segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Homilética: Nossa Senhora Aparecida (12 de Outubro): "A vida do meu povo, eis o que vos peço".


Hoje, o Brasil católico celebra o dia de Nossa Senhora Aparecida, sua padroeira. Encontrada sob a forma de imagem negra para pobres pescadores, no ano de 1717, na cidade de Aparecida do Norte, em São Paulo. O local passou lentamente a ser referência de peregrinação. Poucos são os brasileiros que lá nunca estiveram. Esse acontecimento marcou época. A mãe de Deus se apresenta como padroeira dos pobres e negros escravos do Brasil de outrora. A Maria do Magnificat, que canta a derrubada dos opressores e soerguimento dos pobres (Lc 1, 45-55) é a mesma negra de Aparecida, aquela que devolveu a alegria aos pobres pescadores com uma pesca milagrosa. Aparecida que virou Nossa Senhora Aparecida. Um título de rainha para uma mulher que marcou a humanidade desde sua terra natal, Nazaré. Que não conhece a música Maria de Nazaré, aquela que me cativou, fez mais forte a minha fé e por filho me adotou.

Nas leituras de hoje, três mulheres são apresentadas para a nossa reflexão. Ester, Maria e a mulher anônima do Apocalipse. Ester é a mulher da luta, da resistência à dominação grega. Por sua sábia atitude consegue livrar seu povo do extermínio. Maria é a mulher mãe que leva seu filho a iniciar a suas atividades missionárias, realizando o seu primeiro milagre. Já a mulher anônima do Apocalipse pode ser identificada com Eva, com a esposa de Deus, Israel/Sião, ou com Maria. Ela está prestes a dar à luz, mas se vê ameaçada pelo dragão, a força do mal.

Em que essas mulheres vencedoras iluminam a nossa fé? Sobretudo, neste dia de nossa mãe Aparecida, aquela que apareceu para nos colocar no caminho da vida, da libertação dos opressores de ontem e de hoje. Falar de Maria é falar dessas três mulheres e de tantas outras de nosso tempo.      
Comentário aos textos bíblicos

Evangelho (Jo 2,1-11)

A comunidade joanina reservou para nós a belíssima narrativa das bodas de Caná, uma pequena cidade da Galiléia. Com uma população atual em tono de 8.000 habitantes, Caná da Galileia é a cidade de maior proporção de cristãos em Israel/Palestina, cerca de 25%. Cristãos e muçulmanos convivem aí de forma pacífica. Caná significa adquirir, tendo, por isso, um valor simbólico na realização do primeiro milagre de Jesus. Faltou vinho em Caná, na havia tempo hábil para o noivo comprar mais vinho. Jesus, sim, foi capaz de “adquirir”  um vinho novo e de muita qualidade. O que isso significa?

Como vimos no evangelho de hoje, Jesus fez aí, numa festa de casamento, o seu primeiro milagre: transformou água e vinho. O matrimonio era realizado em três etapas, a saber: namoro, noivado e núpcias. A festa de casamento durava sete dias. Era o terceiro dia, o vinho tinha acabado. Jesus e sua família eram convidados. Maria solicitou a Jesus que fizesse seu primeiro milagre. Uma igreja, relembrando esse episódio foi edificada em 1879, sobre uma bizantina e outra cruzada. Os cristãos aí renovam as promessas matrimoniais. Na sua cripta, encontram-se vasos de cerâmica. Naquele tempo, eram usados vasos de pedra, de modo que a água pudesse estar sempre pura.

O matrimônio, no Primeiro Testamento, foi relido como símbolo do casamento entre Deus e Israel (Os 2, 16-25; Is 1, 21-13; 49, 14-16). Dentre esses textos, é muito conhecida a experiência do profeta Oseias com a sua esposa infiel, Gomer, símbolo da infidelidade de Israel. No evangelho de João, Jesus é o novo esposo de Israel que, simbolicamente está celebrando a sua festa de matrimônio, na qual faltava uma coisa essencial, o vinho. Maria, sua mãe, sabedora do papel do filho no novo Israel, lhe pede para resolver imediatamente a questão, pois a festa não podia terminar e as promessas divinas nele deveriam se cumprir. Sendo Jesus o messias, o esposo que deveria, por obrigação cultural, oferecer vinho durante a festa. Jesus era o Messias-esposo. E Maria sabia disso. Qual mãe não conhece bem o seu filho!

O vinho, naquele tempo, era o sinal de alegria nas festas. Foi num jantar de páscoa, onde são consumidas cinco taças de vinho, cada uma delas com o seu simbolismo próprio, que Jesus toma, ao final da ceia, uma taça de vinho e diz que se tratava do seu sangue, o da salvação. O vinho era também o símbolo do amor no casamento. Basta ler o livro Cântico dos Cânticos, que fala do amor e do vinho (Ct 1,2; 7,10).

