segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Homilética: 8º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro".


Quando se pensa seriamente na vida, percebemos, não necessariamente através de profundos raciocínios, de que vale a pena aproveitar o hoje da nossa existência fazendo o bem. O que acontecerá amanhã? Ninguém pode me assegurar uma resposta.

O passado já não nos pertence. Aquilo que fizemos de bem, ficou para trás, ainda que perdure o mérito; aquilo que tenhamos feito mal, também ficou para trás e também perdura o demérito da situação concreta. Não obstante, podemos aproveitar a experiência de vida alcançada, seja com ocasião de um bem realizado, seja com ocasião de um mal executado. 


O que importa é o hoje. É o que temos para amar e para nos santificarmos, através de inúmeros pequenos acontecimentos que constituem a trama de um dia.

A Palavra de Deus deste domingo nos convida a olhar os lírios do campo, para ver na fragilidade das ervas, que de manhã florescem e à tarde secam, a providência divina, ou seja, a gratuidade do seu amor.

Na primeira leitura, o segundo Isaías proclama o amor entranhado de Deus, que nunca se esquece de nenhum de seus filhos. 

Na primeira carta de Paulo aos Coríntios, o apóstolo chama a atenção das lideranças cristãs para não esquecerem a gratuidade de ser cristãs. A tarefa do líder consiste em colocar-se a serviço da comunidade e ser administrador do plano de amor de Deus. Qualquer outra postura gera divisão no interior da comunidade. 

No evangelho, Jesus nos convida a uma única ocupação: o Reino de Deus. Todas as outras preocupações são grilhões que nos impomos e que acabam nos desviando de nós mesmos, dos outros e de Deus. O convite para contemplar os lírios do campo se traduz no chamado para ver, nas pequenas coisas, a gratuidade divina. Se abrirmos o nosso coração ao amor gratuito do Pai, experimentamos a vida como dom!

Comentário dos textos bíblicos

Leituras: Is 49,14-15; 1Cor 4,1-5; Mt 6,24-34

Meus caros irmãos e irmãs, o evangelho deste domingo faz parte do Sermão da Montanha e apresenta como tema central o desapego dos bens materiais e ressalta o sentido cristão da Providência. O evangelista São Mateus faz transparecer a forte advertência de Jesus contra os tesouros deste mundo e mostra o apego às riquezas como uma real escravidão. A exortação não deixa de ser também um desdobramento do Decálogo, em particular do primeiro mandamento, tal como o próprio Deus o declarou através dos seus profetas (cf. Ex 20,3-5).

Os ensinamentos de Jesus fazem um eco imediato do apelo solene apresentado pelo livro do Deuteronômio: “Ama o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a sua alma e com todas as suas forças” (Dt 6, 5). E no Antigo Testamento ainda temos uma outra prescrição do Senhor: “Não terás outro deus além de mim” (Ex 20,3).  Jesus resumiu esses deveres do homem para com Deus nestas palavras: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente” (Mt 22, 37).

Nas duas liturgias dominicais passadas, Jesus nos ensinava qual deve ser a nossa atitude para com os outros. No Evangelho deste domingo, ele nos revela qual deve ser a nossa relação com os bens materiais e o lugar que eles devem ter na nossa vida e nos alerta: “Ninguém pode servir a dois senhores: pois ou odiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (v. 24).

A referência à incompatibilidade entre Deus e o dinheiro nos convida a uma particular reflexão neste campo. O dinheiro é o verdadeiro centro do poder no mundo. Ele compra consciências, poder, bem-estar, projeção social e, por ele, quantas mortes acontecem e o homem chega a renunciar à própria dignidade e, pelo dinheiro, acaba destruindo a natureza e desfigura até a obra da criação de Deus.

Quando Jesus diz: “Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro!” Em outras palavras, o texto quer nos dizer que somente Deus deve ser o alicerce da nossa existência.  O cristão deve distinguir-se pela absoluta confiança no Pai celeste, como foi para Jesus. É precisamente a relação com Deus Pai que dá sentido a toda a vida de Cristo, às suas palavras, aos seus gestos de salvação, até à sua paixão, morte e ressurreição. Com o seu testemunho de vida, Jesus demonstrou o que significa viver com os pés bem firmes no chão, atentos às situações concretas do próximo, e ao mesmo tempo, tendo sempre o coração no Céu, imerso na misericórdia de Deus.

Jesus nos coloca diante de dois senhores diametralmente opostos no que concerne aos seus respectivos interesses: Deus e o dinheiro.  A profissão de fé em Deus exige de nós crença e amor total, além da prática dos mandamentos e das virtudes. O dinheiro, por sua vez, nos inspira à ambição, vaidade, orgulho, menosprezo do próximo, nos faz ser seu servo e nos distancia de Deus.

