sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Homilética: Quarta-feira de Cinzas: "Conversão para avançar no caminho da santidade".


Começamos hoje, Quarta-feira de Cinzas, uma solene e generosa caminhada que nos vai conduzir à Páscoa da Ressurreição do Senhor. Como poderemos vivê-la de acordo com a vontade do Senhor, manifestada na Liturgia da Igreja?

A cinza que agora será colocada sobre nós tem que nos lembrar que somos pouca coisa, que não podemos nos sentir orgulhosos, nem ter ódios, nem egoísmos… e desta maneira alcançarmos “mediante as práticas quaresmais, o perdão dos pecados; e alcançarmos, à imagem do vosso Filho ressuscitado, a vida nova do vosso Reino”.

Trata-se de responder com seriedade, com honradez humana e sobrenatural, ao apelo à conversão (= libertação) que o Senhor nos dirige. Algumas sugestões poderão ajudar a nossa generosidade pessoal.

No que se refere à vivência da Quaresma, o Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, recomenda o seguinte:

«Ponham-se em maior realce, tanto na Liturgia como na catequese litúrgica, os dois aspectos característicos do tempo quaresmal, que pretende, sobretudo através da recordação ou preparação do Baptismo e pela Penitência, preparar os fiéis, que devem ouvir com mais frequência a Palavra de Deus e dar-se à oração com mais insistência, para a celebração do mistério pascal. Por isso:

a) utilizem-se com mais abundância os elementos baptismais próprios da liturgia quaresmal e retomem-se, se parecer oportuno, elementos da antiga tradição;

b) o mesmo se diga dos elementos penitenciais. Quanto à catequese, inculque-se nos espíritos, de par com as consequências sociais do pecado, a natureza própria da penitência, que é detestação do pecado por ser ofensa de Deus; nem se deve esquecer a parte da Igreja na prática da penitência, nem deixar de recomendar a oração pelos pecadores.

A penitência quaresmal deve ser também externa e social, que não só interna e individual. Estimule-se a prática da penitência, adaptada ao nosso tempo, às possibilidades das diversas regiões e à condição de cada um dos fiéis. Recomendem-na as autoridades a que se refere o art. 22.

Mantenha-se religiosamente o jejum pascal, que se deve observar em toda a parte na Sexta-feira da Paixão e Morte do Senhor e, se oportuno, estender-se também ao Sábado santo, para que os fiéis possam chegar à alegria da Ressurreição do Senhor com elevação e largueza de espírito. (110).»

“Rasgai vossos corações” – nos diz o profeta Joel (2,13) –, mas rasgai-o através da mortificação, da penitência, de uma entrega generosa ao Senhor e através do trato íntimo com Deus na oração. Rasguem os seus corações no Sacramento da Reconciliação, não esperem que chegue a Semana Santa para confessar-se (pode acontecer que não dê tempo… as filas podem ser enormes!). “Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação” (2 Cor 6,2). Nesta quaresma é bom fazer o de sempre – oração, jejum e esmola –, porém, com maior fervor.

A quaresma é um tempo para deixar que Deus conserte as nossas vidas, para fazer penitência pelos próprios pecados, talvez pelos cometidos no carnaval, por exemplo.

O caminho não é largo, é estreito. Seria bom que entrássemos em regime para passar pela porta estreita. Falo do regime espiritual que consiste em abandonar o mal que se encontra nas nossas vidas e em apegar-nos ao bem. Para isso, é importante que você tenha um plano concreto de oração e de penitência: qual é o dia do seu jejum? O que você vai renunciar nessa quaresma como prova do seu amor a Deus? Já pensou em meditar a Via Sacra às sextas-feiras da quaresma? Participará da procissão da penitência? Deus gosta que sejamos bem objetivos no plano da nossa santificação, que tenhamos propósitos concretos, que coloquemos em prática sem demora aquilo que nós determinamos.

Por outro lado, a quaresma não é um tempo triste, é um tempo de preparação para celebrar a grande solenidade da Páscoa do Senhor. A oração, o jejum e a esmola dar-nos-ão a alegria de saber-nos muito pequenos diante do nosso Pai do céu e de abandonar-nos em suas mãos, sabendo que somos pó e ao pó retornaremos.

COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS



Textos: Jl 2,12-18; 2Cor 5,20–6,2; Mt 6,1-6.16-18


Em primeiro lugar, um pouco de história. Nos séculos VIII e IX a imposição da cinza se uma, no contexto litúrgico, à penitência pública. Naquele dia mandavam os “penitentes” saírem da igreja. E este gesto repetia, de alguma forma, aquele outro de Deus expulsando Adão e Eva, pecadores, do paraíso… Nesta perspectiva se colocam as palavras do Gênese que se referem precisamente à este episódio: “Com o suor da tua frente comerás o pão até voltares à terra, porque dela te tiraram; pois és pó e ao pó voltarás… E o Senhor Deus o expulsou do jardim do Éden, para lavrar o chão de onde o tinha tirado” (Gn 2,19s). Só mais tarde a imposição da cinza tomou um simbolismo distinto: o da fragilidade e brevidade da vida. A lembrança da morte. A referência à tumba. Parece-me, porém, que é válido, sobretudo, o significado primitivo, que expressa penitencia, expiação pelo pecado. “O homem-pó” quer dizer o homem que se afastou de Deus, que recusou o diálogo, que foi expulso da sua casa, que rejeitou o dinamismo do amor para caminhar seguindo uma trajetória de desilusão e de morte. “O homem-pó” é o homem que se opõe a Deus, que dá as costas ao seu próprio ser e se condena à nada. Mas neste dramático itinerário de afastamento e visitação, existe a possibilidade do retorno. Retorno à origem. Em vez de se precipitar à tumba, é possível mudar de direção- eis aqui a conversão! – e voltar à fonte. “Lembra que és pó e como pó voltarás… a Deus”. Se quiseres. Agora mesmo, neste exato momento.    

Em segundo lugar, e o que Deus espera de nós? Conversão, mudança de vida, voltar a começar! Torno-me terra e me confio ao Construtor para me refazer totalmente. Errei. Perdi o caminho da vida. Perdi o reino. Comprometi inclusive os outros no meu pecado (todo pecado é um pecado “público” com consequências desastrosas para toda a comunidade eclesial). É justo que eu fique na porta. Mas, ao rodear a esquina, volto à condição de… pó. Ou seja, de matéria prima. E Ele se inclinará ainda sobre este pó para dar-lhe um hálito de vida. Assim o meu “nada” é tocado pela plenitude divina. Da cinza pula uma faísca de vida. E agora a camada sutil de pó já não pode ocultar o esplendor do rosto de um filho de Deus. Tudo, pois, começa de novo. Pode ser “novo” se aceitar não o… fim, mas o princípio. Não o montinho de cinza da tumba. Mas o punhado de terra nas mãos do Artífice. O pouco de terra disposta para receber o “hálito”. E se converter assim, de novo, num “vivente”. A consulta, pois, com a cinza é fundamentalmente a consulta com a Vida. A cinza me recorda o berço, não a tumba! 
Finalmente, os meios que Deus põe nas nossas mãos nesta Quaresma para levar a termo a nossa conversão são os que Jesus nos recomenda no evangelho de hoje: oração, esmola ou caridade e jejum. 

Oração: Intensificar os nossos espaços de oração. Mas, sobretudo, orar melhor. 

Jejum: Jejuar das muitas coisas que diminuem a nossa vida cristã. 

Esmola:chamamos também “caridade”: amor. O amor ao irmão, sobretudo ao necessitado, em quem Cristo se faz mais presente, passa pelo socorro material suficiente e digno, não mesquinho.

Tudo isso se converte então num grande empurrão para avançar, para caminhar. Jesus, no evangelho, nos falou deste caminho. Disse para nós que temos que dar do nosso aos que necessitam: disse para nós que temos que orar, que temos que nos aproximar de Deus com todo o nosso ser; disse que temos que jejuar, que temos que renunciar tantas coisas (comida, televisão, diversão, ou que for) para nos dedicar com mais tenacidade ao Evangelho. E nos disse que temos que fazer tudo isso não para sermos vistos, para que nos parabenizem, mas pela fé, por amor, por desejo de fidelidade. Neste tempo de Quaresma temos que viver intensamente este empurrão para avançar. Cada um de nós temos que nos propor a fazer desta Quaresma um verdadeira passo adiante na vida cristã. Reconhecendo o próprio pecado, pondo toda a confiança em Deus, esforçando-nos de verdade no seguimento de Jesus Cristo. Para chegar cheios de gozo à Páscoa.

