sábado, 24 de setembro de 2016

O Batismo de Crianças nos Padres da Igreja e na História


O batismo de crianças é uma prática imemorial da Igreja, tendo sido instituída pelos Apóstolos. Nestas linhas não pretendo me aprofundar nos argumentos bíblicos em favor do batismo das crianças (pois já foram tratados em outra ocasião), mas nos testemunhos que a Igreja nos deixou ao longo da História, em favor desse sacramento pelo qual somos sepultados com Cristo em sua morte, a fim de que, da mesma forma como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos através da glória do Pai, também nós possamos viver uma nova vida. Tratarei, ainda que brevemente, das heresias que ao longo dos séculos ergueram obstáculos para que as crianças fossem regeneradas pelo nascer da água e do espírito, e sua evolução através da História.

O BATISMO DAS CRIANÇAS NOS PADRES DA IGREJA (SÉCULOS I A IV)

Nos primeiros quatro séculos da Era Cristã encontramos total unanimidade acerca dessa matéria. Há numerosos testemunhos de Padres da Igreja que falam da importância do batismo das crianças. Houve também quem optasse por retardar o seu batismo, mas por razões censuradas pela Igreja, como para não ter que largar a vida pecaminosa e, assim, obter o perdão dos pecados no momento da morte (algo bastante insensato, visto que ninguém sabe em que momento irá morrer ou se terá ainda chance de ser batizado); ou livrar-se das penitências que teriam que ser feitas caso tornasse a pecar após o batismo.

A. SANTO IRENEU

Bispo e mártir, foi discípulo de São Policarpo que, por sua vez, foi discípulo do Apóstolo São João. Célebre por seu tratado “Contra as Heresias”, em que combatia as heresias do seu tempo, em especial a dos gnósticos. Nasceu por volta de 130 d.C. e morreu em 202 d.C.

Faz eco da fé da Igreja primitiva, que professava que todo homem nasce na carne e que, portanto, deve nascer da água e do espírito - o que interpreta inequivocamente como o batismo, pelo qual se obtém ainda a remissão dos pecados:

- “E [Naaman] mergulhou [...] sete vezes no Jordão. Não foi sem razão que Naaman, já velho e leproso, foi purificado ao ser batizado, mas para nos indicar que, como leprosos no pecado, somos limpos de nossas transgressões mediante a água sagrada e a invocação do Senhor, sendo espiritualmente regenerados como crianças recém-nascidas, mesmo quando o Senhor já declarou: 'Aquele que não nascer de novo da água e do espírito, não entrará no reino dos céus'” (Fragmento 34).[1]

Ao longo dos escritos deste e de outros Padres veremos como em nenhum momento restringem a graça e os dons de Deus a ninguém, sejam bebês, adolescentes ou adultos. No texto a seguir, embora não se encontre uma referência explícita ao batismo de crianças, encontramos a crença de que Deus pode derramar a sua graça e santificar qualquer pessoa, independente de ter ou não idade para crer (rejeitando, com cerca de mil anos de antecedência, os argumentos empregados pelos anabatistas):

- “Porque veio salvar a todos. E digo 'todos', isto é, àqueles tantos que por Ele renascem para Deus, sejam recém-nascidos, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Por isso, quis passar por todas as idades, para tornar-se recém-nascido com os recém-nascidos, a fim de santificar os recém-nascidos; criança com as crianças, a fim de santificar aos de sua idade, oferecendo-lhes exemplo de piedade e sendo para eles modelo de justiça e obediência. Fez-se jovem com os jovens, para dar exemplo aos jovens e santificá-los para o Senhor” (Contra as Heresias 2,22,4).[2]

B. ORÍGENES

Orígenes foi escritor eclesiástico, teólogo e comentarista bíblico. Viveu em Alexandria até 231; passou os últimos 20 anos de sua vida em Cesaréia Marítima, na Palestina, e também viajando pelo Império Romano. Foi o maior mestre da doutrina cristã em sua época e exerceu uma extraordinária influência como intérprete da Bíblia.

O testemunho de Orígenes é de capital importância, não apenas porque como os outros Padres nos explica a razão de ser necessário batizar as crianças, mas pelo seu testemunho explícito de que este foi um costume recebido pela Igreja diretamente dos Apóstolos. Orígenes, com sua pena, confirma, de antemão, aquilo que a arqueologia comprovaria ao encontrar evidências de batismos de crianças pela Igreja primitiva.

- “A Igreja recebeu dos Apóstolos o costume de administrar o batismo inclusive às crianças, pois aqueles a quem foram confiados os segredos dos mistérios divinos sabiam muito bem que todos carregam a mancha do pecado original que deve ser lavada pela água e pelo espírito” (In. Rom. Com. 5,9: EH 249).[3]

- “Se as crianças são batizadas 'para a remissão dos pecados' cabem as perguntas: de que pecados se tratam? Quando eles pecaram? Como se pode aceitar tal testemunho para o batismo das crianças se não se admitir que 'ninguém é isento do pecado, mesmo quando a sua vida na terra não tenha durado mais que um só dia'? As manchas do nascimento são apagadas pelo mistério do batismo. Batizam-se as crianças porque 'se não nascer da água e do espírito, é impossível entrar no reino dos céus'” (In Luc. Hom. 14,1.5).[4]

- “'Havia muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi curado, apenas Naaman, o sírio', que não pertencia ao povo de Israel. Considerem o grande número de leprosos que havia até este momento 'em Israel segundo a carne'. Vejam, por outro lado, o Eliseu espiritual, nosso Senhor e Salvador, que purifica no mistério batismal os homens cobertos pelas manchas da lepra e lhes dirige estas palavras: 'Levanta-te, vai ao Jordão, lava-te e tua carne ficará limpa'. Naaman levantou-se e se foi; e, ao banhar-se, se cumpriu o mistério do batismo: 'sua carne ficou igual à carne de uma criança'. De que criança? Daquele que 'no banho da regeneração' nasce em Cristo Jesus” (In. Luc. Hom 33,5).[5]

- “Se gostais de ouvir o que outros santos disseram acerca do nascimento físico, escutai a Davi quando diz: 'Fui formado na maldade e minha mãe me concebeu no pecado'. Assim diz o texto. Demonstra que toda alma que nasce na carne carrega a mancha da iniquidade e do pecado. Esta é a razão daquela sentença que citamos mais acima: ninguém está limpo do pecado, nem sequer a criança que só tem um dia [de vida]. A tudo isto se pode acrescentar uma consideração sobre o motivo que a Igreja tem para o costume de batizar também as crianças: este sacramento da Igreja é para a remissão dos pecados. Certamente que, se não houvesse nas crianças nada que requeresse a remissão e o perdão, a graça do batismo seria desnecessária” (In Lev. Hom 8,3).[6]

C. SANTO HIPÓLITO DE ROMA

Desconhece-se a data e o lugar do seu nascimento, mesmo que se saiba que foi discípulo de Santo Ireneu de Lião. Seu grande conhecimento da filosofia e dos mistérios gregos, e sua própria psicologia, indicam que procedia do Oriente. Até o ano 212 era presbítero em Roma, onde Orígenes, durante sua viagem à capital do Império, o ouviu pronunciar um sermão.

Por ocasião do problema da readmissão na Igreja daqueles que tinham apostatado durante alguma perseguição, estourou um grave conflito que o colocou em oposição ao Papa Calisto, já que Hipólito se mostrava rigorista nesta matéria, embora não negasse que a Igreja possuía o poder de perdoar os pecados. Tão forte se tornou a questão, que se separou da Igreja e, eleito bispo de Roma por um pequenino círculo de partidários, tornou-se o primeiro Antipapa da História. O cisma se prolongou até depois da morte de Calisto, durante os pontificados de seus sucessores Urbano e Ponciano. Terminou em 235, pela perseguição de Maximino, que desterrou o Papa legítimo (Ponciano) e a Hipólito às minas da Sardenha, onde se reconciliaram. Ali os dois renunciaram ao pontificado para facilitar a pacificação da comunidade romana, que desta forma pôde eleger um novo Papa e dar por encerrado o cisma. Tanto Ponciano quanto Hipólito morreram no ano 235.

Um testemunho de singular importância temos também graças à “Tradição Apostólica”, a qual é uma das mais antigas e importantes constituições eclesiásticas da Antiguidade (foi escrita por volta do ano 215). Nela encontramos instruções específicas acerca da administração do batismo, onde consta a prática de batizar crianças e como em razão da fé dos pais poderiam ser batizadas:

- “Ao cantar o galo, se começará a rezar sobre a água, seja a água que flui da fonte, seja a que flui do alto. Assim se fará, salvo em caso de necessidade. Portanto, se houver uma necessidade permanente e urgente, se empregará a água que se encontrar. Se desnudarão e se batizarão primeiro as crianças. Todas as que puderem falar por si mesmas, que falem; quanto às que não puderem, falem por elas os seus pais ou alguém da sua família. Se batizarão em seguida os homens e, finalmente, as mulheres [...] O bispo ao impor-lhes as mãos, pronunciará a invocação: 'Senhor Deus, que os fizeste dignos de obter a remissão dos pecados através do banho da regeneração, fazei-os dignos de receber o Espírito Santo e envia sobre eles a tua graça, para que te sirvam obedecendo a tua vontade. A Ti a glória, Pai, Filho e Espírito Santo, na Santa Igreja, agora e pelos séculos. Amém” (Tradição Apostólica 20,21).[7]

D. SÃO CIPRIANO DE CARTAGO

Bispo de Cartago, nascido por volta do ano 200, provavelmente em Cartago, de família rica e culta. Dedicou-se em sua juventude à retórica. O desgosto que sentia diante da imoralidade dos ambientes pagãos em contraste com a pureza de costumes dos cristãos o induziu a abraçar o Cristianismo por volta do ano 246. Pouco depois, em 248, foi eleito bispo. Ao tornar-se mais forte a perseguição de Décio, em 250, julgou melhor retirar-se para outro lugar, a fim de continuar se ocupando com o seu rebanho.

Tem-se evidência de que durante sua vida houve quem pretendesse atrasar o batismo das crianças para o oitavo dia após o seu nascimento, à semelhança da circuncisão, tornando necessário a Cipriano, em seu nome e de mais 66 bispos, enviar uma carta a Fido testemunhando a fé da Igreja de que não se deve retardar o batismo das crianças e que estas poderiam ser batizadas desde logo. A carta integral encontra-se disponível na Internet, no volume 5 de “Ante Nicene Fathers”, de Schaff (protestante) e ainda na “New Advent Encyclopedia”[8].

Entre alguns pontos interessantes, temos:

- “Porém, no tocante às crianças, as quais dizes que não devem ser batizadas no segundo ou terceiro dia após seu nascimento, e que a antiga lei da circuncisão deve ser considerada, de modo que pensas que quem acaba de nascer não deva ser batizado e santificado dentro dos oito [primeiros] dias, todos nós pensamos de maneira bem diferente em nosso Concílio. Neste caminho que pensavas seguir, ninguém concorda; ao contrário, julgamos que a misericórdia e a graça de Deus não deve ser negada a ninguém nascido do homem pois, como diz o Senhor no seu Evangelho, 'o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-la'. À medida que podemos, devemos procurar que, sendo possível, nenhuma alma seja perdida [...] Por outro lado, a fé nas Escrituras divinas nos declara que todos, sejam crianças ou adultos, têm a mesma igualdade nos divinos dons [...] razão pela qual cremos que ninguém deve ser impedido de obter a graça da lei, pela lei em que foi ordenado, e que a circuncisão espiritual não deva ser obstaculizada pela circuncisão carnal, mas que todos os homens devem ser absolutamente admitidos à graça de Cristo, já que também Pedro, nos Atos dos Apóstolos, fala e diz: 'O Senhor me disse que eu não deveria chamar a ninguém de ordinário ou imundo'. Entretanto, se nada poderia obstaculizar a obtenção da graça pelos homens ao mais atroz dos pecados, não se pode colocar obstáculos aos que são maiores. Porém, se se crê que até aos piores pecadores e aos que pecaram contra Deus lhes é concedida a remissão dos pecados, não sendo nenhum deles impedido do batismo e da graça, quanto mais não deveríamos obstaculizar um bebê que, sendo recém-nascido, não pecou ainda [pessoalmente], mas por ter nascido da carne de Adão, contraiu o contágio da morte antiga em seu nascimento [...] Logo, querido irmão, esta foi a nossa opinião no Concílio: que, por nós, ninguém deve ser impedido de receber o batismo e a graça de Deus, que é misericordioso, amável e carinhoso para com todos; e que, visto que é observado e mantido em relação a todos, parece-nos que seja ainda mais no caso dos lactantes [...]” (Carta 58, a Fido, sobre o Batismo das Crianças).[9]

É importante observar aqui que o que Fido e talvez outros presbíteros pretendiam fazer não era negar o batismo às crianças – tal como faz hoje uma grande parcela do Protestantismo – mas tão somente retardá-lo para logo depois do oitavo dia do nascimento.

E. GREGÓRIO DE NANZIANZO

Arcebispo de Constantinopla e doutor da Igreja, nascido em Nanzianzo, na Capadócia, no ano 329 e falecido em 389. Célebre por sua eloquência e sua luta contra o Arianismo, juntamente com outros Padres como São Basílio e São Gregório de Nissa. É reconhecido como um dos quatro grandes doutores da Igreja Grega.

