segunda-feira, 11 de julho de 2011

Eu te adoro, Hóstia Divina!


A PROPÓSITO DA ADORAÇÃO AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO E A MISSA: 
APRENDENDO DA HISTÓRIA
                                                                                                                                                                  
A prática de adorar o Santíssimo na missa hoje: alguns exemplos.

Chega a ser impressionante, nestes últimos anos, a volta das manifestações de adoração ao Santíssimo Sacramento durante a celebração do memorial do sacrifício de Cristo, isto é, durante ou imediatamente após a missa.

Muita gente, na hora da consagração, tem o costume de sussurrar exclamações, como: "Meu Jesus, eu te adoro", ou, “Meu Senhor e meu Deus”, ou, "Senhor, eu creio em Ti, mas aumenta minha fé", etc.

Muitos padres, na hora da consagração, levantam devagar e solenemente, bem alto, a hóstia consagrada e, depois, o cálice, para adoração dos fiéis. Olhos fixos no pão e no vinho consagrados, ao som das campainhas, todos adoram a Jesus que "desceu sobre o altar", como dizem.

Há padres que, logo após a consagração, interrompem a Oração Eucarística, saindo com o Santíssimo Sacramento em procissão pela nave da Igreja- chamam essa procissão de "passeio"- para adoração dos fiéis com manifestações de aplausos, toques na hóstia por parte dos fiéis para receber a cura, etc.

Muitos, após a consagração, substituem a aclamação memorial "Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição" por cantos de adoração como: "Eu te adoro, hóstia divina", ou, "Bendito, louvado seja, o Santíssimo Sacramento", etc.

Muitos cristãos e cristãs, assim que recebem a comunhão, têm o hábito de se ajoelhar na capela do Santíssimo Sacramento para adorar Jesus presente ali no sacrário. Como se não tivessem acabado de "receber Jesus" no templo do seu próprio corpo!...

Há padres - e leigos também - que incentivam a adoração do Santíssimo imediatamente após a missa, dando assim a impressão de que a comunhão não valeu, ou valeu pouco. Pois, dada a importância que se dá à adoração e bênção do Santíssimo logo após a missa, a comunhão no corpo e sangue de Cristo acaba caindo no esquecimento, em segundo plano. Como vi e ouvi, certa vez pela televisão, um padre animador proclamar solenemente e com todo entusiasmo para a multidão, assim que terminou a missa presidida pelo Bispo: "Meus irmãos, agora vamos receber a benção do Santíssimo Sacramento... Não existe benção mais importante do que esta!" Conclusão: a maior bênção, que foi a participação no memorial do sacrifício de Cristo, isto é, na missa recém-celebrada, deixou de ser a mais importante!...

Alguns chegam a substituir a bênção final da missa pela bênção do Santíssimo Sacramento.


São alguns exemplos ilustrativos de como estão resgatando por aí o sentido da missa mais como ato de adoração ao Santíssimo do que como celebração do mistério pascal na forma de uma ceia. Inclusive com manifestações de adoração ao Santíssimo Sacramento imediatamente após a missa, colocando-a em segundo plano...

São costumes que tiveram uma origem, bem como um motivo por que se originaram, na história da Igreja. Vejamos o que diz a história a respeito. Ela pode nos ensinar muita coisa e nos iluminar em nossas práticas celebrativas da Eucaristia hoje.

Quando e por que evoluiu a prática de adorar o Santíssimo na Missa.

A prática de adorar o Santíssimo Sacramento durante a missa se desenvolveu com toda a força na passagem do primeiro para o segundo milênio. Em plena Idade Média, portanto. Antes, isto é, no primeiro milênio, sobretudo até o século IX, a eucaristia era vista e vivida sobretudo como celebração memorial da páscoa de Cristo, em clima de ação de graças, da qual participava ativamente toda a assembléia, tendo como ponto alto desta participação a comunhão no corpo e sangue de Cristo. Não havia adoração ao Santíssimo durante a missa, como se entende e se faz hoje.