O texto evangélico nos diz: “Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (v. 24). O verbo servir, empregado neste versículo, refere-se à situação de um servo que, sem restrição alguma, entrega sua vontade a um senhor.  O Apóstolo São Paulo já nos adverte: “Não sabeis que, quando vos ofereceis a alguém para lhe obedecer, sois escravos daquele a quem obedeceis, quer seja do pecado para a morte, quer da obediência para a justiça?” (Rm 6,16). E São Pedro também ressalta: “O homem é feito escravo daquele que o venceu” (2Pd 2,19).  O apego às riquezas constitui, a partir de certo grau, uma real escravidão. As faculdades do escravo pertencem ao senhor, a quem deve prestar contas de todo o seu serviço.

O mal não está em ter dinheiro e servir-se dele.  O grande erro está quando o homem deixa que o dinheiro tome conta do seu coração e permite que ele se transforme em seu patrão.  Existem muitos casos de pessoas que abandonaram a fé e até mesmo a religião, porque deixaram se levar pelo fascínio dominador da riqueza.

Sempre que a lógica do “ter” domina o coração do homem, o dinheiro ocupa o lugar de Deus e passa a ser o seu ídolo.  Normalmente os ídolos acabam destruindo o homem. E Jesus apresenta o dinheiro como o pior de todos.  O dinheiro pode proporcionar roupas finas, prazeres, carros, viagens etc.  Mas isto pode ser perigoso, pois a pessoa pode tornar-se dependente do dinheiro e, com isto, pode perder a sua própria dignidade, passa a enganar os outros e tornando-se infiel à sua própria condição de filho de Deus.  O perigo ocorre quando Deus passa a ocupar um lugar secundário na vida do homem; e o dinheiro torna-se uma referência fundamental para a sua vida.

Também pode ocorrer o risco de alguém ficar lisonjeado com o dinheiro que ganha através do seu trabalho e, com isto, esquecer-se de Deus, por isto, a grande lição do Evangelho: “Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará a um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24).  Estas palavras de Jesus devem ecoar em nosso coração e, com sinceridade, devemos questionar a nós mesmos a quem servimos e quem é o centro da atenção da nossa vida.

Jesus também nos recorda que Deus nos conhece e que providencia tudo para nós. Os pássaros não semeiam, não colhem nem ajuntam em armazéns, e encontram sempre o que comer. Os lírios do campo não trabalham nem fiam e são vestidos esplendorosamente. Pois bem, se para os animais e os vegetais, Deus assim providenciou, muito mais para nós, que somos seus filhos, criados à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26).

Os ensinamentos de Jesus para este domingo podem dar margem a mal-entendidos, se a interpretação ocorrer na linha da acomodação e da passividade. Jesus não quer nos dispensar do trabalho.  O Evangelho precisa ser compreendido em todo o seu conjunto harmonioso. O trabalho humano é algo digno e necessário, como bem ressalta o Apóstolo São Paulo, lembrando da obrigação do trabalho; chegando até mesmo a dizer que quem não quer trabalhar não tem o direito de comer (cf. 2Ts 3,10-12).

Nem mesmo as aves do céu deixam de lutar pela vida. Comparada com o homem, a ave é passiva, não prepara nem organiza sua comida, mas a encontra a partir do seu vôo. O homem, por sua vez, deve viver numa constante atitude de quem foi agraciado, pois recebeu ele inúmeros dons, frutos do amor e da misericórdia de Deus para com cada um dos seus filhos.  Na verdade, a sentença que deve dominar todo o seu horizonte deve ser sempre esta: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6,33), como enfatiza o Evangelho.

A proposta de Jesus é um convite a confiarmos totalmente na bondade e na solicitude paternal de Deus, mas, além disso, devemos estar comprometidos com o bem e a justiça, trabalhando todos os dias, a fim de que, o mundo novo da justiça, da verdade e da paz, se concretize.


Invoquemos uma vez mais a Virgem Maria, a quem chamamos de Mãe da divina Providência, que ela interceda por nós que estamos a caminho da terra prometida, que ela nos mostre o modo simples de viver, confiantes na proteção do Deus.  Assim seja.

PARA REFLETIR


“Olhai os pássaros dos céus; olhai os lírios dos campos! Não vos preocupeis com o dia de amanhã: vosso Pai sabe do que tendes necessidade”.

Amados em Cristo, as Palavras que hoje o Senhor Jesus nos dirige no Evangelho, sem dúvida são belíssimas; palavras tantas vezes ouvidas e repetidas, palavras que nós romanceamos como algo bonito e doce… Mas, serão palavras reais, dignas de serem levadas a sério no concreto do mundo, na crueza da dura e inclemente realidade? A questão é importantíssima, caríssimos irmãos no Senhor, porque se as palavras do nosso Divino Mestre forem belas, mas irreais, poéticas, mas inúteis, então, o Evangelho não nos serve de luz, e caminho, de critério para a vida! Palavras belas que não tenham consistência real seriam palavras inúteis e mentirosas, como tantas que escutamos nos dias atuais, tão fartos de comunicação! Ora, longe do Senhor Nosso a mentira, longe do nosso Salvador e inutilidade do dizer! Pelo contrário, ele mesmo avisa: “Sereis julgados por cada palavra inútil que disserdes!” (Mt 12,36)