Escreveu um belo sermão sobre o batismo onde testemunha a fé da Igreja Primitiva no sentido de que, se para o adulto é necessária a fé para se receber o sacramento, não é assim para a criança (que o recebe em razão da fé dos pais). Com efeito, não há desculpa alguma para se retardar o batismo, nem sequer no caso das crianças:

- “Façamo-nos batizar para vencer. Tomemos nossa parte nessas águas mais purificadoras que o hissopo; mais puras que o sangue das vítimas impostas pela Lei; mais sagradas que as cinzas do bezerro, cuja aspersão podia ser suficiente para dar às faltas comuns uma provisória purificação corporal, mas não uma total remissão do pecado. Teria sido necessário, sem isso, renovar a purificação daqueles que já a tinham recebido uma vez? Façamo-nos batizar hoje, para não estarmos obrigados a fazê-lo amanhã. Não retardemos o benefício como se nos surgisse algum problema. Não esperemos ter pecado mais para, mediante ele (=o batismo), sermos perdoados em maior medida; isso seria fazer uma indigna especulação comercial acerca de Cristo. Tomar uma carga superior a que podemos carregar é correr o risco de perder, em um naufrágio, o navio, o corpo e os bens, os seja, todo o fruto da graça que não se soube aproveitar [...] Inclusive as crianças: não deixeis tempo para a malícia apoderar-se delas; santificai-as enquanto são inocentes; consagrai-as ao Espírito enquanto ainda não lhe saíram os dentes. Que pusilanimidade e que falta de fé daquelas mães que temem o caráter batismal pela fragilidade da sua natureza! Antes de o ter trazido ao mundo, Ana dedicou Samuel a Deus e, imediatamente após o seu nascimento, o consagrou; a partir de então, o carregava vestido com um hábito sacerdotal sem temor algum dos homens, em razão da sua confiança em Deus. Não há necessidade, então, de amuletos ou encantamentos, meios de que se serve o maligno para insinuar-se nos espíritos pequenos em demasia e transformar em seu benefício o temor religioso em prejuízo a Deus. Opõe a ele a Trindade, imensa e formosa talismã” (Sermão 40,11.17, sobre o Santo Batismo).[10]

Como opinião pessoal, recomenda que, se não estiverem em perigo do morte, aguarde-se os três anos de idade para que possam recitar superficialmente os mistérios da fé, assinalando que a razão não é requisito para o recebimento do sacramento:

- “Tudo isto é dito para aqueles que pedem o batismo por si mesmos; mas o que podemos dizer das crianças, ainda de pouca idade, que são incapazes de perceber o perigo em que se encontram e a graça do sacramento? Certamente, no caso de perigo imediato, é melhor batizá-las sem o seu consentimento do que deixá-las morrer sem ter recebido o selo da iniciação. Somos obrigados a dizer o mesmo acerca da prática da circuncisão, que era realizada no oitavo dia prefigurando o batismo, também realizada nos meninos desprovidos de razão. Da mesma forma, realizava-se a unção dos umbrais da porta que, embora se tratasse de coisas inanimadas, protegia os primogênitos. E quanto às demais crianças? Eis aqui a minha opinião: esperai que alcancem a idade de três anos, de modo que sejam capazes de compreender e expressar superficialmente os mistérios; apesar da imperfeição da sua inteligência, recebem o sinal, e o seu corpo e a sua alma se encontram santificados pelo grande sacramento da iniciação. Elas renderão conta dos seus atos no momento preciso em que, com plena posse da razão, chegarem ao pleno conhecimento do Mistério, já que não serão responsáveis das faltas que, pela ignorância da idade, tiverem cometido. Ademais, de todos os modos, lhes resulta vantajoso possuir a muralha do batismo para se proteger dos perigosos ataques que caem sobre nós e ultrapassam as nossas forças [...] Porém, alguém dirá: 'Cristo, que é Deus, se fez batizar aos trinta anos e tu nos empurras desde logo o batismo'. Afirmar assim a sua divindade é o que responde a essa objeção. Ele – a própria pureza – não precisava de purificação, mas se fez purificar por vós, assim como por vós se fez carne, uma vez que Deus não tem corpo. Além disso, Ele não corria nenhum perigo por retardar o seu batismo, pois podia livremente regular o seu sofrimento assim como regulou o seu nascimento. Para vós, ao contrário, não seria pequeno o perigo no caso de deixardes este mundo sem terdes recebido, no vosso nascimento, nada além que uma vida perecível, sem estardes revestidos da incorruptibilidade” (Sermão 40,26-27).[11]

F. SÃO JOÃO CRISÓSTOMO

Patriarca de Constantinopla e doutor da Igreja, nascido em Antioquia, na Síria, em 347, é considerado um dos quatro grandes Padres da Igreja Oriental. Na Igreja Ortodoxa grega é reconhecido como um dos maiores teólogos e um dos três Pilares da Igreja, juntamente com São Basílio e São Gregório:

- “Deus seja louvado! Ele, que produz tais maravilhas! Vês quão múltipla é a graça do batismo? Alguns enxergam nele apenas a remissão dos pecados, mas nós podemos delinear dez dons de honra. Por isso batizamos também as crianças de pouca idade, quando ainda não começaram a pecar, para que recebam a santidade, a justiça, a filiação, a herança, a fraternidade de Cristo, para que se convertam em membros e morada do Espírito Santo” (Sermão aos Neófitos).[12]

G. SÃO BASÍLIO MAGNO

Preeminente bispo da Cesaréia e doutor da Igreja, nascido no ano 330 e falecido em 379. É reconhecido como um dos quatro grandes Padres da Igreja Oriental, juntamente com Santo Atanásio, São Gregório de Nanzianzo e São João Crisóstomo:

- “Há um tempo conveniente para cada coisa: um tempo para o sono e outro para a vigília; um tempo para a guerra e um tempo para a paz. No entanto, o tempo do batimo absorve toda a vida do homem. Se não é possível ao corpo viver sem respirar, muito menos será para a alma sobreviver sem conhecer o seu Criador. A ignorância de Deus é a morte da alma. Aquele que não foi batizado tampouco foi iluminado. Assim como sem a luz a vista não pode perceber aquilo que lhe interessa, do mesmo modo, a alma não pode contemplar a Deus. Ademais, todo tempo é favorável para conseguir a salvação por intermédio do batismo, trate-se de noite ou de dia, de uma hora ou de espaço menor de tempo, por mais breve que seja. Seguramente, a data que se aproxima é, em maior medida, a mais apropriada. Que época poderia ser, de fato, mais adequada para o batismo que o dia da Páscoa? Pois esse dia comemora a ressurreição e o batismo é uma fonte de energia para obter a ressurreição. Por essa razão, a Igreja convoca, há muito tempo, seus filhos de peito, em uma sublime proclamação, a fim de que aqueles a quem ela deu à luz na dor, colocando-os no mundo depois de tê-los alimentado com o leite do ensino da catequese, se nutram do alimento sólido dos seus dogmas” (Protríptico do Santo Batismo 1).[13]

O PELAGIANISMO: 
PRIMEIRA HERESIA A REJEITAR O BATISMO DAS CRIANÇAS

Porém, foi só no século V quando apareceu a primeira heresia a negar a necessidade do batismo, inclusive o batismo das crianças. Seu autor foi Pelágio, um monge influenciado por doutrinas pagãs, especialmente do Estoicismo. Minimizava a eficácia da graça e considerava que a vontade, por seu livre arbítrio, podia por si só obter a santidade. Para os pelagianos, não existia qualquer pecado original; imaginavam que se Adão não foi criado imortal, poderia morrer ainda que não tivesse pecado, de modo que as crianças se encontram no mesmo estado de Adão antes da sua queda, não contraindo qualquer pecado original. E negando o pecado original, consequentemente enxergavam o batismo das crianças como desnecessário.

Logo após tornar-se monge, Pelágio viajou para Roma antes do ano 400. Depois de Roma ser conquistada e saqueada pelos Godos, partiu para Cartago e, a seguir, para Jerusalém, acompanhado de Celéstio, outro partidário do Pelagianismo que o ajuda de maneira eficiente a propagar suas doutrinas.

Dezoito bispos, inclusive Juliano de Eclana, aderiram ao Pelagianismo, mas Santo Agostinho combateu tenazmente a heresia. Os bispos pelagianos foram privados das suas sedes e condenados pelos Concílios africanos de Cartago e Milevis (nos anos 411, 412 e 416), os quais sentenciaram:

- “Igualmente dispôs que aqueles que negam que os recém-nascidos do seio de suas mães não devem ser batizados ou efetivamente dizem que são batizados para a remissão dos pecados, mas que nada trazem do pecado original de Adão para ser expiado pelo banho da regeneração – de onde, por consequência, se concluiria que neles a fórmula do batismo 'para a remissão dos pecados' deve ser compreendida como inverídica ou falsa, sejam anátemas. Isto porque disse o Apóstolo: 'Por um só homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte; e assim passou a todos os homens, porque nele todos pecaram' [cf. Romanos 5,12], o que não deve ser compreendido de maneira diferente daquilo que sempre compreendeu a Igreja Católica espalhada pelo mundo. Logo, por esta regra de fé, mesmo as crianças pequeninas, que ainda não puderam cometer pecados por si mesmas, são verdadeiramente batizadas para a remissão dos pecados, a fim de que, pela regeneração, se limpe nelas aquilo que contraíram pela geração” (Concílio de Milevis II, ano 416; Concílio de Cartago, ano 418 - Concílios aprovados pelos Papas Santo Inocêncio I e São Zózimo; Do Pecado e da Graça, cânon 2).[14]

Contudo, os pelagianos se negaram a submeter-se aos Concílios. Os Concílios, então, escreveram ao Papa para que aprovasse as decisões destes Concílios Regionais, o que de fato ocorreu através do Papa Inocêncio I. Santo Agostinho, de posse da sentença da Sé Apostólica (=Roma), deu o caso por encerrado, mas logo após a morte do Papa Inocêncio, Celéstio proferiu diante do Papa Zózimo umas confissão de fé que esteve perto de confundi-lo, mas este tornou a confirmar as sentenças do seu predecessor. Mais tarde, no ano 431, o Concílio de Éfeso voltou a condenar o Pelagianismo que tentava agora se propagar pela Inglaterra.

SANTO AGOSTINHO

Bispo de Hipona e doutor da Igreja, é reconhecido como um dos quatro doutores mais primorosos da Igreja Latina. Nasceu em 354 e foi bispo de Hipona por 34 anos. Combateu duramente todas as heresias da época e faleceu no ano 430. Os textos contrários ao Pelagianismo são abundantes, razão pela qual, por uma questão de espaço, citarei apenas alguns, nos quais aprofunda a questão da necessidade de se batizar as crianças para purificá-las do pecado original:

- “O batismo dos filhos de pais cristãos: apesar do matrimônio justo e legítimo destes filhos de Deus, não nascem filhos de Deus, em razão desta concupiscência. Isto porque os que geram, embora já tenham sido regenerados [pelo batismo], não geram como filhos de Deus, mas como filhos do mundo. Com efeito, esta é a sentença do Senhor: 'Os filhos deste mundo geram e são gerados'. Por sermos filhos deste mundo, nosso homem interior se corrompe; por isso, são gerados também filhos deste mundo e não serão filhos de Deus se não forem regenerados. Entretanto, por sermos filhos de Deus, nosso homem interior se renova a cada dia; e também o homem exterior, pelo banho da regeneração, é santificado e recebe a esperança da incorrupção futura, sendo por isso chamado com toda a razão 'templo de Deus'” (Do Matrimônio e da Concupiscência 1,18,20).[15]

- “Todo aquele que nega que as crianças, ao serem batizadas, são arrancadas deste poder das trevas, do qual o Diabo é o príncipe, ou seja, do poder do Diabo e de seus anjos, é refutado pela verdade dos próprios sacramentos da Igreja. Nenhuma novidade herética pode alterar ou destruir qualquer coisa na Igreja de Cristo, já que a Cabeça dirige e auxilia todo o seu Corpo, tanto aos pequenos (=crianças) quanto aos grandes (=adultos)” (Do Matrimônio e da Concupiscência 1,20,22).[16]

- “Com efeito, desde que foi instituída a circuncisão no povo de Deus – que então era o sinal da justificação pela fé – esta teve valor por significar a purificação do antigo pecado original também para as crianças, da mesma forma como o batismo começou a ter valor também para a renovação do homem desde o momento em que foi instituído. Não que antes da circuncisão não houvesse justiça alguma pela fé – pois o próprio Abraão, pai das nações que seguiriam a sua mesma fé, foi justificado pela fé, mesmo sendo todavia incircunciso – mas porque o sacramento da justificação pela fé esteve totalmente escondido nos tempos mais antigos. Porém, a mesma fé no Mediador salvava os antigos justos, pequenos e grandes” (Do Matrimônio e da Concupiscência 2,11,24).[17]

A REFORMA PROTESTANTE E O MOVIMENTO ANABATISTA

Seria apenas séculos depois, não mais pelos pelagianos mas por um movimento totalmente diferente, surgido em Zurique em torno da Reforma Protestante promovida pelo reformador Ulrico Zwínglio, que se levantaria oposição ao batismo das crianças. Os partidários deste movimento foram chamados “anabatistas” (ou “batistas”).

O nascimento deste movimento remonta ao ano 1523, quando a Reforma chegou a Zurique. Não passou muito tempo para que começasse a ocorrer divisões dentro do Protestantismo. De Zwínglio se separaram vários grupos protestantes que anteriormente colaboravam na formação de uma comunidade independente da tutela da autoridade civil. Entre estes estavam Conrado Grebel (1498-1526) e Feliz Mantz (1500-1527), que passaram a desenvolver a idéia de que apenas os que críam retamente e levavam conduta pia eram membros da Igreja; assim, segundo suas opiniões, o batismo das crianças não podia nem sequer ser considerado batismo, sendo portanto inválido. Os anabatistas passaram então a se rebatizar, rejeitando a validade do seu primeiro batismo e alegando que apenas aqueles que podiam expressar conscientemente a fé em Cristo podiam ser batizados.

No ano 1524, Grebel rejeitou que seu novo filho fosse batizado e ocasionou um conflito com o Conselho de Zurique; em janeiro de 1525, o Conselho dispôs que fosse expulso da cidade quem, no prazo de oito dias, não batizasse seus filhos. Grebel e Mantz também foram proibidos de pregar[18], mas como o Protestantismo já tinha rejeitado a autoridade da Igreja [Católica], tendo em vista a livre interpretação da Bíblia, o novo movimento também não tinha motivos para se submeter às novas autoridades protestantes. A “caixa de Pandora” estava aberta e a partir de então não havia mais como o Protestantismo guardar uma unidade doutrinária.

É neste contexto que surgiram as inquisições protestantes. Mas apesar de se servirem da tortura e, em 7 de março de 1526, ter sido decretada pena de morte para todos aqueles que realizassem um segundo batismo, não foi possível conter os anabatistas (o mesmo passaria a ocorrer, aliás, com cada nova denominação protestante). Começaram assim as execuções de anabatistas, entre elas as de Félix Mantz (por afogamento), Jorge Blaurock e Miguel Sattler (ambos queimados vivos). As vítimas continuaram, mas o Anabatismo se propagou inclusive para a Alemanha, terra de Lutero, e os Países Baixos, onde a palavra de Calvino era a lei.

Proibidos tanto nas regiões católicas quanto nas protestantes, apareceram diferentes grupos anabatistas (menonitas, huterianos), alguns pacíficos, outros nem tanto. Um dos líderes destes grupos anabatistas violentos foi Tomás Müntzer, que logo depois de ser seguidor de Lutero acabou se tornando seu férreo inimigo. Liderou grupos de camponeses que, embora fizessem reclamações justas e buscassem o apoio de Lutero, acabaram partindo para a violência quando este último ofereceu-lhes a espada. É neste momento que Lutero escreve a obra “Contra as Hordas de Bandidos e Assassinos Camponeses” (WA 18,357-361), em que exorta os príncipes a realizar uma matança de camponeses, em público ou em privado, culminando tudo em um grotesco massacre.

Com o passar do tempo, a tendência anabatista foi penetrando nas diversas denominações protestantes, ecoando suas tendências referentes ao batismo inclusive em denominações não- anabatistas (pentecostais, metodistas), embora rejeitadas por outras (calvinistas, luteranos, reformados). A divisão chegou a tal ponto que hoje conheço comunidades eclesiais luteranas que rejeitam o batismo de crianças (embora continuem sendo exceção e não regra).

Entre algumas confissões protestantes rejeitando as doutrinas anabatistas, podemos mencionar:

- “O Batismo: ensinamos que o Batismo é necessário para a salvação e que pelo Batismo nos é dada a graça divina. Ensinamos também que se devem batizar as crianças e que por este Batismo são oferecidas a Deus e recebem a graça de Deus. É por isso que condenamos os Anabatistas que rejeitam o Batismo das crianças” (Confissão de Augsburgo, artigo 9; ano 1530 – Igrejas Luteranas).

- “Não apenas devem ser batizados aqueles que professam a fé em Cristo e obediência a Ele, como também as crianças, filhas de um ou de ambos os pais crentes” (Confissão de Westminster 28,4 – Igrejas Reformadas).

- “Pergunta: Deve-se também batizar as crianças?