Aos poucos, porém, a partir dos séculos VIII-IX, a missa vai se tornando cada vez mais "coisa de padre". Os motivos são vários, e não vem ao caso elencá-los aqui. Basta dizer que o clero vai aos poucos monopolizando tudo na celebração eucarística. O padre começa a rezar a missa sozinho. E, mesmo havendo assembléia, adota-se o costume de os padres fazerem tudo sozinhos (orações, leituras, etc.), em voz baixa, de costas para o povo, em latim. O povo apenas assiste, de longe. Já não participa mais, como antes.

Com isso, os cristãos perdem também o estímulo em participar também da comunhão recebendo o corpo e o sangue do Senhor. Esquecem-se assim da ordem que Jesus mesmo deu: "Tomai e comei... tomai e bebei...". (Jesus mandou comer e beber! Comer e beber são parte integrante e ponto alto da participação na missa). Cada vez menos gente participa da comunhão. Apenas assiste a "missa do padre".

Outro fator que distancia o povo da mesa da comunhão na missa: Aos poucos, por influência dos povos franco-germânicos, os cristãos de nossa Igreja romana absorvem uma mentalidade quase doentia em relação à divindade, vendo nesta um ser terrível, ameaçador, vigiando e controlando nossas atitudes. Ligado a isso, se acentua uma mentalidade obsessiva em relação ao pecado, ao castigo, ao inferno e purgatório. O clima era, pois, de medo. Resultado: o povo fica com medo de comungar. Pois comungar significava aproximar-se do Juiz terrível e ameaçador e, possivelmente, correr perigo de castigo por nossos pecados.

Assim, no século XII, já praticamente ninguém comungava mais. Foi preciso que o quarto concílio de Latrão, realizado em 1215, decretasse uma lei determinando que todo católico devia comungar pelo menos uma vez por ano, por ocasião da páscoa, depois de fazer uma boa confissão. Pelo menos uma vez por ano! Como se vê, não era mais costume comungar em cada missa.


O que o povo fazia então, enquanto o padre, lá distante do altar, “rezava a missa?” Entretinham-se com rezas, novenas, devoções, etc. E a comunhão, o povo a substituiu pela adoração da hóstia. Ver a hóstia, de longe, adorando-a, tornou-se uma forma de “comungar”. Por isso que, então, os padres adotaram o costume de levantar bem alto a hóstia e, depois, o cálice, na hora da consagração. Para o povo ver e prestar adoração ao Senhor terrível que “desceu sobre o altar”, na hóstia consagrada e no cálice de vinho. O desejo de ver a hóstia tornou-se então uma verdadeira febre para os fiéis, o ponto alto, o momento mais importante da missa. Introduziram até o costume de tocar campainhas na hora da elevação, exatamente para chamar atenção e enfatizar o momento. Bastava ver a hóstia e o povo já se dava por muito feliz e satisfeito.

Outra informação: A partir do século IX, mas com maior vigor a partir do século XI, alguns teólogos de influência, dentre os quais destaca-se Berengário de Tours, andaram espalhando idéias que colocavam em dúvidas a presença real de Jesus no pão e no vinho consagrados. A Igreja, em reação a estes movimentos heréticos, desencadeou todo um movimento no sentido de afirmar a fé na presença real. Para tanto, propagou e reforçou a prática da adoração ao Santíssimo Sacramento, dentro e fora da missa. Fora da missa, através de procissões do Santíssimo, bênçãos do Santíssimo, etc. Consequência: A missa, distante do pensamento de Jesus e da prática dos cristãos dos primeiros séculos, se transformou numa espécie de “fábrica de hóstias consagradas” para serem adoradas. Longe do pensamento de Jesus, porque na última ceia Jesus não disse “tomai e adorai”; ele disse “tomai e comei... tomai e bebei!”.

