende unilateralmente a dependência para toda a vida do filho que se tornou maior e autônomo com relação aos pais, mas somente uma atitude de “respeito” que continua também na idade madura, porque o momento da gratidão objetivamente não cessa nunca.

Também um filho adulto, se não for um transviado, consegue compreender uma festa como a da mãe, nem se recusa a manter em casa a mãe idosa que ficou viúva.

Então ele adquirirá, em certo sentido, as dimensões da Igreja, identificar-se-á com as suas intenções e, como dizem os padres, tornarse-á um “homem da Igreja”.

Assim, fica claro que no interior da Igreja há os que se contentam em receber de maneira passiva os tesouros da graça e agradecer a Deus, e há os que, à medida que vão recebendo, manifestam da melhor forma a sua gratidão, trabalhando ativamente com a Igreja – exercendo assim o seu “sacerdócio universal”. Eles mesmos vão se dando conta de que deste modo de demonstrar a sua gratidão, longe de empobrecer a pessoa, torna-a mais rica.
Ninguém se limita a dar sem receber, e isso pelo simples fato de que todos recebem de Cristo, e todo o seu “dar” é apenas uma resposta e um efeito de tal recepção.

A grandeza da missão de Paulo é diferente da de um simples cristão de uma de suas comunidades; ele está totalmente consciente desta diferença, que é objetiva, e não se orgulha no plano subjetivo, porque pessoalmente é apenas um “escravo de Cristo” e, além disso, um “aborto”.

A amplidão de sua missão permite-lhe trabalhar “mais do que os outros (apóstolos) juntos”, mas acrescenta logo: “não eu, mas a graça de Deus em mim” [2].

O que Paulo talvez não pudesse conhecer tão bem era que também mais adiante haveria missões amplas como a sua – pensamos num Agostinho, num Francisco de Assis, num Inácio de Loyola – os quais, por sua vez, produziram efeitos através dos séculos na Igreja e no mundo. Mas à missão deve corresponder um segundo fator: a disponibilidade mais perfeita possível em aceitá-la e executá-la no seio da Igreja – todas as missões da Igreja são eclesiais -, porque se faltar tal disponibilidade, se o enviado for negligente ou desinteressado, ou se macular a missão com outros motivos e aspirações pessoais, então também as missões mais importantes podem fracassar e o prejuízo para a Igreja será tanto mais grave.

Porém, quando os dois momentos – o objetivo e o subjetivo – se encontram, produzem então uma vida cristã que pode ser proposta pela Igreja como exemplar e digna de imitação, porque espelha a Santidade de Deus e de Cristo, ou seja, uma vida que pode ser “canonizada”.

E aqui devemos acrescentar uma última coisa: existem grandes missões que são dadas para ações exteriores da Igreja, mesmo se não podem nunca estar separadas da intensidade interior da dedicação e da oração; com freqüência tais missões são facilmente reconhecíveis.
Esquecer que a Bíblia não narra uma história neutra, mas foi concebida por cristãos crentes como o testemunho de sua fé eclesialmente articulada e que a escolha dos Escritos que fazem parte dela (escolha feita entre um grande número de outros escritos) foi realizada por força do poder da Igreja.

A Escritura e seu conteúdo pertencem à Igreja, a qual tem consciência de ser uma intérprete autêntica. Da mesma forma, a Igreja, por força de sua autocompreensão, sabe que pode examinar os que querem unir-se a ela – através do Batismo -, sabe que pode agregar plenamente a si, Corpo de Cristo, os que se decidem a levar nela uma verdadeira vida cristã de fé – através de sua admissão à Eucaristia -, sabe que pode excluir de sua comunhão os que não correspondem à sua imagem da vida cristã.

O que pertence à Igreja pertence também a cada cristão, desde que ele queira viver também na Igreja e de conformidade com as normas que ela recebeu de Cristo.

Nenhum cristão, entretanto, pode apropriar-se de tais bens prescindindo da Igreja. Por exemplo, ele não pode (de modo geral, exceto os casos de necessidade) comungar quando quiser, tirando uma Hóstia do Sacrário. Também não pode dar a si mesmo a absolvição sacramental.

Isso significa que ele além de agradecer a Cristo, deve agradecer também à Igreja. Deve o seu “ser cristão” à instrução recebida da Igreja na reta da fé, a ela deve as graças sacramentais e a vida vivida no intercâmbio da comunhão eclesial.

Ninguém está em condições de medir o que a dedicação do cristão à seqüela de Cristo – morto por todos – realiza no mundo da graça. A este propósito, só podemos dizer que quanto mais um cristão serve e se empenha desinteressadamente e sem egoísmo na obra que Deus em Cristo realiza no mundo, quanto mais Deus, a Igreja e o próximo puderem dispor dele, quanto mais o seu coração puder se abrir diante da miséria dos outros, quanto mais ele considerar importante unicamente a causa de Deus, a salvação de todos e não somente a sua própria salvação e o seu próprio bem-estar, quanto mais as orações que dirige a Deus abraçarem de maneira universal a humanidade e precisamente os seus membros mais abandonados, quanto mais oferecer também a si mesmo a Deus e puser à disposição de sua vontade salvífica a própria vida e, em caso de necessidade, a própria morte, tanto mais Deus, a Igreja e cada um dos homens poderão colher frutos de sua árvore, tanto mais a sua existência se expandirá e se tornará acessível a todos.



[1] Cf. Ex 20,12; Dt 5,16; Mt 15,4;19,9; Mc 7,10; 10,19; Lc 18,20; Ef 6,2
[2] Cf. 1Cor 15,10
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Fonte: Trecho do livro: "O Culto a Maria Hoje", Paulinas.

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