- Resposta: Naturalmente, pois, como os adultos, encontram-se compreendidas na Aliança e pertencem à Igreja de Deus[a]. Tanto a estas quanto aos adultos se lhes promete, pelo sangue de Cristo, a remissão dos pecados[b] e o Espírito Santo, operário da fé[c]; por isso, e como sinal desta Aliança, [ambos] devem ser incorporados à Igreja de Deus e diferenciados dos filhos dos infiéis[d], assim como se fazia na Aliança do Antigo Testamento pela circuncisão[e], cujo substituto na Nova Aliança é o Batismo[f]. Notas: [a] Gênesis 17,7; [b] Mateus 19,14; [c] Lucas 1,15; Salmo 22,10; Isaías 44,1-3; Atos 2,39; [d] Atos 10,47; [e] Gênesis 17,14; [f] Colossenses 2,11-13” (Catecismo de Heidelberg, pergunta 74 – Igrejas Reformadas).

- “Opomo-nos aos anabatistas, os quais não aceitam o batismo infantil dos filhos dos crentes. Porém, conforme o Evangelho, 'o reino de Deus é dos pequeninos' e estes encontram-se incluídos na Aliança de Deus. Portanto, por que não devem receber o sinal da Aliança de Deus? Por que não devem ser consagrados pelo santo batismo, considerando que já pertencem à Igreja e são propriedade de Deus e da Igreja? Igualmente negamos as demais doutrinas dos anabatistas, que contêm pequenas considerações próprias e contrárias à Palavra de Deus. Em suma: não somos anabatistas e com eles nada temos em comum” (Confissão Helvética – antiga confissão protestante de 1566).

- “Por esta razão, cremos que quem deseja entrar na vida eterna deve ser batizado uma [só] vez com o único Batismo, sem repetí-lo jamais, já que tampouco podemos nascer duas vezes. Mas este Batismo é útil não apenas enquanto a água está sobre nós, mas também todo o tempo de nossa vida. Portanto, reprovamos o erro dos anabatistas, que não se conformam com o único batismo que receberam e que, além disso, condenam o batismo das crianças [filhas] de crentes, as quais cremos que se deve batizar e selar com o sinal da Aliança, como as crianças em Israel eram circuncidadas nas mesmas promessas que foram feitas aos nossos filhos. E, certamente, Cristo não derramou menos o seu sangue para lavar as crianças dos fiéis como o fez pelos adultos; [por seu sangue] devem receber o sinal e o sacramento daquilo que Cristo fez por elas, da mesma forma como o Senhor, na Lei, ordenou que participassem do sacramento do padecimento e morte de Cristo pouco depois de terem nascido, sacrificando por elas um cordeiro, o qual era um sinal de Jesus Cristo. Por outro lado, o Batismo significa para nossos filhos o mesmo que a circuncisão significava para o povo judeu, o que fez São Paulo chamar o Batismo de 'a circuncisão de Cristo'” (Confissão Belga de 1619, artigo 34 – a Confissão Reformada dos Países Baixos e de várias igrejas reformadas atuais).

Os anglicanos também rejeitaram o anabatismo:

- “Do Batismo – O batismo não é apenas um sinal da profissão e uma nota de distinção pela qual se identificam os cristãos e os não-batizados, mas também é um sinal da regeneração ou renascimento, pelo qual, como por instrumento, os que recebem retamente o batismo são inseridos na Igreja; as promessas da remissão dos pecados e a de nossa adoção como filhos de Deus por meio do Espírito Santo são visivelmente assinaladas e seladas; a fé é confirmada; e a graça, em razão da oração a Deus, é ampliada. O Batismo das crianças, sendo conforme com a instituição de Cristo, deve ser inteiramente conservado na Igreja” (Os 39 Artigos da Religião, capítulo 27 – confissão doutrinária histórica da Igreja Anglicana).

João Calvino, em sua obra “Instituição da Religião Cristã” dedica uma seção para refutar o anabatismo. Pode ser vista aqui:

QUAL O PENSAMENTO DE CALVINO SOBRE O BATISMO DE CRIANÇAS? PODE OU NÃO PODE?
Fonte: "Institutas da Religião Cristã", volume IV, capítulo 16


O BATISMO INFANTIL SE HARMONIZA MUITO BEM
COM A INSTITUIÇÃO DE CRISTO E A NATUREZA DO SINAL

1. OPOSIÇÃO AO BATISMO INFANTIL COMO SENDO ANTIBÍBLICO. NECESSIDADE DE EXAMINAR-SE A MATÉRIA DE FORMA PROFUNDA

Mas, uma vez que certos espíritos frenéticos excitaram graves perturbações na Igreja em nosso tempo por causa do pedobatismo, mesmo agora não deixam de produzir tumultos, nada posso fazer senão adicionar aqui um apêndice com o fim de coibir-lhes as fúrias, o qual, se porventura parecer a alguém demasiadamente prolixo, peço que o mesmo pondere que, em matéria da máxima importância, tanto em relação à paz quanto à pureza da doutrina, que nada haja de fastidiosamente excetuar-se que conduza à produção de ambas. Acrescento que diligenciarei de tal modo por esta discussão, que a comporei para explicar mais claramente o mistério do batismo, quanto está em mim poder fazê-lo.

Investem contra o pedobatismo com um argumento que aparenta plausibilidade absoluta, categorizando que em nenhuma instituição de Deus existe tal fundamentado, antes, que foi introduzido meramente pela ousadia e depravada curiosidade dos homens, e então temerariamente recebido em uso por estulta condescendência. Ora, a menos que um sacramento se apóie no seguro fundamento da Palavra de Deus, ele fica pendente por um fio.

Mas, o que dizer se a matéria for cuidadosamente considerada, e se tornar manifesto que se faz falsa e iníqua calúnia à santa ordenança do Senhor? Antes de tudo investiguemos sua origem. Porque, se isso foi invenção humana, confesso ser preciso abandoná-lo e seguir a verdadeira regra que o Senhor ordenou; pois os sacramentos estariam pendentes por um fio caso não se fundamentam na pura Palavra de Deus. Mas se, pelo contrário, ficar comprovado que de modo algum foi destituído de sua segura autoridade, guardemo-nos em não desconsiderar as sacras instituições de Deus, e assim nos acharmos insultando seu Autor.

2. A REAL NATUREZA E SENTIDO DO BATISMO POSTOS NÃO NA CERIMÔNIA EXTERIOR, MAS NA PROMESSA REPRESENTADA; DAÍ SIGNIFICAR A PURIFICAÇÃO DOS PECADOS, A MORTIFICAÇÃO DA CARNE, A UNIÃO COM CRISTO, O TESTEMUNHO DE NOSSA FÉ DIANTE DOS HOMENS

Primeiramente, é dogma bastante conhecido e entre todos os piedosos confessado que a correta consideração dos sinais está posta não só nas cerimônias externas, mas sobretudo depende da promessa e dos mistérios espirituais em cuja figura o Senhor ordena as próprias cerimônias. Assim sendo, aquele que quiser aprender bem o valor do batismo, qual seu propósito, enfim, o que significa de modo geral, que não ponha sua atenção no elemento e na expressão material; antes, que a fixe nas promessas de Deus que aí nos são oferecidas, e nos mistérios interiores que aí se representam. Aquele que apreende essas coisas alcançou a sólida verdade do batismo e, por assim dizer, toda sua substância; e daí será também ensinado qual seja o sentido e qual o uso da aspersão externa. Por outro lado, aquele que descarta essas coisas com desprezo, mantendo sua mente totalmente fixa e jungida à cerimônia visível, não entenderá nem a eficácia, nem o caráter do batismo, aliás, nem mesmo o que significa a água ou qual o uso dela. Esta maneira de ver foi comprovada por testemunhos da Escritura muitíssimos numerosos e muitíssimos luminosos para que seja necessário persegui-la agora por mais tempo.

Resta, pois, agora buscarmos nas promessas dadas no batismo qual seja sua eficácia e natureza. A Escritura informa, em primeiro lugar, que aqui se mostra a purificação dos pecados, a qual obtemos pelo sangue de Cristo; então a mortificação da carne, que consta da participação de sua morte, pela qual os fiéis são regenerados para novidade de vida; e mais ainda, para a comunhão de Cristo. A esta síntese pode-se incluir tudo quanto foi ensinado nas Escrituras acerca do batismo, exceto que ele é também, além disso, um símbolo que atesta a religião diante dos homens.

3. ASPECTOS EM QUE SE CONFIGURA A CORRELAÇÃO DO BATISMO COM A CIRCUNCISÃO

Mas, uma vez que antes que o batismo fosse instituído o povo de Deus tinha em seu lugar a circuncisão, examinemos em que estes sinais diferem entre si e quais são suas semelhanças, do quê se faz patente qual é a analogia entre si. Quando o Senhor manda Abraão observar a circuncisão, ele prefacia que será o Deus dele e de sua semente, acrescentando que nele estavam a afluência e a suficiência de todas as coisas, para que Abraão tivesse consciência de que sua mão haveria de ser-lhe a fonte de todo bem [Gn 17.1-10]; palavras nas quais se contém a promessa da vida eterna, como as interpreta Cristo, daí formulando argumento para se comprovar a imortalidade e ressurreição dos fiéis. Ora, Cristo diz: “Ele não é Deus de mortos, mas de vivos” [Mt 22.32; Mc 12.27; Lc 20.38]. Por isso também Paulo, demonstrando aos efésios de que gênero de condenação o Senhor os libertara, daqui se conclui que não tinham a circuncisão; que não haviam sido admitidos ao pacto da circuncisão; conclui que estiveram sem Deus, sem esperança; que eram estranhos aos testamentos da promessa [Ef 2.12], todas as coisas que o próprio pacto compreendia. Mas que o primeiro acesso a Deus, o primeiro ingresso à vida imortal é a remissão dos pecados. Do quê se conclui que esta promessa da circuncisão corresponde à promessa do batismo quanto à nossa purificação.

Depois o Senhor ordena a Abraão que andasse diante dele em sinceridade e inocência de coração [Gn 17.1], o que diz respeito à mortificação, ou regeneração. E para que ninguém nutre dúvida de que a circuncisão seja o sinal de mortificação, Moisés o expõe mais claramente em outro lugar [Dt 10.15, 16], quando exorta o povo de Israel a circuncidar ao Senhor o prepúcio do coração, uma vez que ele fora escolhido dentre todas as nações da terra para que fosse o povo de Deus. Visto que Deus, quando adota para si a posteridade de Abraão para seu povo, preceitua que ela fosse circuncidada, assim Moisés pronuncia ser necessário que seu coração fosse circuncidado, explicando assim qual é o verdadeiro sentido desta circuncisão carnal [Dt 30.6]. Então, para que ninguém porfiasse de suas próprias forças, Moisés ensina que essa é obra da graça de Deus. Todas estas coisas são tantas vezes inculcadas pelos profetas que não é necessário aqui acumular muitos testemunhos, os quais são por toda parte profusos.

Portanto, temos na circuncisão uma promessa espiritual outorgada aos patriarcas, como se dá em nosso batismo, uma vez que ela significa a remissão dos pecados e a mortificação da carne. Além disso, como já ensinamos ser Cristo, em quem reside uma e outra destas duas coisas, o fundamento do batismo, assim se faz evidente que ele o é também da circuncisão. Pois ele próprio é prometido a Abraão e nele a bênção de todas as nações [Gn 12.2, 3]. O sinal da circuncisão é adicionado para selar-se esta graça.

4. BATISMO E CIRCUNCISÃO COINCIDEM NO QUE DIZ RESPEITO À PROMESSA BÁSICA. À COISA REPRESENTADA (REGENERAÇÃO) E AO FUNDAMENTO EM QUE SE ASSENTAM, DIFERINDO SÓ NO RITO EXTERNO

Já se pode ver, sem nenhuma dificuldade, nestes dois sinais, o batismo e a circuncisão, o que é semelhante ou o que é diverso. A promessa em que afirmamos consistir a virtude dos sinais é uma e a mesma em ambos, isto é, a promessa do favor paterno de Deus, da remissão dos pecados, da vida eterna. Então, a coisa figurada é também uma e a mesma, a saber, a regeneração. O fundamento em que se apóia o cumprimento destas coisas é um e o mesmo em ambos: Cristo. Por isso, não existe nenhuma diferença no mistério interior, no que consiste toda a força e propriedade dos sacramentos. A diferença que resta, essa consiste na cerimônia externa, que é porção mínima, quando a parte mais importante depende da promessa e da coisa significada.

Desse modo é lícito concluir que tudo quanto convém à circuncisão, excetuada a diferença da cerimônia visível, pertence igualmente ao batismo. A regra do Apóstolo nos conduz pela mão a esta dedução e comparação, mercê da qual se deve medir e pesar toda a interpretação da Escritura segundo a analogia da fé [Rm 12.3,6]. E neste aspecto, seguramente, a verdade nos é oferecida quase que tangivelmente. Ora, exatamente como a circuncisão, visto que era para os judeus uma como que senha pela qual se se assegurava ainda mais que foram adotados por povo e família de Deus, e também eles próprios, por sua vez, professavam alistar-se com Deus, era-lhes o ingresso inicial na lgreja, agora também, mediante o batismo, somos iniciados em relação a Deus para sermos contados em seu povo e nós, pessoal e reciprocamente, juremos a seu nome. Portanto, parece fora de dúvida que o batismo foi introduzido no lugar da circuncisão e tem em vista as mesmas funções.

5. O BATISMO, COMO OUTRORA A CIRCUNCISÃO, SENDO SELO DA ALIANÇA DE DEUS COM SEU POVO, DEVE SER ADMINISTRADO ÀS CRIANÇAS

E se agora alguém pergunta se o batismo deve ser comunicado às crianças, como se lhes pertencesse por disposição divina, quem será tão desatinado e louco que, para resolvê-lo, se detenha a considerar somente a água visível e não tenha presente o mistério espiritual? Pois se o temos presente, não caberá dúvida alguma de que o batismo, com toda razão, deve ser administrado às crianças. O Senhor antigamente não lhes outorgou a circuncisão sem fazê-los participantes de todas as coisas significadas pela circuncisão. De outra sorte, ele teria imposto a seu povo meras imposturas, se os embalasse com símbolos falazes, coisa que só de ouvir causa horror. De fato ele declara expressamente que a circuncisão de uma criancinha será como que um selo para autenticar-se a promessa do pacto. Porque, se o pacto permanece firme e fixo, aos filhos dos cristãos ele vale não menos hoje que sob o Antigo Testamento valia às crianças dos judeus. Com efeito, se são participantes da coisa significada, por que serão privados do sinal? Se tomam posse da verdade, por que serão alijados da representação?

Entretanto, o sinal exterior permanece de tal modo associado à palavra no sacramento, que não se pode separar dela; no entanto, se é distinguido, qual dos dois, pergunto, consideraremos de mais importância? Obviamente, quando vemos o sinal sendo subserviente à palavra, diremos que lhe é subordinado e o relegaremos a lugar inferior. Portanto, uma vez que a palavra do batismo seja destinada às crianças, por que lhes haverá de ser proibido o sinal, isto é, o apêndice da palavra? Esta única razão, se nenhuma outra ocorresse, seria sobejamente suficiente para refutar todos os que nutrem uma opinião contrária. A objeção de que havia um dia determinado para a circuncisão é claramente evasiva. Admitimos que já não estamos, à semelhança dos judeus, obrigados a determinados dias. Quando, porém, o Senhor, ainda que não prescreva nenhum dia, no entanto declara ser-lhe do agrado que as crianças sejam recebidas solenemente em sua aliança, que mais buscaremos?