Como se vê, o costume de adorar o Santíssimo Sacramento durante a missa foi desenvolvido na Idade Média, quando a Igreja havia perdido de vista o verdadeiro sentido da missa como celebração memorial da páscoa de Cristo e nossa (vejam o que Jesus disse: “Fazei isto em memória de mim”!), que tem seu ponto alto no momento da ceia (comunhão). A missa, em vez de ser em primeiro lugar um momento de adoração ao Pai, através do memorial do sacrifício de Cristo que se entrega, na força do Espírito Santo, transforma-se simplesmente numa ocasião privilegiada de adoração à hóstia consagrada, ou, ao Cristo presente no pão e no vinho; mas, sobretudo no pão (na hóstia).


Esta mentalidade não foi superada nem com o concílio de Trento (séc. XVI). Perpassou os séculos seguintes, até hoje. Nosso Brasil foi evangelizado com esta mentalidade. Não tivemos outro tipo de evangelização eucarística (refiro-me ao modelo de compreensão dos primeiros séculos do cristianismo). O modelo medieval é que ficou muito bem arraigado no nosso subconsciente religioso. Por isso, o costume de adorar o Santíssimo hoje, segundo os exemplos elencados no início deste artigo, mereceria todo um longo trabalho de evangelização.
  
Desafios para o Futuro

O Papa João Paulo II falava de uma nova evangelização. Nós diríamos: precisamos re-evangelizar nossa cultura religiosa eucarística de tipo medieval, valorizando, à luz do concílio Vaticano II, a compreensão bíblica e dos Santos Padres no que se refere à Celebração Eucarística.

Não se trata de menosprezar e muito menos querer eliminar as devoções ao Santíssimo Sacramento. Trata-se de teologicamente, colocar as coisas no seu justo lugar. Não misturar as coisas. Missa é missa. Adoração ao Santíssimo é outra, com seu sentido e valor[1]. A mistura é coisa da Idade Média que, como vimos, acabou colocando a adoração ao Santíssimo acima do verdadeiro sentido da missa.

Também não se trata de dizer que não adoramos Cristo na hora da missa[2]. Os Santos Padres o adoraram! Trata-se de evitar exageros que colocam a prática de adoração ao Santíssimo acima da Oração Eucarística e da própria comunhão eucarística.

Neste sentido, a CNBB nos dá com muita sabedoria a seguinte orientação: “Na celebração da Missa, não se deve salientar de modo inadequado as palavras da Instituição (= consagração), nem se interrompa a Oração Eucarística para momentos de louvor a Cristo presente na Eucaristia com aplausos, vivas, procissões, hinos de louvor eucarístico e outras manifestações que exaltem de tal maneira o sentido da presença real que acabem esvaziando as várias dimensões da celebração eucarística” [3].

Enfim, o grande desafio mesmo está em desenvolver na alma dos pastores e dos fiéis tudo o que o concílio Vaticano II resgatou em termos de teologia e celebração da eucaristia. Peço demais a Deus que o espírito deste importantíssimo concílio, no que diz respeito à Eucaristia, não seja abafado pelo individualismo religioso tão forte nesta nova passagem de milênio. 


Frei José Ariovaldo da Silva, OFM
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[1] Cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. A Sagrada Comunhão e o Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa, 7ª Ed., Paulus. São Paulo 1975 onde, entre outras coisas ensina que “a finalidade primária e primordial de conservar a Eucaristia fora da missa, é a administração do Viático (= comunhão para os enfermos); são fins secundários a distribuição da comunhão e a adoração de Nosso Senhor Jesus Cristo presente no Sacramento. A conservação das Sagradas espécies para os enfermos introduziu o louvável costume de adorar este alimento celeste conservado nas igrejas. Este culto de adoração se apóia em fundamentos válidos e firmes, sobretudo porque a fé na presença real do Senhor tende a manifestar-se externa e publicamente” (Introdução, n. 5, p. 10).

[2] O próprio missal prescreve uma genuflexão do sacerdote na hora da consagração, primeiro para adorar a hóstia consagrada e depois para adorar o cálice.

[3] CNBB, Orientações pastorais sobre a Renovação Carismática Católica (= Documentos da CNBB 53), Paulinas, São Paulo 1994. N. 41, p. 22

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