A resposta de Jesus não é muito elegante com a mãe, ao dizer-lhe: “Que queres de mim, mulher? A minha hora ainda não chegou.” (v.4).  A hora de Jesus é sua morte que levaria à ressurreição. Maria nem se importa com a sua resposta e diz aos criados que façam tudo que ele ordenar. Muitos já explicaram o fato de Jesus não se dirigir a Maria como mãe, mas como mulher, dizendo que mulher, aqui representa a nova Eva, a mulher mãe de Israel, a esposa de Jesus, os novos judeus seguidores do messias Jesus. Não temos como discordar dessas afirmativas. No entanto, vale lembrar que tradição dos evangelhos apócrifos, ao relatar esse mesmo episódio, diz que Jesus ao receber os criados com talhas de água enviadas por Maria, balança a cabeça, encolhe os ombros e diz rindo aos criados: “Faça o que ela está pedindo. Que filho pode negar um pedido de mãe? O melhor será atendê-la o quanto antes, porque senão irá insistir até conseguir o que quer”. E disse aos criados: Enchei as talhas de água!”[2] O relato apócrifo aparece mais lógica. Maria é a mãe que adianta a hora do filho. Nela estão todos que acreditaram e acreditam em Jesus, como filho de Deus. Ela nos revela que seu filho é o próprio vinho novo, o esposo da humanidade, a nova humanidade, simbolicamente representada pelas seis talhas de pedra. O seis relembra o dia da criação do ser humano (Gn 1,26), bem como a imperfeição, o incompleto. A besta do apocalipse é representada com o número 666. Por serem de pedras, as talhas recordam as tábuas da lei selada entre Deus e povo, na pessoa de Moisés, o “tirado das águas”, conforme seu próprio nome significa. Agora, é Jesus, o novo Moisés, pede para colocar água nas talha e a transforma em vinho.

Jesus realizou o seu primeiro sinal e nele a glória de Deus. E todos crerem, mas quem roubou a cena no evento foi Maria. Não por menos, ele deveria aparecer também em nosso país. Ela é a Aparecida do Norte, do Brasil e todos os cristãos, de modo especial, nós de fé católica.

I leitura (Est 5,1b-2; 7,2b-3)

Ester é a mulher resistência e esperança do seu povo. O pequeno trecho de sua história que ouvimos na leitura de hoje nos recorda o seu papel na história do povo de Israel. Deus. Mulher de rara beleza, graça e feminilidade, a judia Ester chegou a tornar-se rainha no palácio do opressor (Ester 3,6-13).

Embora o fato narrado situar-se no período da dominação dos persas (485-465 a.E.C) na Palestina, ele é uma denuncia e uma chamada de resistência à dominação grego-helenista, que teve seu início em 333 a.E.C. com as conquistas da Síria, Palestina e do oriente por Alexandre Magno. Com morte prematura, os generais de Alexandre dividiram o seu reino entre eles. Na Palestina, o povo sofreu muito com os ptolomeus (301-198). Os gregos, além do domínio econômico, se impunham culturalmente. Eles construíam ginásios, teatros, templos e palácios conforme o modelo grego. Os gregos davam nomes helenísticos às idades existentes e fundavam outras. A língua grega passou a ser o idioma universal. O povo judeu sofria muito para poder seguir seus antigos costumes segundo a Lei dada a Moisés. Uma das diferenças básicas entre os gregos e os judeus era que Deus era medida das coisas para os judeus e para os gregos, o ser humano. Nós ocidentais somos frutos da cultura grega.

Ester, sabedora dessa realidade, feita rainha, se aproxima do opressor, o rei da Pérsia, Assuero. Estando em um banquete com ele, como nos mostra a leitura de hoje, ela recebe a graça de libertar o seu povo de um massacre preestabelecido, através de um sorteio, por Amã, primeiro-ministro do rei (Est 3,6-13). Amã já tinha recebido do rei a autorizado para executar a sentença contra os seus supostos inimigos. Ester havia conquistado o coração do opressor e por ele feita sua rainha. Antes da realização do banquete oferecido por Ester, o rei lhe havia prometido que lhe daria o que ela lhe pedisse, ainda que fosse a metade do seu reino. Ester, então, tendo sabiamente reunido em um banquete, o rei e o malvado Amã, pede ao rei concedesse vida a seu povo que iria morre pelas mãos de Amã. O rei não só realiza o seu desejo, mas manda matar Amã.