PARA REFLETIR

Queremos estar sempre com o Senhor, a nossa vida só encontra sentido nele. Que nada nos separe de Deus! E, se por acaso, estamos longe, aproximemo-nos da Misericórdia. Com a celebração de hoje, inicia-se o Tempo da Quaresma, um espaço que a Igreja nos concede para que nos convertamos um pouquinho mais através da oração e da penitência mais intensas. Um tempo precioso para aproveitarmos a graça da reconciliação que o Senhor derrama sobre toda a Igreja e, para isso, vamos começar de uma maneira bem concreta: com o jejum e a abstinência.

Todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma são dias de penitência de maneira especial. Hoje, particularmente, é um dia de penitencia em toda a Igreja que nos obriga ao jejum e à abstinência. Todas aquelas pessoas que já completaram 14 anos estão obrigados à abstinência; ao jejum estão obrigados somente os maiores de idade. Não obstante, depois dos 60 anos já não há obrigação de fazer jejum. Todos os fiéis, no entanto, devem crescer no espírito de penitência.

Em que consiste a abstinência? Consiste em não comer carne. No entanto, no nosso País, por determinação da autoridade eclesiástica, a abstinência pode ser de outro tipo, principalmente através de “obras de caridade e exercícios de piedade”. Com outras palavras, uma pessoa poderia comer carne (exceto na sexta-feira santa) e substituir por conta própria tal penitência por um terço, pela visita a algum enfermo ou ainda outra coisa que queira fazer, seja em forma de oração seja em forma de obra de misericórdia. Qualquer penitência vale! Mas é preciso fazer alguma. Na prática, e para não improvisar, o melhor é ter em mente o que se vai fazer e colocá-lo em prática.

E o jejum? Como fazê-lo? É suficiente atuar segundo o seguinte principio: fazer apenas uma refeição completa, todas as outras devem ser incompletas e sem o lanchinho da tarde. Na prática: um cafezinho simples, almoço normal, sem lanche e, em lugar do jantar, um lanchinho. E quem quiser fazer mais do que isso? É só fazer. Contudo, é importante que o nosso jejum não diminua a intensidade do nosso trabalho e a nossa atenção caridosa para com os outros. Fazer jejum a pão e água, mas ficar mal humorado e trabalhar sem vibração seria um contrassenso.

O tempo da Quaresma é o momento oportuno para que olhemos mais profundamente para o Mistério da Cruz. Olhar para a Cruz, contemplar esse Mistério é ir ao porquê de tudo aquilo que nós faremos durante a Quaresma. As orações, os jejuns e esmolas têm sentido porque nos põem em contato com a Cruz do Senhor. Além do mais, nós recebemos do Mistério da Cruz a força para unir-nos à mesma Cruz, ou seja, aquilo que Deus nos pede, ele nos concede: Deus pede que rezemos? Ele nos dá a graça da oração. Deus nos pede que façamos penitência? Ele nos dá a graça para realizá-la? Deus pede que partilhemos e que não sejamos egoístas? Ele nos dá a graça da generosidade e da esmola. O que está por detrás de tudo isso é a primazia da graça de Deus na nossa vida. Quando dirigimos o nosso olhar contemplativo ao mistério da Cruz do Senhor surge em nós o desejo de fazer aquilo que São Paulo fazia: “o que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24).

Desta maneira, se pode viver num autêntico espírito de penitência, isto é, com uma disposição permanente em provocar a morte –através da penitência– de tudo aquilo que nos separa de Deus. Ao mesmo tempo aprenderemos a oferecer ao Senhor as diversas dificuldades, dores e tribulações com sentido de expiação, reparação e intercessão.

Nesta Quaresma, Deus nos ajudará também a fugir do que poderíamos chamar “espiritualidade intimista”. Egoísmo e cristianismo são incompatíveis. Mantenhamos o olhar e o coração aberto às necessidades dos outros. A esmola da qual tanto se fala durante esse tempo litúrgico se refere exatamente a essa abertura aos outros. Além da ajuda material, talvez uma das coisas que os outros mais apreciam seja o nosso perdão acompanhado da compreensão fraterna. Nunca será exagerado recordar aquilo que dizia Santo Tomás: “a dissensão nas pequenas coisas não vai contra a caridade se existe concórdia nas principais”. Compreender! Compreender! Compreender!

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