Sendo assim, o que Jesus nos quer dizer hoje, sobre a Montanha? Que significam suas palavras? Eis: o Senhor nos quer exortar, caríssimos, fazendo-nos compreender que o discípulo seu, o cristão, deve ter como opção fundamental da vida, como eixo da existência unicamente o Reinado de Deus: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo!” – é esta a frase central do Evangelho deste hoje! Procurai que o Pai do céu seja o vosso tudo, deixai que o Senhor Deus seja o alicerce, o eixo, o indicador do vosso caminho na vida! E aí, tudo o mais vai se tornando relativo, tudo o mais vai sendo encarado e vivenciado com liberdade, com serenidade, com sabedoria! O Senhor nos pede que deixemos Deus ser Deus na nossa vida e na vida do mundo; todo o resto deve ser avaliado e vivenciado a partir daí. É a partir desta realidade, deste modo de viver, que nossa vida se arruma, nossa coração se aquieta e tudo quanto nos acontece toma um novo sentido! Somente poderemos compreender a nossa realidade e as realidades do mundo, se estivermos firmes na verdadeira Realidade, que é Deus!

Mas como é possível, concretamente, chegar a uma confiança tão verdadeira e real em Deus, a ponto de entregar-lhe de efetivamente a direção de nossa vida. – Sim, porque cantamos “toma tu a direção”, mas como é difícil entregar de verdade a direção a Deus! Caríssimos meus, o cristão somente confiará no Senhor e o amará a ponto de caminhar na sua estrada e entregar-lhe a sua vida concreta, se tiver intimidade com ele! Intimidade amorosa que experimente Deus como um amigo, como alguém que nos ama e nos é mais presente que uma mãe: “Acaso pode a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, eu, porém, não me esquecerei de ti!” Quando tivermos tal intimidade com o Senhor, a ponto de irmos experimentando a verdade dessas palavras, então seremos verdadeiramente capazes de confiar nele! Somente confiamos num amigo íntimo; somente apostamos a vida em quem amamos de fato! Se formos amigos de Deus, se o amarmos realmente, então nele confiaremos, a ponto de colocar nossos pés nos seus passos! Este o exemplo que vemos São Paulo nos dar na segunda leitura de hoje: ele não quer ser outra coisa que um simples servidor de Cristo. Ora, porque ama o seu Senhor, porque deseja somente servi-lo, é livre em relação a si próprio e em relação aos outros: “Quem me julga é o Senhor!” Quanta liberdade, quanta serenidade, quanta felicidade para quem vive assim!

Meus caros, fomos feitos para viver na amizade com o Senhor e somente equilibraremos nosso vida e sossegaremos nosso coração vivendo nesta amizade! O mundo atual, este, que nos cerca, é tão complexo e estressante! Pensemos no que encontraremos nesta semana que hoje começa: os desafios no trabalho, os aperreios das finanças, as tensões na família, a competição na profissão, a busca da realização afetiva, a procura de um lugar na sociedade… Ninguém escapa de tais batalhas! Mas, como me coloco ante estas realidades? Qual o eixo que orienta tudo o mais? Em outras palavras, mais dramáticas: Quem é o Senhor da minha vida? Onde está o centro de minhas preocupações, o critério fundamental, o valor absoluto, que dirige, unifica e dá sentido a todas as minhas escolhas, às minhas ações, palavras e reações? Só se pode servir a um Senhor: “Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro!” Em outras palavras: não podeis ter a Deus como alicerce de vossa existência se tudo fazeis pensando simplesmente em dar-vos bem neste mundo! Quem é o teu Senhor? Quem é, realmente, o critério último e a absoluto da minha existência? A resposta não é tão simples, pois “onde está o vosso tesouro, aí estará o vosso coração” (Mt 6,21).

Não podemos, caríssimos, fugir desta questão, pois um dia nossa vida será colocada diante do tribunal de Cristo; teremos de prestar contas da nossa existência! Um Dia – naquele Dia tremendo, Dia de Cristo -, os projetos do nosso coração serão colocados às claras na luz do nosso Salvador! “Então, cada um receberá de Deus o louvor que tiver merecido”. Aprendamos, pois, a confiar no Senhor, que jamais se esquece de nós! Deixemos que ele seja uma Presença na nossa vida! Que possamos dizer com toda a realidade as palavras do Salmista na Missa de hoje: “Só em Deus a minha alma tem repouso! Só ele é meu rochedo e salvação, a fortaleza onde encontro segurança! O meu refúgio e rocha firme é o Senhor!” Amados em Cristo, a vida é preciosa demais para ser empregada em futilidades, para não ser realmente levada a sério! Cuidado! Seja o Senhor o fundamento da nossa existência, seja ele o critério de nossas decisões, seja ele a luz e o alento de nossas lutas. Aí poderemos experimentar a verdade das palavras o Salmo 17: “O Senhor se tornou o meu apoio, libertou-me da angústia e me salvou porque me ama!”

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