6. O BATISMO É, NA PRESENTE DISPENSAÇÃO, O SINAL DO PACTO COM ABRAÃO, COMO A CIRCUNCISÃO O FOI NA ANTIGA DISPENSAÇÃO

A Escritura, contudo, nos leva a um conhecimento ainda mais seguro da verdade, porque de fato é bem evidente que o pacto que o Senhor uma vez firmou com Abraão [Gn 17.9-14] vigora não menos para os cristãos hoje do que outrota para o povo judeu; e além disso esta palavra visa não menos aos cristãos do que aos judeus visava outrora. Salvo se, talvez, julgarmos que Cristo, com sua vinda, tenha diminuído ou tenha truncado a graça do Pai, o que não está isento de execrável blasfêmia. Por isso, os filhos dos judeus, sendo também feitos herdeiros desse pacto, uma vez que se distinguiam dos filhos dos ímpios, eram chamados semente santa [Es 9.2; Is 6.13]; pela mesma razão, ainda agora, os filhos dos cristãos são considerados santos, ainda que nascidos só de um genitor fiel; e, segundo o testemunho do Apóstolo [1Co 1.14], eles diferem da semente imunda dos idólatras. Ora, quando o Senhor, imediatamente após ser firmado o pacto com Abraão, preceituou que nas crianças fosse assinalado um sacramento exterior [Gn 17.12], que justificativa, pois, podem os cristãos alegar para não atestarem e selarem hoje também em seus filhos? Tampouco alguém me conteste dizendo que nenhum outro sacramento foi instituído para testificar este pacto senão a circuncisão, o qual há muito já foi abolido. Ora, não é difícil responder que durante o tempo do Antigo Testamento ele instituiu a circuncisão para que seu pacto fosse confirmado; mas uma vez que esta é anulada, no entanto permanece sempre a mesma razão de confirmá-lo, o que temos em comum com os judeus.

Conseqüentemente, convém considerar sempre com diligência o que é comum a ambos, e o que aqueles são diferentes de nós. O pacto é comum; comum é a razão de confirmá-lo. Só o modo de confirmar é diverso, porque àqueles era a circuncisão, a qual foi substituída pelo batismo. De outra sorte, a vinda de Cristo haveria sido a causa de que a misericórdia de Deus não se manifestasse tanto a nós quanto aos judeus, se o testemunho que eles tinham para com seus filhos não foi suprimido de nós. Se isto não se pode dizer sem extrema ofensa a Cristo, através de quem foi derramada sobre as terras e declarada aos homens que a infinita bondade do Pai é mais luminosa e mais benignamente do que nunca, necessário se faz confessar que essa graça divina não deve permanecer oculta mais do que estava sob a lei, nem deve ser para nós menos certa do que o era para eles.

7. O ATO DE CRISTO ABENÇOAR AS CRIANCINHAS OFERECE PRESSUPOSTO LÓGICO E NATURAL EM FAVOR DO BATISMO INFANTIL

E por isso o Senhor Jesus, no afã de dar um exemplo pelo qual o mundo entenda que ele veio mais para dilatar do que para limitar a misericórdia do Pai, ele abraça ternamente as criancinhas que lhe eram trazidas, repreendendo os discípulos que tentavam impedi-las de acesso, quando de si, por meio de quem unicamente se patenteia a entrada no céu, estariam afastando aquelas de quem seria o reino dos céus [Mt 19.13-15; Mc 10.13-16; Lc 18.15-17]. Que semelhança, pois, alguém diria haver entre o batismo e este amplexo de Cristo? Pois não lemos que ele as tenha batizado; antes, que ele as recebeu, que as abraçou e as abençoou. Portanto, se queremos seguir o exemplo do Senhor, será melhor orar pelas crianças, mas não batizá-las, porquanto ele não o fez.

Nós, porém, examinemos mais detidamente os atos de Cristo antes que a tal gênero de homens. Pois não se deve passar adiante inconsideradamente o fato de Cristo ordenar que lhe fossem apresentadas as crianças com a razão anexa de que “dos tais é o reino dos céus” [Mt 19.14]. E a seguir atesta sua vontade com um ato, quando as abraça e as recomenda ao Pai com sua oração e bênção. Se é próprio levar as crianças a Cristo, por que também não sejam recebidas ao batismo, símbolo de nossa própria comunhão e associação com Cristo? Se delas é o reino dos céus, por que lhes neguemos o sinal por meio do qual é como se lhes fosse aberto o acesso à Igreja, de sorte que, nela adotadas, sejam arroladas por herdeiras do reino celeste? Quão iníquos seríamos se enxortássemos aquelas a quem Cristo convida a si; se espoliássemos aquelas a quem ele adorna com seus dons; se discriminássemos aquelas a quem ele próprio recebe graciosamente? Ora, pois, se insistirmos em discutir a diferença entre o ato de nosso Senhor e o batismo, em quanto mais elevado apreço teremos de ter o batismo, por meio do qual se nos atesta que as crianças estão incluídas no pacto divino, que a ação de recebê-las, o abraço, a imposição de mãos, a oração, com o quê o próprio Cristo presente declara não só que as crianças são suas, mas também que elas são por ele santificidas?

Por meio de outras cavilações, com as quais porfiam por baldar esta passagem, nada mais fazem senão pôr à mostra sua ignorância; pois tergiversam que, quando Cristo diz: “Deixai vir a mim os pequeninos”, estes eram bem crescidos, pois eram aptos a ir sozinhos. Mas são chamados pelos evangelistas bre,fh kai. paidi,a/ [br$ph@ kaì paidí& – nenês e criancinhas: Mt 19.14; Mc 10.13; Lc 18.15], termos com os quais os gregos significam criancinhas de peito. Vir, pois, foi expresso simplesmente como ter acesso.212 Eis como os que se endurecem contra a verdade buscam em cada palavra ocasião de tergiversar os fatos! Mais ainda, em nada é mais sólida a objeção de que o reino dos céus não foi designado às crianças, mas àqueles que se assemelham a elas; visto que a expressão “das tais”, não “delas propriamente ditas”. Pois, se isto for admitido, qual seria a razão de nosso Salvador querer mostrar que elas não lhe são estranhas em razão de sua idade? Quando Cristo manda que se permita que as crianças lhe tenham acesso, nada é mais claro do que estar se referindo à infância real, o que adiciona para que não parecesse absurdo: “Das tais é o reino dos céus.” Ora, se é necessário que as crianças sejam abrangidas, se vê claramente que pela expressão das tais são designadas as próprias crianças e os que se assemelham a elas.

8. O BATISMO INFANTIL É NÃO SÓ APROVADO PELA ESCRITURA, MAS TAMBÉM PRATICADO NA IGREJA PRIMITIVA DESDE OS DIAS DOS APÓSTOLOS

Portanto, é evidente que o batismo infantil não foi inventado temerariamente pelos homens, porquanto é confirmado de modo irrefutável pela Escritura. Tampouco tem valor algum a objeção que alguns apresentam de que em parte alguma se acha sequer uma criança sendo batizada pelas mãos dos apóstolos. Pois embora isto não seja expressamente narrado pelos evangelistas, todavia, visto que elas não são, por outro lado, excluídas sempre se faz menção de alguma família batizada, quem, a não ser que seja demente, daí não concluiria que tais crianças foram de fato batizadas?

Caso argumentos desse gênero tivessem alguma força, as mulheres deveriam igualmente ser vedadas da Ceia do Senhor, das quais não lemos que fossem admitidas no tempo dos apóstolos. Mas também aqui nos contentamos com a regra da fé, pois quando ponderamos qual seja o propósito da instituição da Ceia, disso também é fácil concluir que o uso deve ser-lhe comunicado, o que também observamos no batismo. Com efeito, quando atentamos para o propósito de sua instituição, vemos claramente que o batismo também compete às crianças, não menos que aos mais avançados em idade. Conseqüentemente, as crianças não podem ser privadas dele sem que se faça manifesta perfídia ao desígnio de Deus, seu Autor. A afirmação que se divulga entre o povo comum, de que uma longa série de anos passou depois da ressurreição de Cristo, durante a qual o pedobatismo era desconhecido, é uma despudorada falsidade, visto que não há escritor, por mais antigo que seja, que não trace sua origem aos dias dos apóstolos.

9. BENEFÍCIOS ADVINDOS DO BATISMO INFANTIL, NÃO SÓ ÀS CRIANÇAS, MAS TAMBÉM AOS PRÓPRIOS CRENTES

Resta indicarmos sucintamente que fruto provenha desta observância, tanto aos fiéis que apresentam seus filhos à Igreja para serem batizados, quanto às próprias crianças que são batizadas com a água sagrada, para que alguém não a despreze como inútil e supérflua. Todavia, se a alguém vem à mente fazer, com este pretexto, pouco caso do batismo infantil, tem em motejo o preceito da circuncisão imposto pelo Senhor. Pois que trarão a lume para impugná-lo que não se volte contra si próprio? De tal forma o Senhor castiga a arrogância daqueles que sem detença condenam o que não compreendem com o senso de sua carne. Deus, porém, nos equipa com outras armas com as quais repreendamos sua estupidez. Ora, sua santa instituição, da qual sentimos que nossa fé deriva admirável conforto, não merece ser chamada supérflua, porque o sinal de Deus, comunicado à criança como um selo impresso, confirma a promessa dada ao pai piedoso e declara ter sido ratificado que o Senhor há de ser por Deus não só a ele, mas também à sua semente; nem quer que sua bondade e graça sejam acompanhadas não só por ele, mas ainda por sua posteridade até a milésima geração [Ex 20.6; Dt 5.19]. No qual primeiramente brilha a bondade de Deus para glorificar e enaltecer seu nome; e, segundo, para consolar ao homem fiel e dar-lhe maior ânimo para entregar-se totalmente a Deus, ao ver que não só se preocupa com ele, mas também com seus filhos e sua posteridade.

Tampouco faço caso se alguém objetar que a promessa bastará para assegurar a salvação de nossos filhos, quando diferentemente pareceu a Deus que, como tem bem presente nossa fraqueza, tanto quis ser-lhe indulgente nesta matéria. Logo, aqueles que abraçam a promessa de que a misericórdia de Deus se propagará a seus filhos, devem apresentá-los para que sejam marcados pelo símbolo da misericórdia; e com isso sua fé seja consolada e corroborada, ao ver com seus próprios olhos a aliança do Senhor selada no corpo de seus filhos.

Por outro lado, as crianças recebem algum tipo de benefício de seu próprio batismo, porquanto, enxertadas no corpo da Igreja, são tidas em maior estima pelos outros membros. Então, quando crescem, são por isso não pouco estimuladas ao sério zelo de cultuar a Deus, por quem foram recebidas por filhos pelo solene símbolo da adoção, antes que o pudessem reconhecer como Pai pela idade. Finalmente, deve aterrar-nos sobremaneira aquela sentença de que Deus haverá de ser vingador, caso alguém negligencie marcar o filho com o símbolo do pacto; porquanto, menosprezado este, a graça oferecida é rejeitada e como que retratada.

10. REFUTAÇÃO DO PRIMEIRO DA SÉRIE DE ARGUMENTOS QUE OS ANABATISTAS EVOCAM CONTRA O BATISMO INFANTIL, ISTO É, QUE CIRCUNCISÃO E BATISMO SÃO COISAS COMPLETAMENTE DISTINTAS

Abordemos agora os argumentos com que certas bestas furiosas não cessam de atacar a esta santa instituição de Deus. Para começar, visto que se sentem molestados e constringidos além da medida pela similaridade de batismo e circuncisão, porfiam por diferenciar com longa distinção estes dois sinais, de sorte que pareça não haver nada em comum entre um e outro. Ora, dizem que neles são não só representadas coisas diferentes, mas também um pacto absolutamente diverso, e que as pessoas inclusas sob o título crianças são distintas.

Com efeito, enquanto empreendem provar esse primeiro ponto, alegam que a circuncisão foi uma figura da mortificação, não do batismo; o que, certamente, de muito bom grado admito, pois nos respalda excelentemente. Nem fazemos uso de outra comprovação de nossa tese, senão que o batismo e a circuncisão são sinais de mortificação. Daqui concluímos que no lugar desta foi posto aquele, para que isso mesmo nos represente que aquela significava outrora os judeus.

Ao asseverarem a diferença do pacto, de quão bárbara audácia desmantelam e corrompem a Escritura, e isso não só em um lugar, mas de tal modo que nada deixam incólume ou intacto! Pois eles nos pintam os judeus de tal forma carnais, que se assemelham mais a animais do que a seres humanos, com os quais, evidentemente, firmou um pacto que não vai além da vida temporária; aos quais as promessas dadas se acomodam aos bens presentes e materiais, doutrina que, se prevalecer, que mais resta senão que o povo judaico foi por um tempo saciado pela benevolência de Deus, exatamente como se ceva a uma vara de porcos numa pocilga, para que, afinal, perecesse em eterna ruína? Ora, tão logo lhes citamos a circuncisão e as promessas a ela anexadas, respondem que a circuncisão foi um sinal literal, e que suas promessas foram carnais.

11. REFUTAÇÃO DO SEGUNDO DA SÉRIE DE ARGUMENTOS QUE OS ANABATISTAS EVOCAM CONTRA O BATISMO INFANTIL, ISTO É, QUE AO CONTRÁRIO DO BATISMO INFANTIL A CIRCUNCISÃO FOI MERAMENTE LITERAL E CARNAL, NÃO ESPIRITUAL

Obviamente, se a circuncisão era um sinal literal, nada menos se deve dizer quanto ao batismo, porque o Apóstolo, no segundo capítulo da Epístola aos Colossenses, nada mais espiritual faz a um que ao outro, porquanto diz que nós fomos circuncidados em Cristo com uma circuncisão não feita por mão, despojando o corpo de pecado que habitava em nossa carne, à qual chama “a circuncisão de Cristo” [Cl 2.11]. Depois, à guisa de explicação dessa afirmação, acrescenta que fomos sepultados juntamente com Cristo mediante o batismo [Cl 2.12]. Que quer dizer com estas palavras, senão que o cumprimento e a veracidade do batismo são, ao mesmo tempo, a veracidade e o cumprimento da circuncisão, visto que representam uma única coisa? Ora, ele aqui está porfiando por demonstrar que o batismo é para os cristãos aquilo que a circuncisão fora para os judeus. No entanto, uma vez que já expusemos além de toda dúvida que as promessas de ambos esses sinais, e os mistérios que são por eles representados, estão de pleno acordo entre si, não nos demoraremos por mais tempo neste assunto. Apenas advertirei os fiéis a que, ao calar-me, reflitam consigo mesmos se porventura se haja de ter por terreno e literal um sinal ao qual nada subjaz senão o espiritual e celeste. Contudo, para que suas fumaças não obscureçam aos símplices, uma só objeção, com a qual acobertam esta mentira tão impudente, diluiremos de passagem.

É mais do que certo que as promessas primárias, nas quais se continha o pacto que Deus estabeleceu com os israelitas sob o Antigo Testamento, foram espirituais e visavam à vida eterna; então, por sua vez, foram pelos pais recebidas espiritualmente, como era próprio, para que daí concebessem a confiança da vida futura, à qual aspirassem com todas as veras da alma. Entrementes, porém, de modo algum negamos que ele lhes haja atestado sua benevolência mercê de benefícios terrenos e carnais, com os quais também dizemos que foi confirmada aquela esperança das promessas espirituais, como, quando prometeu eterna bem-aventurança a seu servo Abraão, para que diante dos olhos exibisse manifesta evidência de seu favor, adiciona outra promessa acerca da posse da terra de Canaã [Gn 15.1-18]. Nesta maneira convém se entendam todas e quaisquer promessas terrenas que foram dadas ao povo judaico, de sorte que a promessa espiritual, como a cabeça à qual haverão de referir-se, tenha sempre a primazia. E visto que discuti estas coisas mais amplamente na parte referente à distinção de Novo e Velho Testamentos, agora as abordo mais brevemente.