Mesmo que o nome de Deus não apareça no texto hebraico do livro de Ester, é Ele quem conduz a história através da sabedoria e resistência de mulheres como Ester. Esta é a mensagem principal desta novela bíblica. O povo judeu nunca se esqueceu desse episódio. Uma de suas festas anuais judaicas se chama Purim, o dia da sorte, celebra esse dia em que ele foi salvo pelas mãos de uma mulher. Ela é celebrada no dia 14 do mês de Adar para lembrar que “... esse mês é aquele em que, para eles, a aflição deu lugar à alegria e o luto às festividades (Est 9, 22). Purim é a festa do bom humor. Todos saem para as ruas com mascaras e fantasias, assim como no nosso carnaval. Nessa festa, o livro de Ester é lido na sinagoga. Na hora em que nome de Amã e citado, as crianças fazem algazarra para não ouvi-lo.

Ester com a sua atitude passou para a história como símbolo de resistência e de fé. Ela libertou o seu povo oprimido, devolveu-lhes a alegria a seu povo, que, com pavor, esperava o dia da morte.

Maria, a mãe Aparecida, aparece aos pobres pescadores que serviam aos nobres, ele lhes devolve a alegria da vida. Maria, a mãe de Nazaré, devolve a alegria ao casamento com um vinho novo. Bom, mas isso é o tema do evangelho de hoje.

II leitura (Ap 12,1.5.13a.15-16a)

Uma mulher sem nome, grávida e apocalíptica é descrita na terceira leitura de hoje. Ela aparece no céu, vestida de sol, tendo a lua a seus pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça. Um dragão está ao seu lado esperando o nascimento do seu filho para logo devorá-lo. Sendo perseguida, a mulher recebe asas de Deus e foge para o deserto. Qual o simbolismo dessas imagens?

Antes mesmo de responder a essa pergunta, temos que salientar que o contexto da literatura apocalíptica é o império romano, que perseguia e martirizava os cristãos. Nero, um cruel imperador romano, no ano 64, promoveu uma perseguição aos cristãos digna de filme de terror. O historiador romano Suetônio conta que Nero mandou matar os cristãos por serem membros de uma maléfica superstição[3]. Já outro historiador, Tácito, também deixou escrito o seguinte: “O suplício desses miseráveis foi ainda acompanhado de insultos, porque ou os cobriram com peles de animais ferozes para serem devorados pelos cães, ou foram crucificados, ou os queimavam de noite para servirem como archotes e tochas ao público. Nero ofereceu seus jardins para esse espetáculo.”[4]   Foi nesse contexto que surgiu a profecia popular, chamada de apocalíptica. Apocalipse não se trata de um livro do medo dos fins dos tempos, mas de esperança. Ele fala dos gregos, para se referir aos romanos. Mesmo esquema usado no livro de Ester.

Os símbolos usados na leitura de hoje são: mulher grávida, sol, lua, estrelas, dragão, deserto, rio de água, filho. A mulher grávida representa várias possibilidades de interpretações: a mãe da vida repleta de Deus; Eva, a mãe da humanidade; Israel ou Jerusalém, enquanto comunidade profética que projetos alternativos de libertação do povo; os cristãos que vivem perseguidos por Roma, mas serão capazes de gerar o projeto do reino, em às perseguições; Maria, a mãe de Jesus Cristo, o Filho de Deus. O sol, a lua e as estrelas, por fazerem parte da morada de Deus, representam a divindade da mulher. Ela é Deus, protegida por ele com o sol e sendo eterna com a luz aos seus pés. O dragão é a força do mal, da morte, a serpente do paraíso que levou o ser humano ao caminho do mal, que enganou Eva e agora é vencido pelo nova Eva, Maria. O deserto é o lugar da proteção, da intimidade com Deus. Ali está a mulher, protegida e alimentada por Deus, como o povo de Israel no deserto. O rio de água vomitado pelo dragão para devorar a mulher representa o mar vermelho na travessia do povo no deserto. A terra se encarrega de se abrir para engolir o rio, salvando a mulher. O filho gerado pela mulher é Jesus.

Com essa visão apocalíptica, as primeiras comunidades cristãs encontraram forças para resistir ao império romano e continuar semeando o projeto do reino anunciado por Jesus. Não por menos, hoje, no dia de Nossa Senhora Aparecida, lembramo-nos de Maria, que reúne em si todos os atributos da mulher esperança, como Ester; da mulher mãe intrépida, como a de Cana; da mulher resistência a toda prova, como a apocalíptica.

PARA REFLETIR

O dia 12 de outubro vem lembrar a todos os brasileiros que a devoção à Senhora Aparecida está impregnada da certeza da proteção da Mãe de Cristo e de que Ela intercede por nós, seus filhos.