12. REFUTAÇÃO DO TERCEIRO DA SÉRIE DE ARGUMENTOS QUE OS ANABATISTAS EVOCAM CONTRA O BATISMO INFANTIL, ISTO É, QUE À LINHAGEM DE ABRAÃO, NO ANTIGO TESTAMENTO, FORAM OUTORGADAS PROMESSAS MATERIAIS, NÃO AS ESPIRITUAIS DA NOVA DISPENSAÇÃO

Na acepção do termo crianças extraem esta diferença: lemos que são filhos de Abrão, sob o Antigo Testamento, aqueles que trazem na carne a origem de sua semente; com este título são agora chamados os que lhe imitam a fé. Por isso, aquela infância carnal, que era inserida na sociedade do pacto mediante a circuncisão, prefigurou as crianças espirituais do Novo Testamento, que à vida imortal foram regeneradas pela Palavra de Deus. Por certo que nessas palavras divisamos exígua centelha de verdade; mas estes espíritos levianos pecam gravemente, porque, enquanto agarram o que vier primeiro à mão, onde se faz necessário que se avance além e se comparem muitas coisas entre si, insistem pertinazmente apenas numa palavra. Do quê de outro modo não pode acontecer sem que cedam freqüentemente ao erro, porque não se aplicam ao sólido conhecimento de coisa alguma.

Admitimos, com efeito, que a semente carnal de Abraão manteve por certo tempo o lugar da semente espiritual, que é nele enxertada mediante a fé; pois nos chamamos seus filhos, por mais que não nos medeie com ele nenhum parentesco natural [Rm 4.12; Gl 4.28]. Se, porém, entendem, o que demonstram não obscuramente, que à semente carnal de Abraão nunca foi prometida a bênção espiritual de Deus, aqui realmente se enganam muitíssimo. Conseqüentemente, é melhor que apontem para outra direção à qual somos conduzidos pela infalível direção da Escritura. Portanto, o Senhor promete a Abraão que ele haveria de ter semente, na qual fossem abençoados todos os povos da terra [Gn 12.3] e, ao mesmo tempo, lhe garante que lhe será por Deus, a ele e a sua semente [Gn 17.7]. Todos aqueles que em fé recebem a Cristo, o Autor da bênção, são herdeiros desta promessa, e por isso são chamados filhos de Abraão.

13. O REINO DE DEUS ABRANGE, IGUALMENTE, AOS JUDEUS NO PACTO ANTIGO, E AOS GENTIOS NA NOVA DISPENSAÇÃO: O SELO DAQUELE, SENDO A CIRCUNCISÃO; DESTA, O BATISMO, IDÊNTICOS EM FUNÇÃO E SENTIDO, DONDE SEREM TODOS FILHOS DE ABRAÃO

Mas ainda que, após a ressurreição de Cristo, as fronteiras do reino de Deus começassem a estender-se, ampla e dilatadamente, a toda e qualquer nação, sem qualquer distinção, para que, segundo a afirmação de Cristo, de toda e qualquer parte os fiéis fossem congregados, os quais se reclinassem com Abraão, Isaque e Jacó na glória celeste [Mt 8.11], contudo, por muitos séculos antes, ele havia com tão grande misericórdia abraçado aos judeus. E uma vez que todos os outros foram preteridos, escolhendo somente este povo, o manteve, por algum tempo e por sua graça, como sua possessão [Ex 19.5] e povo adquirido [Ex 15.16]. Para que benevolência desta natureza fosse atestada, foi dada a circuncisão, mercê de cujo símbolo os judeus fossem instruídos que Deus era Aquele que presidia sua salvação, de cujo conhecimento seu ânimo fosse alçado à esperança da vida eterna. Ora, que haverá de faltar àquele a quem Deus recebeu à fé de uma vez por todas? Por isso o Apóstolo, a fim de provar que os gentios, juntamente com os judeus, são filhos de Abraão, fala desta forma: “Abraão”, diz ele, “foi justificado pela fé, quando ainda era incircunciso. Mais tarde recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé, para que fosse pai de todos os fiéis, tanto da incircuncisão quanto da circuncisão; não só daqueles que se gloriam na circuncisão, mas dos que seguem a fé que nosso pai Abraão teve quando ainda incircunciso” [Rm 4.10-12].

Porventura não vemos que ambos se igualam em dignidade? Ora, pelo tempo constituído no decreto de Deus, Abraão foi o pai da circuncisão. Quando, segundo o Apóstolo escreve em outro lugar [Ef 2.14], o muro foi demolido pelo qual os gentios eram separados dos judeus, também a eles foi escancarado o ingresso no reino de Deus, Abraão veio a ser seu pai, e isso sem levar em conta o sinal da circuncisão, porque eles têm o batismo no lugar da circuncisão. Mas o fato de o Apóstolo negar expressamente ser Abraão o pai só daqueles que são da circuncisão, isso foi dito a fim de repelir-se a soberba de alguns que, deixado de parte o zelo pela piedade, cortejavam somente cerimônias. Da mesma forma também hoje se pode refutar a vaidade daqueles que buscam no batismo nada mais além da água.

14. TAMPOUCO É PROCEDENTE O ARGUMENTO CALCADO EM ROMANOS 9.7,8, DE QUE A FILIAÇÃO ABRAÂMICA É DESTITUÍDA DE RELEVÂNCIA, NÃO ASSISTINDO AO PACTO ANTIGO NENHUMA VALIDADE

Mas, evoca-se em contrário outra passagem do Apóstolo onde ele ensina que os verdadeiros filhos de Abraão não são aqueles que procedem da carne, mas somente são contados na descendência aqueles que são filhos da promessa [Rm 9.7, 8]. Com efeito, a passagem parece acenar que o parentesco carnal de Abraão é destituído de valor, ao qual atribuímos certa relevância. Mas cabe-nos atentarmos mais diligentemente ao que o Apóstolo aí trata. Ora, a fim de mostrar aos judeus que a bondade de Deus não continuaria ligada à semente de Abraão, aliás, que ela de si mesma nada confere, à guisa de prova deste fato cita a Ismael e Esaú [9.6-13], os quais são rejeitados exatamente como se fossem estranhos; ainda que, segundo a carne, constituíam legítima progênie de Abraão, a bênção reside em Isaque e Jacó. Do quê se segue aquilo que depois afirma: que a salvação depende da misericórdia de Deus; que ele a estende a quem bem lhe apraz; mas que não existe motivo para que os judeus se gloriem no nome do pacto, salvo se observarem a lei do pacto, isto é, se obedecerem à Palavra.

Ademais, quando os demoveu da vã confiança de sua linhagem, porque, por outro lado, percebia que o pacto que fora uma vez firmado com a posteridade de Abraão de modo algum poderia ser por Deus feito inútil, Paulo argúi, no capítulo onze da Epístola, dizendo que sua dignidade não deve despojar a consangüinidade carnal de Abraão, por cujo benefício ensina que os judeus são os primeiros e herdeiros natos do evangelho, a não ser até onde, por sua ingratidão, são rejeitados como indignos; contudo, de forma tal que a bênção celestial não se haja afastado de sua descendência. Razão por que, por mais contumazes e violadores de pacto sejam, não obstante os chama santos [Rm 11.16], tanto de honra concede à geração santa a que Deus dignara de sua santa aliança! A nós, porém, se somos com eles comparados, nos chama de filhos póstumos de Abraão, ou até mesmo abortivos, e isto por adoção, não por inerência; ao modo como se um ramo quebrado de seu tronco fosse enxertado em um renovo estranho [Rm 11.17]. Portanto, para que não fossem defraudados de sua prerrogativa, foi necessário que o evangelho lhes fosse anunciado em primeiro lugar, porque são como que os primogênitos na família de Deus. Por isso, foi necessário conceder-lhes esta honra até que rejeitassem o que era oferecido e, por sua ingratidão, fizeram com que ela fosse transferida aos gentios. Contudo, por maior que seja a contumácia com que persistam em mover guerra contra o evangelho, nem por isso devamos tê-los em desprezo, se considerarmos que, em função da graça da promessa, entre eles ainda agora reside a bênção de Deus, como de fato atesta o Apóstolo que ela daí jamais se apartará inteiramente, porquanto “os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” [Rm 11.29].

15. A PROMESSA DIVINA FEITA AO POVO DO ANTIGO TESTAMENTO, DE QUE A CIRCUNCISÃO É O SELO, NÃO MERAMENTE FIGURATIVA, MAS FACTUAL, PLENA E EFICAZ EM SUA APLICAÇÃO E EFEITO

Tal é o valor da promessa dada à posteridade de Abraão – tal é a balança na qual deve ser pesada.213 Por isso, ainda que, distinguindo-se os herdeiros do reino dos espúrios e estranhos, nenhuma dúvida temos de que somente a eleição domina de livre direito, no entanto percebemos, ao mesmo tempo, que lhe foi do agrado conceder sua misericórdia peculiarmente à semente de Abraão; e, para que a tivesse mais atestada, a sela com a circuncisão. Com efeito, a situação da Igreja Cristã é exatamente a mesma. Ora, assim como ali Paulo argúi que os judeus são santificados por seus pais, assim também em outro lugar [1Co 7.14] ensina que os filhos dos cristãos recebem dos pais a mesma santificação. Do quê se conclui com razão que são separados dos demais, os quais, ao contrário, são condenados por sua impureza [1Co 7.15].

Daí se pode facilmente julgar que é completamente falso o que esses pretendem concluir, a saber: as crianças que outrora eram circuncidadas apenas representavam a infância espiritual que emerge da regeneração da Palavra de Deus. Ora, o Apóstolo não filosofa com tanta sutileza, quando escreve ser Cristo ministro da circuncisão para o cumprimento das promessas que foram outorgadas aos pais [Rm 15.8], como se falasse desta maneira: Uma vez que o pacto firmado com Abraão visa à semente, Cristo, para que levasse a bom termo e saldasse o compromisso uma vez assumido pelo Pai, veio para a salvação do povo judeu. Porventura notas como, após a ressurreição de Cristo, ele também pensa que a semente carnal de Abraão deve cumprir a promessa do pacto, não apenas alegoricamente, mas segundo soam as palavras?

O que Pedro declara aos judeus tem o mesmo sentido: lhes anuncia que a promessa lhes pertencia, a eles e a seus descendentes [At 2.39]. E logo em seguida, no capítulo seguinte, os chama filhos do testamento, isto é, herdeiros [At 3.25]. E assim o confirma o Apóstolo, de acordo com o que já citamos, onde considera e declara a circuncisão impressa nas crianças como testemunho desta comunhão que elas têm. Disto não difere muito a outra passagem do Apóstolo supracitada [Ef 2.11-13], onde considera e declara a circuncisão impressa às crianças como testemunho desta comunhão que têm com Cristo. E deveras, se as coisas fossem como esses dizem, que se fará com aquela promessa mercê da qual o Senhor, no segundo mandamento de sua lei, com seus servos se compromete de ser propício à sua semente até a milésima geração? [Ex 20.6; Dt 5.10]. Aqui, porventura, nos refugiaremos em alegorias? Mas se recorrem à alegoria, a resposta não passa de evasiva. Porventura diremos que isso foi abolido? Assim, pois, a lei seria destruída, a qual, antes, foi confirmada por Cristo que veio [Mt 5.17], até onde nos resulta para o bem da vida. Permaneçamos, pois, firmes em que o Senhor é tão bom e munificente para com os seus, que não só os tem por seu povo, mas também a seus descendentes por causa deles.

16. REFUTAÇÃO DA QUARTA OBJEÇÃO (DIFERENÇA DE DATA DO RITO) E DA QUINTA (AS MULHERES NÃO DEVERIAM SER BATIZADAS), QUE OS ANABATISTAS SUSCITAM CONTRA O BATISMO INFANTIL, EM SUA CORRELAÇÃO COM A CIRCUNCISÃO

As diferenças que, depois disto, se empenham por introduzir entre o batismo e a circuncisão são não apenas ridículas, e vazias de toda aparência de razão, mas até mesmo conflitantes entre si. Ora, pois, quando afirmam que o batismo visa ao primeiro dia do embate espiritual; mas que a circuncisão visa ao oitavo, depois que a mortificação já estiver efetuada; imediatamente, esquecidos disso, invertem a cantilena e afirmam que a circuncisão de fato é figura da carne a ser mortificada; o batismo, porém, seu sepultamento, ao qual ninguém deve ser trazido, senão os que já são mortos. Certamente um louco não cairia em contradição tão flagrante. Ora, na primeira proposição, o batismo deveria preceder no tempo à circuncisão; e na segunda, o contrário, a saber, que deveria ser-lhe posterior. Contudo, não se deve estranhar tais contradições; pois o espírito do homem, quando se põe a inventar fábulas e imaginações semelhantes aos sonhos, necessariamente há de cair em tais desvarios.

Nós, portanto, dizemos que aquela primeira diferença por eles apontada é mero sonho. Caso queiram ao oitavo dia avllhgorei/n [all@gore'n – alegorizar], entretanto não convinha agir deste modo. Muito mais satisfatório foi, seguindo aos antigos, atribuir o número otonário à ressurreição operada no oitavo dia, do quê sabemos depender a novidade de vida, ou a todo o curso da presente vida,215 no qual deve sempre proceder a mortificação, até que, findado ele, também ela própria foi consumada. Ainda que pareça haver alguma razão para crer que o Senhor, ao prorrogar a circuncisão até o oitavo dia, tenha levado em conta a tenra idade dos meninos; porquanto a ferida da circuncisão seria mais perigosa aos recém-nascidos. Quanto mais vigoroso é isto: nós, já antes mortos, somos sepultados pelo batismo, quando a Escritura protesta eloqüentemente que somos sepultados para a morte com esta condição: que morremos, e a partir daí exercitamos esta mortificação? [Rm 6.4].

Finalmente, da mesma perícia é o que cavilam: se o batismo deve conformar-se à circuncisão, as meninas não devem ser batizadas. Ora, se porventura se tiver em mente que pelo sinal da circuncisão foi atestada a santificação da semente israelita, se verá sem sombra de dúvida que ela foi dada para que homens e mulheres fossem igualmente santificados. Mas somente os corpos dos homens recebiam o sinal, sendo neles também compreendido o sexo oposto que, não podendo receber a circuncisão em seu próprio corpo, participava, de certo modo, da circuncisão dos homens. Portanto, sendo tais absurdos afastados para bem longe, apeguemo-nos à similaridade de batismo e circuncisão, que vemos quadrar-se mui amplamente no que tange ao mistério interior, às promessas; ao uso, à eficácia.

17. REFUTAÇÃO DA SEXTA OBJEÇÃO (AS CRIANÇAS NÃO APREENDEM O MISTÉRIO DO RITO) E DA SÉTIMA (AS CRIANÇAS, JÁ QUE NÃO PODEM ARREPENDER-SE, NÃO PODEM SER REGENERADAS) QUE OS ANABATISTAS SUSCITAM CONTRA O BATISMO INFANTIL

Acreditam também que têm sobeja razão para que as crianças devam ser barradas do batismo, enquanto argúem que, em função da idade, não são ainda capazes de apreender o mistério aí representado, isto é, realmente a regeneração espiritual que não se pode ocorrer na primeira infância. E assim concluem que elas não devem ser tidas em outra posição senão a de filhos de Adão, até que hajam amadurecido a uma idade congruente com o segundo nascimento.

Mas tudo isso se opõe frontalmente à verdade de Deus. Pois se devem ser considerados filhos de Adão, então são abandonados à morte, em Adão, e por isso nada podemos fazer senão morrer [Rm 5.12-21]. Cristo, porém, em contrário, manda que elas sejam trazidas a si [Mt 19.14; Mc 10.14; Lc 18.16]. Por quê? Porque ele é a vida. Portanto, para que lhes dê vida, ele as faz participantes de sua pessoa; enquanto, entrementes, esses tais as condenam a que sejam afastadas para longe, trementes, permaneçam na morte. Porque, se tergiversam que as crianças não perecem por serem reputadas filhas de Adão, seu erro é mais do que suficientemente refutado pelo testemunho da Escritura. Ora, uma vez que a Escritura sentencia que em Adão todos morreram, segue-se não restar nenhuma esperança de vida, a não ser em Cristo [1Co 15.22]. Portanto, para que nos tornemos herdeiros da vida, é imprescindível que tenhamos participação nele.

Por outro lado, quando foi escrito em outro lugar que todos nós somos por natureza passíveis da ira de Deus [Ef 2.3], e concebidos em pecado [Sl 51.5], ao que se apega condenação perpétua, é necessário que nos despojemos de nossa natureza antes que tenhamos acesso ao reino de Deus. E é possível dizer algo mais claramente, que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus [1Co 15.50]? É necessário, pois, que tudo quanto haja em nós seja aniquilado, o que não se fará sem a regene- ração, e então veremos claramente esta posse do reino. Finalmente, se Cristo fala verazmente quando proclama ser a vida [Jo 11.25; 14.6], é imprescindível que sejamos enxertados nele para que também sejamos libertados da servidão da morte.

Mas, de que maneira, argumentam eles, as crianças são regeneradas, se não conhecem o mal e o bem? Respondemos, porém, que a obra de Deus, ainda que não esteja ao alcance de nossa apreensão, entretanto não deixa de existir. Com efeito, não é de forma alguma obscuro que as crainças são antes regeneradas pelo Senhor a fim de serem salvas, uma vez que, certamente, algumas estão plenamente salvas desde essa idade. Ora, se levam consigo a corrupção que lhe é inerente desde o ventre materno, importa que sejam purificadas da mesma antes que possam ser admitidas ao reino de Deus, no qual nada entra poluído ou manchado [Ap 21.27]. Se nascem pecadoras, como Davi [Sl 51.5] e Paulo [Ef 2.3], respectivamente, afirmam, ou permanecem rejeitadas e odiosas a Deus, ou necessariamente são justificadas. E o que buscamos além, quando o próprio Juiz afirma abertamente que ninguém tem ingresso à vida celeste senão os renascidos [Jo 3.3, 5]? E para fechar a boca a todos os amigos de contradizentes, João Batista ofereceu prova, a quem santificou no ventre da mãe [Lc 1.15], o que poderia fazer nos demais.

Nem proveito algum desfrutam com a tergiversação com que aqui gracejam: que isto se deu apenas uma vez, do quê não se segue, imediatamente, que o Senhor assim costuma agir indiscriminadamente com as crianças. Nós, porém, não estamos arrazoando dessa maneira. Nosso intento é apenas mostrar que o poder de Deus é por esses iníqua e perversamente limitado dentro dessas estreitas fronteiras nas quais ele não permite deixar-se confinar. O outro subterfúgio a que se acolhem não é mais sólido: alegam que, segundo o costume usual da Escritura, a expressão desde o ventre vale precisamente como se estivesse dizendo desde a infância. Mas é possível ver mui claramente que o anjo, quando anunciara isso a Zacarias, ele quis dizer outra coisa, isto é, que João Batista, mesmo antes de nascer já era cheio do Espírito Santo. Portanto, não tentemos impor lei a Deus, a ponto de não santificar aqueles a quem ele queira fazê-lo, como santificou a João, quando nada lhe foi subtraído de seu poder.

18. CRISTO FOI SANTIFICADO DESDE A MAIS TENRA IDADE PARA IGUALMENTE NOS SANTIFICAR, EM CUJA SANTIFICAÇÃO TAMBÉM SE INCLUEM AS CRIANÇAS

E foi por isso que Cristo se santificou desde a primeira infância, para que a seus eleitos, de qualquer idade e sem distinção, também os santificasse em si mesmo.

Ora, visto que, para destruir a culpa da desobediência que fora perpetrada em nossa carne, a si mesmo revestiu-se dessa mesma carne, na qual, por nossa causa e de sua parte, prestasse perfeita obediência, assim foi concebido do Espírito Santo para que, embebido plenamente de sua santidade na carne que assumira, no-la transmitisse. Se temos em Cristo o mais perfeito exemplo de todas as graças com que Deus cumula a seus filhos, também nesta parte, evidentemente, ele nos será por prova de que a idade da infância não é até esse ponto incompatível com a santificação. Entretanto, seja como for, tenhamos por certo que o Senhor não leva desta vida a nenhum de seus eleitos sem que primeiro seja santificado e regenerado por seu Espírito.

À objeção de que a Escritura não conhece nenhuma outra regeneração senão a que ocorre da semente incorruptível pela Palavra de Deus [1Pe 1.23], respondemos que entendem muito mal o que Pedro aí diz; pois ele se dirige unicamente aos fiéis que haviam sido instruídos pela pregação do evangelho. A esses afirmamos que a Palavra do Senhor certamente é a única semente da regeneração espiritual, porém negamos que se deva concluir desse fato que as crianças não possam ser regeneradas pelo poder de Deus, a qual lhe é tão fácil e pronta quanto a nós incompreensível e admirável. Ademais, seria um tanto inseguro subtrair ao Senhor que ele não pode revelar-se de modo algum para que o conheçam.

19. REFUTAÇÃO DA OITAVA OBJEÇÃO QUE OS ANABATISTAS SUSCITAM CONTRA O BATISMO INFANTIL: AS CRIANÇAS, QUE NÃO PODEM APREENDER A MENSAGEM DO EVANGELHO, NÃO TÊM A FÉ E O CONHECIMENTO REQUERIDOS PARA A REGENERAÇÃO

Mas, dizem eles, a fé vem do ouvir [Rm 10.17], cujo exercício as crianças ainda não adquiriram, nem podem estar em condições de conhecer a Deus aqueles a quem Moisés ensina que são destituídos do discernimento igualmente do bem e do mal [Dt 1.39]. Não atentam, porém, para o fato de que o Apóstolo, quando faz do ouvir o princípio da fé, ele está apenas descrevendo a economia e dispensação ordinárias de Deus, que costuma empregar em chamar seu povo, não, porém, a preceituar-lhe uma regra perpétua, de sorte que não possa usar de outro método, como de fato tem usado na vocação de muitos, aos quais dotou de verdadeiro conhecimento de sua pessoa, de modo interior, pela iluminação do Espírito, sem a intervenção de nenhuma pregação.

Mas, visto que acreditam ser um grande absurdo atribuir às crianças qualquer conhecimento de Deus, às quais Moisés priva de discernimento do bem e do mal, peço que me respondam que perigo há se agora lemos que recebem alguma parte de sua graça, da qual haverão de usufruir pouco depois em plena abundância? Ora, se a plenitude da vida consiste no perfeito conhecimento de Deus, quando alguns daqueles a quem a morte daqui arrebata logo na primeira infância se trasladam para a vida eterna, a contemplar a mui presente face de Deus certamente são recebidos. Portanto, se assim lhe foi do agrado, por que de diminuta centelha não irradiaria também, no presente, àqueles a quem o Senhor haverá de iluminar do pleno fulgor de sua luz, principalmente se não os desvestiu do desconhecimento antes de arrancá-los do habitáculo da carne? Não que eu queira temerariamente afirmar que são dotados da mesma fé que experimentamos em nós, ou que têm conhecimento de fé absolutamente semelhante ao nosso, o que prefiro deixar em suspenso; mas, ao contrário, coibir um pouco a estúpida arrogância dos que, como se sua boca fosse inchada, ou negam ou afirmam confiadamente o que bem entendem.

20. REFUTAÇÃO DA NONA OBJEÇÃO QUE OS ANABATISTAS SUSCITAVAM CONTRA O BATISMO INFANTIL: AS CRIANÇAS NÃO PODEM SENTIR O ARREPENDIMENTO E FÉ EM QUE SE ASSENTA A REGENERAÇÃO (ARGUMENTO QUE VALERIA CONTRA A CIRCUNCISÃO)

Mas, querendo insistir ainda mais vigorosamente nesta parte, acrescentam que o batismo é o sacramento do arrependimento e da fé; por isso, como nenhum dos dois ocorre na infância mais tenra, é preciso tomar cuidado para que, se a criança for admitida à comunhão do batismo, seu significado não se torne vão e ridículo. Mas o fato é que estes dardos são dirigidos contra Deus mais do que contra nós. Ora, pois, haver sido também a circuncisão sinal de arrependimento conhecidíssimo provém de muitos testemunhos da Escritura. Ao depois, é ela chamada por Paulo “selo da justiça da fé” [Rm 4.11]. Logo, que se exija razão do próprio Deus por que a tenha ordenado imprimir-se nos corpos das crianças. Pois, uma vez que no mesmo caso estão o batismo e a circuncisão, a esta nada podem outorgar que, ao mesmo tempo, ao outro não concedam. Se voltam os olhos ao costumeiro subterfúgio: que pela idade da infância foram então prefiguradas as crianças espirituais, então o caminho já lhes foi obstruído.

Dizemos, pois, que, uma vez que Deus conferiu às crianças a circuncisão como sacramento de arrependimento e fé, não parece absurdo se elas se fazem agora participantes do batismo; a não ser que queiram invistir-se, com prazer e abertamente, contra a instituição divina. Mas a verdade, sabedoria e justiça de Deus brilham em todas as suas obras para confundir a loucura, mentira e maldade. Ora, ainda que as crianças não compreendessem com inteligência, no momento em que eram circuncidadas, qual o significado daquele sinal, no entanto eram verdadeiramente circuncidadas para mortificação de sua natureza corrupta e contaminada, a qual, depois de adultas, exercitariam. Em suma, esta objeção pode ser solucionada sem qualquer dificuldade: as crianças são batizadas para futuro arrependimento e fé, os quais, embora ainda não formados nelas, no entanto, pela secreta operação do Espírito, a semente de um e de outra está nelas latente.

Com esta resposta, se reverte de uma vez tudo quanto torcem contra nós tirado do significado do batismo. Dessa natureza é o título com que o batismo é exaltado por Paulo, onde o chama “a lavagem da regeneração e da renovação” [Tt 3.5], do quê arrazoam que a ninguém é ele conferido, senão àquele que é apto para essas coisas. Mas, a nós cabe argüir em contrário que nem a circuncisão, que denotava a regeneração, deveria ter sido conferida a outros senão aos regenerados. E assim a ordenança divina seria por nós condenada. Conseqüentemente, todas as razões que adicionam contra a circuncisão em nada prejudica o batismo.

E não podem escapar-se dizendo que se deve considerar como fato o que o Senhor ordenou, e que se deve ter por firme, bom e santo sem investigar mais sobre isso; mas que esta reverência não se deve ao pedobatismo, nem a outras coisas semelhantes que não nos são recomendáveis pela expressa palavra de Deus, uma vez que estão sempre presos neste dilema: o preceito de Deus de circuncidar as crianças ou foi legítimo e não está sujeito a nenhuma cavilação, ou foi digno de censura. Se não existe nada de incongruente, nem de absurdo no preceito, tampouco há na observância do batismo infantil qualquer absurdo.

21. O BATISMO INFANTIL, EM SUA CORRELAÇÃO COM A CIRCUNCISÃO, AO CONTRÁRIO DO QUE SUSTENTAM OS ANABATISTAS, É FUTURISTA EM PERSPECTIVA, COMO SE EVIDENCIA À LUZ DE TEXTOS DE PAULO E DE PEDRO

E assim removemos o estigma de absurdo que tentam imprimir neste lugar: aqueles a quem o Senhor dignou de sua eleição, se receberem o sinal da regeneração e partirem da presente vida antes que cresçam, a esses ele renova pelo poder de seu Espírito, oculto e incompreensível a nós, como somente ele antevê ser conveniente. Se ocorrer que cresçam até a idade em que possam ser instruídos na verdade do batismo, disso mais se inflamarão ao zelo de renovação, de cujo penhor aprenderão que foram dotados já desde a primeira infância, para que a exercitassem em todo o decurso da vida.

A isso mesmo remonta o que Paulo ensina em duas passagens: que somos sepultados juntamente com Cristo mercê do batismo [Rm 6.4; Cl 2.12]. Ora, com isso ele não entende que importa já ter sido antes sepultado com Cristo aquele que haja de ser iniciado no batismo; ao contrário, está simplesmente declarando qual doutrina subjaz ao batismo, e isso aos já batizados, de modo que nem os ignorantes desta passagem poderão de fato discordar que o sepultamento precede ao batismo. É assim que Moisés e os profetas traziam à lembrança ao povo qual o significado da circuncisão, ainda que fossem circuncidados na pessoa de suas crianças. Outro tanto vale o que tambem escreve aos gálatas: que Cristo os revestira quando foram batizados [Gl 3.27]. Com que propósito? Indubitavelmente, a fim de que vivessem para Cristo para o futuro, já que não haviam vivido para ele anteriormente. E ainda que os mais avançados em idade não devam receber o sinal sem que compreendam o mistério, contudo o mesmo não se dá com os pequeninos, em cujo número exporemos mais adiante.

Na mesma direção está a passagem de Pedro na qual buscam para si grande apoio, quando ele diz que o batismo não é a ablução para a limpeza das imundícias do corpo, mas o testemunho de uma boa consciência diante de Deus, através da ressurreição de Cristo [1Pe 3.21]. Se a verdade do batismo, dizem eles, é o testemunho da consciência diante de Deus, quando nele isso não ocorre, que será senão uma coisa vã e destituída de importância? Com esta noção errônea, porém, pecam repetidamente, porquanto pretendem que a coisa significada preceda sempre, na ordem do tempo, ao sinal. Ora, a verdade da circuncisão também constava do mesmo testemunho de uma boa consciência. Porque, se ela devesse preceder necessariamente, as crianças nunca teriam sido circuncidadas por mandado de Deus. Mas quando o mesmo Senhor nos ensina que esta é a substância da circuncisão, e contudo ordena que as crianças sejam circuncidadas, nos demonstra claramente com isso que ela era conferida com vistas a tempo futuro. Por isso, a verdade presente que queremos considerar no batismo das crianças é que ele é o testemunho de sua salvação, que sela e confirma o pacto que Deus estabeleceu com elas. Os demais significados deste sacramento elas o compreenderão mais tarde, quando for do agrado do Senhor.