A Palavra de Deus (Ester 5, 1-2; 7,2-3) fala-nos da rainha Ester que se aproxima suplicante do grande rei, e este põe à sua disposição todo o seu poder. Diz o texto bíblico: “Então, qual o teu pedido, Ester, para que seja atendido? Que queres que eu te faça? Repito: Mesmo se pedires a metade do meu reino, tu a alcançarás! Ela respondeu: Se encontrei graça a teus olhos, ó rei, e se te agrada, concede-me a vida, pela qual suplico, e a vida do meu povo, pelo qual te peço” ( Ester 7, 2b-3). Para nós é muito fácil perceber nesta rainha do Antigo Testamento a prefiguração da Rainha dos Céus, intercedendo junto de Deus por nós, que somos seu povo e seus filhos. Confiamos à intercessão de Maria as nossas necessidades, quer sejam pequenas, quer nos pareçam muito grandes, as da nossa família, da Igreja e da sociedade. Diante de Deus, Maria se referirá a nós dizendo que este é o meu povo, pelo qual intercedo.

No Evangelho (Jo 2,1-11) encontramos o primeiro milagre que Jesus fez, à pedido de sua mãe, em Caná da Galiléia. Numa festa de casamento, Maria estava presente, como também Jesus e os seus primeiros discípulos.

Maria, durante a festa, enquanto presta a sua ajuda, percebe o que se passa. Jesus está no inicio de seu ministério público.

A Mãe chega para o Filho e lhe diz: “Eles não têm mais vinho!”( Jo, 2,3). É interessante: Maria pede sem pedir, expondo uma necessidade. E desse modo nos ensina a pedir.

Jesus responde-lhe: “Mulher, para que me dizes isso? A minha hora ainda não chegou”.(Jo 2, 4). Parece que Jesus vai negar à sua Mãe o que Ela lhe pede. Mas a Virgem, que conhece bem o coração do seu Filho, comporta-se como se tivesse sido atendida e pede aos serventes: “Fazei tudo o que Ele vos disser!” ( Jo 2, 5).

Maria é uma Mãe atentíssima a todas as nossas necessidades, de uma solicitude que mãe alguma sobre a terra jamais teve ou terá. O milagre acontecerá porque Ela intercedeu; só por isso.

Em Caná, ninguém pede à Virgem Maria que interceda junto do seu Filho pelos consternados esposos.

Se a Senhora procedeu assim sem que lhe tivessem dito nada, que teria feito se lhe tivessem pedido que interviesse? Que não fará quando- tantas vezes ao longo do dia!- lhe dizemos “ rogai por nós”? Que não iremos conseguir se recorremos a Ela?

O Papa São João Paulo II, referindo-se a Maria dizia ser a Onipotência suplicante! Assim a chamou a piedade cristã, porque o seu Filho é Deus e não lhe pode negar nada.

Deveríamos suplicar o seu socorro com mais frequência!

Depois que os serventes encheram as talhas de água, disse-lhes Jesus: “Agora, tirai e levai ao encarregado da Festa” (Jo 2, 8). E o vinho foi o melhor de todos os que os convidados beberam. As nossas vidas, tal como a água, eram também insípidas e sem sentido até que Jesus chegou a elas. Ele transforma o nosso trabalho, as nossas alegrias, as nossas penas; a própria morte se torna diferente junto de Cristo.

O Senhor só espera que cumpramos os nossos deveres, até à borda, acabadamente, para depois realizar o milagre.

“Enchei as talhas de água”, diz-nos o Senhor. Não permitamos que a rotina, a impaciência e a preguiça nos façam deixar pela metade a realização dos nossos deveres diários.

Jesus não nos nega nada; e concede-nos de modo particular tudo o que lhe pedimos através de sua Mãe.

Hoje a Mãe de Jesus e nossa continua a nos dizer: “Fazei tudo o que Ele vos disser.” Foram as últimas palavras de Nossa Senhora registradas no Evangelho. E não poderiam ter sido melhores.

Com as palavras de São João Paulo II, recorremos hoje a Nossa Senhora Aparecida, pedindo-lhe que nos ensine o caminho da esperança.

Rezou o Santo: “Não cesseis, ó Virgem Aparecida, pela vossa mesma presença, de manifestar nesta terra que o Amor é mais forte que a morte, mais poderoso que o pecado! Não cesseis de mostrar-nos Deus, que amou tanto o mundo, a ponto de entregar o seu Filho Único, para que nenhum de nós pereça, mas tenha a vida eterna! Amém! (São João Paulo II, Dedicação da Basílica Nacional de Aparecida, 4/7/1980).

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