22. REFUTAÇÃO DA DÉCIMA OBJEÇÃO QUE OS ANABATISTAS SUSCITAVAM CONTRA O BATISMO INFANTIL: O BATISMO FOI DADO PARA O PERDÃO DOS PECADOS

Creio que hoje já não existe ninguém que não veja claramente que todos os arrazoados deste gênero são puras inversões da Escritura. Outras considerações afins a estas, que sobejam, as abordaremos de forma breve. Objetam que o batismo é dado para remissão dos pecados. Quando isso é concedido, nosso ponto de vista é fortemente corroborado. Pois uma vez que nascemos pecadores, temos a necessidade de remissão e perdão já desde o ventre materno. Ora, como o Senhor afirma que quer ser misericordioso para com esta idade, por que vamos privá-los do sinal da mesma, que é muito menos importante que a realidade que significa? Por isso, o que se empenham em arremessar contra nós, precisamente isso fazemos voltar contra eles mesmos: os pequeninos são agraciados com a remissão dos pecados; por isso não devem ser privados do sinal.

Alegam, ao mesmo tempo, o que consta da Epístola aos Efésios: que a Igreja foi purificada pelo Senhor com a lavagem da água pela palavra da vida [Ef 5.26], o que é uma prova contra eles; porque do que diz o Apóstolo deduzimos o seguinte argumento: se o Senhor quer que a purificação que ele opera em sua Igreja seja testificada e confirmada com o sinal do batismo, e as crianças pertencem à Igreja, uma vez que são contados no povo de Deus, e pertencem ao reino dos céus, segue-se que devem receber o testemunho de sua purificação como os demais membros da Igreja [Mt 19.14], porque Paulo abraça a Igreja toda como que purificada pela lavagem da água. O mesmo podemos concluir do que alegam que, pelo batismo, somos incorporados a Cristo [1Co 12.12, 13]. Pois se as crianças fazem parte do corpo de Cristo, como é evidente à luz do que já dissemos, segue-se ser razoável que sejam batizadas, para que não vivam separadas de seu corpo. Eis como com tanto ímpeto e com tantas máquinas de guerra fazem carga contra os baluartes de nossa fé!

23. REFUTAÇÃO DA DÉCIMA PRIMEIRA OBJEÇÃO QUE OS ANABATISTAS SUSCITAVAM CONTRA O BATISMO INFANTIL: QUE O BATISMO REQUER ARREPENDIMENTO E FÉ, SÓ POSSÍVEIS AOS ADULTOS

Agora recorrem à prática e costume da era apostólica, na qual não há nenhum registro de admissão ao batismo, a menos que se professasse antes sua fé e arrependimento. Pois quando Pedro é interrogado por aqueles que tinham a disposição de arrepender-se, o que era indispensável fazer-se, pondera que primeiro se arrependam; então, que sejam batizados para remissão dos pecados [At 2.37, 38]. De modo semelhante, Filipe, quando o eunuco solicitou ser batizado, responde ser isso possível, desde que cresse de todo coração [At 8.37]. Se esta razão é válida, se vê pelo primeiro texto evocado que só bastaria o arrependimento, pois não se faz menção alguma da fé; e, por sua vez, pelo segundo só bastaria a fé, pois não se exige o arrependimento. Ora, pois, se damos lugar a este raciocínio, a primeira passagem, onde não se ouve nenhuma menção de fé, convencerá ser suficiente só o arrependimento; a segunda, em que mui longe está de requerer-se o arrependimento. Imagino que replicarão: uma passagem corrobora a outra, e por isso devem ser mutuamente correlacionadas. Eu também, por minha vez, digo que se devem cotejar outras passagens que valem para a solução desta questão, visto que se têm na Escritura muitas passagens cuja interpretação depende da circunstância do lugar.

Exemplo desta natureza ocorre presentemente, pois aqueles a quem são ditas estas coisas por Pedro e Filipe estão em idade idônea para exercer-se o arrependimento e conceber-se a fé. Destes dizemos que não devem ser batizados sem que primeiramente dêem testemunho de sua fé e arrependimento, pelo menos até onde o juízo humano pode averiguar. Mas é perfeitamente claro que as crianças devem ser contadas numa outra classe. Pois quando alguém se unia à comunhão religiosa de Israel, impunha-se não só fosse informado quanto ao pacto do Senhor, mas também fosse instruído na lei, antes de ser marcado com a circuncisão, porquanto em nacionalidade era allofuloj [all(phyl(s], isto é, estrangeiro ao povo de Israel, com quem havia sido firmado o pacto que a circuncisão ratificava.

24. O BATISMO, À MANEIRA DA CIRCUNCISÃO EXEMPLIFICADA EM ABRAÃO E ISAQUE, É APLICÁVEL AO ADULTO APÓS A CONFISSÃO DE FÉ; À CRIANÇA, ANTES OU SEM ELA

Assim como tampouco o Senhor, quando adota para si a Abraão, começa dizendo que se circuncidasse sem saber por que teria que fazê-lo, porém lhe explica antes o pacto que pretende celebrar com ele, então a seguir, depois que ele creu na promessa, o faz participante do sacramento [Gn 15.1; 17.11]. Por que em Abraão o sacramento segue à fé, em seu filho Isaque ele vem antes de qualquer compreensão? Porque é justo que aquele que à comunhão do pacto fora até então estranho, por fim é recebido na idade adulta, antes disso aprenda bem suas condições; o filho dele gerado, porém, recebendo um procedimento diferenciado, o qual, por direito hereditário, segundo a fórmula da promessa, está inserido no pacto já desde o ventre materno.

Ou, para expressá-lo mais clara e sucintamente, como o filho do crente participa do pacto divino sem entendê-lo, não se deve negar-lhe o sinal, pois é capaz de recebê-lo sem necessidade de compreendê-lo. Esta é a razão pela qual Deus diz que os filhos dos israelitas são seus filhos, como se ele mesmo os gerasse [Ez 16.20; 23.37], pois sem dúvida alguma ele se considera Pai de todos aqueles a quem prometeu ser o Deus dos mesmos e de sua descendência. Em troca, o que nasce de pais infiéis não são contados no pacto até que, pela fé, se una com Deus. Portanto, não se deve estranhar que não compartilhe do sinal, cujo significado seria nele falaz e sem proveito! Nesta linha, Paulo também escreve que as pessoas, sempre que estiveram imersas em sua idolatria, estavam do lado de fora do testamento [Ef 2.12].

Parece-me que toda esta matéria ficará bem elucidada com esta síntese: Aqueles que abraçam a fé em Cristo em idade adulta, não devem ser aceitas para receber o batismo antes de ter fé e mostrar-se arrependidas, pois estes dois elementos são os únicos que podem abrir a porta para ingresso no pacto. As crianças, porém, se são filhas de cristãos, aos quais pertence o pacto por herança em virtude da promessa, por esta razão são aptas para a admissão ao batismo. A isso se deve inserir o que narra o evangelista: que os que confessavam seus pecados foram batizados por João [Mt 3.6], exemplo que julgamos deva ser observado também hoje. Ora, se um turco se apresenta para o batismo, o mesmo não deve ser batizado por nós inconsideradamente, senão por meio de confissão explicitamente proferida, através da qual satisfaça a Igreja.

25. REFUTAÇÃO DA DÉCIMA SEGUNDA OBJEÇÃO SUSCITADA PELOS ANABATISTAS CONTRA O BATISMO INFANTIL CALCADA EM JOÃO 3.5 (REGENERAÇÃO PELA ÁGUA E PELO ESPÍRITO)

Ademais, trazem a lume as palavras de Cristo mencionadas no terceiro capítulo de João, pelas quais julgam requerer-se no batismo regeneração acompanhante: “Aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” [Jo 3.5]. Dizem que o batismo é pela boca do Senhor chamado regeneração. Portanto, com que pretexto iniciamos pelo batismo, que sem a regeneração não pode subsistir, aqueles que é mais do que notório estarem longe de ser aptos para ela?

Primeiro, enganam-se pelo fato de que, por lerem a palavra água, pensam que nesta passagem se faz menção do batismo. Ora, depois que Cristo expôs a Nicodemos a corrupção de nossa natureza, e ensinou que se requer um novo nascimento, uma vez que ele sonhava com um novo nascimento corporal, aqui indica o modo pelo qual Deus nos regenera, isto é, pela água e pelo Espírito, como se estivesse dizendo: pelo Espírito que, purgando e irrigando as almas fiéis, desempenha a função da água. Tomo, pois, água e Espírito simplesmente como Espírito que é água. Tampouco é esta uma expressão nova, pois está inteiramente de acordo com aquela afirmação que se lê no terceiro capítulo de Mateus: “Aquele que vem após mim, ele é o que batiza no Espírito Santo e em fogo” [Mt 3.11]. Logo, como batizar pelo Espírito Santo e pelo fogo equivale a conferir o Espírito Santo, o qual na regeneração tem a propriedade e a natureza do fogo, assim ser nascido de novo pela água e pelo Espírito outra coisa não é senão receber aquela virtude do Espírito que faz na alma aquilo que a água faz no corpo.

Sei que outros interpretam este texto de modo diferente, mas não tenho dúvida de ser este o legítimo sentido, porque outro não é o desígnio de Cristo senão ensinar que todos os que aspiram ao reino celeste devem despir-se da própria natureza. Ainda que, caso queira cavilar sutilmente à maneira desses, pronto seria responder-lhes, quando tivermos concedido o que querem, que o batismo é anterior à fé e ao arrependimento, porque nas palavras de Cristo água precede a Espírito. O certo é entender isto em referência aos dons espirituais; e se estes seguem ao batismo, então terei alcançado o que tenho em mira. Mas, deixadas de parte as sutilezas, é preciso sustentar a interpretação singela que apresentei, a saber, ninguém pode entrar no reino de Deus até que seja renovado pela água viva, isto é, pelo Espírito.

26. AS CRIANÇAS QUE FALECEM SEM TER SIDO BATIZADAS, NEM POR ISSO INCORREM NA CONDENAÇÃO, COMO SE NÃO FOSSEM REGENERADAS

Com isso também se convence de erro aos que condenam à morte eterna todos quantos não são batizados. Suponhamos, pois, que, segundo o postulado desses, que somente aos adultos se deva ministrar o batismo: que dirão suceder à criança que é correta e adequadamente imbuída dos rudimentos da piedade, se, enquanto chega o dia do batismo, contra a expectativa de todos, se vê arrebatada por morte súbita? Clara é a promessa do Senhor: “quem ouve minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna; e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida” [Jo 5.24]. Em lugar algum se achará haver ele condenado o ainda não-batizado. Não gostaria que isso fosse entendido de minha parte como se eu concordasse que o batismo possa ser impunemente desprezado, desprezo que equivale violar o pacto do Senhor, o que para mim longe é de se tolerar. Só quero demonstrar que ele não é de tal maneira necessário que não seja justificável quem não o pôde receber, se tinha um impedimento legítimo.

Em contrapartida, segundo a opinião destes, todos eles sem exceção alguma seriam condenados, ainda que tivessem fé, com a qual possuímos Cristo. E além do mais pronunciam culpadas de morte eterna a todas as crianças, às quais negam o batismo, o qual, por sua própria confissão, é necessário para a salvação. Vejam agora quão maravilhosamente se harmonizam com as palavras de Cristo, mediante as quais destina o reino dos céus a essa idade [Mt 19.14; Mc 10.14; Lc 18.16]. E ainda que nada haja que não lhes concedamos quanto respeita ao entendimento desta passagem, no entanto nada daí conseguirão, a não ser que, antes, subvertam o dogma que já foi por nós estabelecido acerca da regeneração das crianças.

27. REFUTAÇÃO DA DÉCIMA TERCEIRA OBJEÇÃO CONTRA O BATISMO INFANTIL: QUE, À LUZ DE MATEUS 28.19, O ENSINO PRECEDE AO BATISMO; E MARCOS 16.16, O CRER

Mas, gloriam-se de possuir, de todos os baluartes o mais fortificado, na própria instituição do batismo, o qual encontram no último capítulo de Mateus, onde, enviando Cristo os apóstolos ao mundo inteiro, lhes ordena que antes de tudo os ensinassem, e então que os batizassem [Mt 28.19]. Então, também anexam isto do último capítulo de Marcos: “Quem crer e for batizado será salvo” [Mc 16.16]. Dizem eles: Que buscamos mais, quando as palavras do Senhor proclamam claramente que se deve ensinar antes de batizar, e ao batismo destinam o segundo lugar depois da fé? Desta ordem, o Senhor Jesus ofereceu exemplo em si mesmo, o qual quis ser batizado não antes da idade de trinta anos [Lc 3.22].

De quantas maneiras aqui se enredilham e traem sua ignorância! Nisto erram mais que infantilmente quando derivam desta passagem a primeira instituição do batismo, quando Cristo ordenara aos apóstolos que o ministrassem desde o começo de sua pregação. Não há, pois, por que contender que se busque nestas duas passagens a lei e regra do batismo, como se elas contivessem sua primeira instituição. Ainda que lhes condescendamos a este erro, sua argumentação é de fato vigorosa? Com efeito, se me dispusesse a tergiversar, teria não só uma válvula de escape, mas um campo vastíssimo. Pois quando insistem tão obstinadamente na ordem das palavras, pretendendo que foi dito: “Ide, pregai e batizai”, e também: “Quem crer e for batizado”, raciocinam que se deve pregar antes que se deva batizar, e que é preciso crer antes que se busque o batismo, por que também não objetemos, de nossa parte, que se deve batizar antes que se ensine a observância dessas coisas que Cristo mandou, isto é, quando diz: “Batizai, ensinando a guardar tudo quanto vos preceituei” [Mt 28.19, 20]? Assinalamos exatamente isso naquela afirmação de Cristo que foi citada há pouco a respeito da regeneração da água e do Espírito [Jo 3.5]; porque, se de fato for entendido como postulam, ali certamente é preciso que o batismo venha antes que a regeneração espiritual, uma vez que é mencionado em primeiro lugar, pois Cristo aí ensina que devemos ser regenerados não do “Espírito e da água”, mas da “água e do Espírito”.

28. IMPROCEDÊNCIA DE SE EVOCAR MARCOS 16.16 CONTRA O BATISMO INFANTIL, PASSAGEM QUE NÃO TRATA DESSA MATÉRIA, NÃO HAVENDO NELA NENHUMA REFERÊNCIA ÀS CRIANÇAS

Assim, pois, o argumento ao qual dão tanta importância acaba sendo bem frágil. Mas como temos suficiente proteção na simplicidade da verdasde, não estou disposto a evadir-me fazendo uso de ligeiras sutilezas desse gênero. Portanto, que tenham uma sólida resposta. Acima de tudo, aqui Cristo emite a ordem quanto à proclamação do evangelho, à qual anexa, à guisa de apêndice, o ministério de batizar. Ademais, não se tem consideração de outra sorte acerca do batismo, senão até onde sua ministração seja subserviente à função de ensinar. Pois Cristo envia os apóstolos a proclamarem o evangelho a todas as nações do mundo, para que, pelo ensino da salvação, de toda parte se recolham homens a seu reino, outrora perdidos. Mas, quem, ou quais, são esses? Certamente não se faz nenhuma outra menção senão daqueles que são aptos a receber o ensino. Acrescenta, depois, que esses, quando forem instruídos, devem ser batizados, acrescentada a promessa de que aqueles que crerem e forem batizados serão salvos [Mc 16.16].

A respeito de crianças, em todo esse discurso, porventura há uma só sílaba? Que forma de argumentação será, pois, esta com que investem contra nós? Aqueles que estão em idade adulta devem ser instruídos para que creiam antes que possam ser batizados. Logo, não é lícito fazer comum às crianças o batismo. Por mais que se atormentem não poderão deduzir desta passagem senão que se deve pregar o evangelho a quem é capaz de ouvi-lo, antes que possa ser batizado, posto que se trata unicamente deles. Portanto, não se pode ver em tais palavras impedimento algum para que as crianças não sejam batizadas!

29. REFUTAÇÃO DA DÉCIMA QUARTA OBJEÇÃO CONTRA O BATISMO INFANTIL: JESUS SÓ FOI BATIZADO AOS TRINTA ANOS

Mas para que o mundo inteiro possa ver claramente suas falácias, as indicarei mediante comparação sobremodo clara. Quando o Apóstolo diz “Se alguém não trabalha, também não coma” [2Ts 3.10], alguém concluiria que as crianças devam ser privadas de alimentos, já que não podem trabalhar? Porventura tal pessoa não seria digna de ser cuspida por todos? Por quê? Porque o que se disse de uma parte, isso o aplica em geral a todos indiferentemente. A habilidade destes em nada é mais vantajosa no presente caso. Aquilo que cada um vê destinar-se meramente à idade adulta, aplicam às crianças, sujeitando-as a uma regra que foi estabelecida só para os mais idosos.

Quanto ao exemplo de Cristo, nada prova em favor deles, ou, seja, que ele não foi batizado antes dos trinta anos [Lc 3.23]. Aliás, isso de fato é verídico, mas a razão é muito clara, a saber, que ele, então, determinou lançar sólido fundamento do batismo por meio de sua pregação, ou, melhor, para confirmar o fundamento que João previamente lançara. Portanto, como quisesse, por meio de seu ensino, estabelecer o batismo, para que maior autoridade granjeasse para sua instituição, o santificou e o tipificou com seu próprio corpo; e isso quando sabia que era mais oportuno e mais conveniente, a saber, ao pôr em ação o ofício que lhe fora dado.

Em suma, nada mais conseguirão daí, a não ser que o batismo teve sua origem e começo na pregação do evangelho. Porque, se lhes apraz prefixar o ano trigésimo, por que não o observem? Ao contrário, quando cada um, a seu juízo, haja avançado em idade suficiente, o recebem pelo batismo? Inclusive Serveto, um de seus mestres, que tão pertinazmente insistia nos trintas anos, já havia começado aos vinte e um anos de idade a gabar-se de ser profeta! Como se fosse admissível que um homem possa gabar-se de ser doutor da Igreja antes mesmo de ser membro dela!

30. REFUTAÇÃO DA DÉCIMA QUINTA OBJEÇÃO CONTRA O BATISMO INFANTIL: SE ÀS CRIANÇAS É FACULTADO O BATISMO, NÃO MENOS DEVERIA ADMITI-LOS À SANTA CEIA

Finalmente objetam que, segundo esta razão, deveria administrar-se a Ceia do Senhor às crianças, as quais, no entanto, de modo algum são admitidas. Como se a Escritura não assinalasse de todas as formas haver entre eles larga diferença! De fato foi isto freqüentemente praticado na Igreja antiga, como se constata de Cipriano e Agostinho; mas esse costume, com razão, se fez obsoleto. Ora, se ponderarmos a natureza e o caráter específico do batismo, na realidade ele é um como que ingresso e uma, pode-se dizer, iniciação à Igreja, mercê da qual somos contados no povo de Deus: sinal de nossa regeneração espiritual, através da qual somos nascidos de novo para ser filhos de Deus; quando, em contrapartida, a Ceia foi atribuída aos mais adultos que, ultrapassada a infância mais tenra, já estejam em condições de suportar alimento sólido, distinção que se demonstra mui evidentemente na Escritura; porque aí, quanto concerne ao batismo, o Senhor não faz nenhuma seleção de idades. A Ceia, porém, não a exibe à participação de todos igualmente; pelo contrário, somente àqueles que sejam idôneos para discernir-se o corpo e o sangue do Senhor, para examinar-se a própria consciência, a anunciar-se a morte do Senhor, a ponderar-se sua eficácia. Queremos algo mais evidente do que o que o Apóstolo ensina, quando exorta que “cada um se prove e examine a si mesmo, e então coma do pão e beba do cálice” [1Co 11.28]? Impõe-se, pois, examinar-se primeiro, o que em vão se espera de crianças. De igual modo: “Quem come indignamente, come e bebe para si condenação, não discernindo o corpo do Senhor” [1Co 11.29]. Se não podem participar dignamente, senão aqueles que saibam distinguir corretamente a santidade do corpo de Cristo, por que a nossos filhos ainda tenros ofereçamos veneno em vez de alimento vivificante? Que significa este preceito do Senhor: “Fazei-o em memória de mim” [Lc 22.19; 1Co 11.25]? Que significa este outro preceito que o Apóstolo deduz daí: “Sempre que comerdes este pão, anunciais a morte do Senhor até que ele venha” [1Co 11.26]? Que memória deste fato, pergunto, exigiremos de crianças, memória que nunca apreenderam pelo senso? Que pregação da cruz de Cristo, cuja virtude e benefício ainda não compreendem com a mente?

Nada dessas coisas se prescreve no batismo, porquanto mui grande é a diferença entre estes dois sinais, os quais também já notamos em sinais similares sob o Antigo Testamento. A circuncisão, com efeito, que se observou ser correspondente ao nosso batismo, fora destinada às crianças [Gn 17.12]. A páscoa, porém, cujo lugar assume agora a Ceia, não admitia a todos e quaisquer convivas indiscriminadamente; antes, era corretamente comida por aqueles que, pela idade, pudessem indagar-lhe a respeito do significado [Ex 12.26]. Se uma simples migalha de cérebro sadio restasse a esses, porventura se fariam cegos para uma causa tão clara e óbvia?

31. REFUTAÇÃO DAS VINTE OBJEÇÕES REITERADAS POR MIGUEL SERVET CONTRA O BATISMO INFANTIL

Ainda que não me agrade onerar os leitores com um catálogo de tantos desvarios, valerá a pena refutar em poucas palavras as principais razões que, cingindo-se para a luta, no entanto houve por bem adicionar Serveto, não o mínimo entre os anabatistas, aliás, a grande honra desta caterva.

Primeira objeção: ele objeta que os símbolos de Cristo, visto que são perfeitos, exigem também pessoas perfeitas, ou capazes de perfeição. Mas, a solução é fácil: erroneamente se restringe a perfeição do batismo a um ponto de tempo, que se estende até a morte. Acrescento ainda que estultamente se busca no homem, no primeiro dia de seu batismo, a perfeição a que o batismo nos convida, mediante passos contínuos, por toda a vida.

Segunda objeção: ele objeta que os símbolos de Cristo foram instituídos para memorial, para que cada um recorde de que foi sepultado com Cristo. Respondo que não necessita de refutação o que Serveto cogitou de sua própria cabeça. Com efeito, pelas palavras de Paulo se revela que, o que Serveto aplica ao batismo, é próprio da Santa Ceia: “que se examine cada um” [1Co 11.28]. Do batismo em parte alguma se diz algo desse gênero. Do quê concluímos serem corretamente batizados aqueles que em razão da pouca idade ainda não são capazes de exame.

Terceira objeção: o que ele adiciona em terceiro lugar – que permanecem na morte todos quantos não crêem no Filho de Deus e que sobre eles permanece a ira de Deus [Jo 3.36], e por isso as crianças, que não podem crer, jazem em sua condenação. Respondo que Cristo não está aí falando da culpabilidade geral em que foi enredilhada toda a posteridade de Adão, mas apenas ameaça aos desprezadores do evangelho que, soberba e contumazmente, rejeitam a graça que lhes é oferecida. Isto, no entanto, nada tem a ver com as crianças. Ao mesmo tempo, apresento razão contrária: todo aquele a quem Cristo abençoa, esse está eximido da maldição de Adão e da ira de Deus. Logo, quando se faz notório que as crianças foram por ele abençoadas [Mt 19.13-15; Mc 10.13-16], segue-se que foram isentadas da morte. A seguir, ele cita falsamente o que em parte alguma da Escritura se lê: “Todo aquele que é nascido do Espírito ouve a voz do Espírito.” Ainda que concedamos que isso foi escrito, contudo nada mais obterá que, segundo neles opera o Espírito, serem os fiéis preparados à obediência. Com efeito, é vicioso aplicar a todos igualmente aquilo que foi dito de certo número.

Quarta objeção: Serveto objeta ainda: visto que o que é animal vem antes [1Co 15.46], há de esperar-se o tempo maduro para o batismo, o qual é espiritual. Eu, porém, ainda que admita que desde o próprio ventre toda a posteridade de Adão, que é gerada da carne, traz sua condenação, no entanto nego que isso impeça que Deus proveja remédio imediatamente. Ora, tampouco mostrará Serveto que muitos anos foram divinamente prescritos para que se comece a novidade de vida espiritual. Aliás, segundo Paulo testifica, mesmo que por natureza estejam perdidos os que são nascidos de fiéis, contudo eles são santos por graça sobrenatural [1Co 7.14].

Quinta objeção: a seguir, Serveto traz a lume uma alegoria: que Davi, ao tomar a cidadela de Sião [2Sm 5.6-8], não levou consigo nem a cegos, nem a coxos, mas a soldados aguerridos. Mas, e se eu opuser a parábola na qual Deus convida aos cegos e coxos para o banquete celestial? [Lc 14.21]. Como Serveto se desvencilharia de tal dificuldade? Pergunto ainda: e se porventura os coxos e mutilados não tivessem previamente servido com Davi? Contudo, é supérfluo insistir por mais tempo neste argumento, o qual os leitores aprenderão da história sacra que é extraído à revelia.

Sexta objeção: segue-se outra alegoria: que os apóstolos foram pescadores de homens, não de pequeninos [Mt 4.19; Mc 1.17; Lc 5.10]. Eu, porém, pergunto: que significa esta afirmação de Cristo: na rede do evangelho é apanhado todo gênero de peixes [Mt 13.47]? Mas, uma vez que não me disponho a divertir-me com alegorias, respondo que, enquanto aos apóstolos foi delegado o ofício de ensinar, entretanto não foram proibidos de batizar crianças. Se bem que gostaria ainda de saber: quando o evangelista os designa pelo termo avnqrw,pouj [anthr)pous – homens], palavra com a qual, sem exceção, se compreende o gênero humano, por que Serveto nega que as crianças sejam homens?

Sétima objeção: Serveto objeta ainda: como as coisas espirituais se enquadram com as espirituais [1Co 2.13], as crianças, que não são espirituais, não são aptas para o batismo. Mas, antes de tudo, quão perversamente ele torce a passagem de Paulo, salta à vista. Ali se trata da doutrina; como os coríntios se deleitavam com sutilezas e engenhosidade, Paulo repreende sua negligência por terem ainda a necessidade de aprender os primeiros rudimentos da doutrina celeste. Quem se atreverá a concluir daqui que as crianças não devam ser batizadas; às quais, embora geradas segundo a carne, Deus as consagra e dedica a si mesmo por uma adoção gratuita?

Oitava objeção: se são homens novos, então as crianças devem ser nutridas com o alimento espiritual. A solução é fácil: pelo batismo elas são admitidas ao rebanho de Cristo, e lhes é suficiente o símbolo da adoção, até que, vindo a ser adultas, estejam em condições de suportar alimento sólido. Deve-se, pois, esperar o tempo de exame que Deus solicita expressamente na Santa Ceia.

Nona objeção: a seguir ele objeta que Cristo chama a todos os seus para a Sagrada Ceia. Mas, se constata suficientemente que ele a ninguém admite senão aqueles que já se prepararam para celebrar a memória de sua morte. Do quê se segue que as crianças, a quem dignou de seu abraço, subsistem em uma posição distinta e própria até que cresçam; contudo não estão de fora. Ao que alegam ser monstruosidade se o homem, após ter nascido, não coma, respondo que as almas são alimentadas de outra forma diferente da ingestão externa da Ceia, e por isso ser Cristo, não obstante, alimento às crianças, ainda que se abstenham do símbolo. Distinto é o sentido do batismo, pelo qual apenas se lhes abre a porta para a Igreja.

Décima objeção: de novo objeta Serveto que um bom mordomo distribui a seu tempo o alimento à família [Mt 24.45]; o que, ainda que o admita de bom grado, entretanto, com direito nos definirá o tempo do batismo, para provar não ser ele dado às crianças na devida época? Acrescenta ainda aquela ordem de Cristo aos apóstolos a que se apressem à ceifa enquanto os campos amadurecem [Jo 4.35]. Com efeito, Cristo aí significa apenas que os apóstolos, vendo o presente fruto de seu labor, mais animosamente se cinjam para ensinar. Quem daí concluirá unicamente que o tempo da ceifa está maduro para o batismo?

Undécima objeção: seu argumento agora é que na Igreja primitiva cristãos e discípulos eram os mesmos. Contudo já vimos que ele raciocina tolamente, partindo da parte para o todo. Os discípulos são aí chamados homens de idade suficiente, que já haviam sido instruídos e engajados com Cristo, assim como sob a lei discípulos de Moisés eram os judeus adultos. Ninguém, contudo, daí inferirá corretamente que as crianças eram estranhas, às quais Deus provou que lhe eram familiares.

Duodécima objeção: Serveto objeta ainda que todos os cristãos eram irmãos, de cujo número não se incluem as crianças por quanto tempo as mantemos afastadas da Ceia. Eu, porém, volto àquele princípio de que ninguém é herdeiro do reino dos céus senão aqueles que são membros de Cristo; então, que o abraço de Cristo foi verdadeiro penhor da adoção pela qual as crianças são unidas em comum com os adultos; nem a abstenção temporária da Ceia impede que pertençam ao corpo da Igreja. Com efeito, nem mesmo o ladrão convertido na cruz [Lc 23.40-43] deixou de ser irmão dos piedosos, inda que nunca tenha se chegado à Ceia.

Décima terceira objeção: acrescenta, em seguida, que ninguém se faz nosso irmão senão pelo Espírito de adoção [Rm 8.15] que é conferido somente pelo ouvir da fé [Rm 10.17; Gl 3.2]. Respondo que ele recai sempre no mesmo paralogismo, porquanto contrariamente aplica às crianças o que foi dito somente dos adultos. Paulo aí ensina que este é o modo ordinário da vocação divina: que conduz à fé seus eleitos, enquanto lhes suscita mestres fiéis através de cujo ministério e obra ele estende a mão. Quem aí ouse impor-lhe uma lei para que em Cristo não insira as crianças por outra forma secreta?

Décima quarta objeção: objeta que Cornélio foi batizado depois de haver recebido o Espírito Santo [At 10.44-48]. Quão erroneamente extrai de um só exemplo uma regra geral, é evidente do eunuco [At 8.27-38] e dos samaritanos [At 8.12], nos quais Deus susteve uma ordem diferente, de modo que o batismo precedesse aos dons do Espírito.

A décima quinta razão é mais do que insípida: diz Serveto que pela regeneração nos fazemos deuses; mas deuses são aqueles a quem veio a Palavra de Deus [Sl 82.6; Jo 10.34, 35], o que não compete às crianças pequeninas. O fato de atribuir deidade aos fiéis demonstra um de seus desvarios, o qual não nos compete perscrutar neste lugar, senão ser uma tremenda impudência torcer a passagem do Salmo a um sentido tão alheio. Cristo diz que reis e magistrados são chamados deuses pelo Profeta por exercerem um ofício divinamente imposto a si. Este perito intérprete, porém, aplica à doutrina do evangelho o que é dirigido a certos homens quanto a um mandado especial de governar, para desse modo desterrar as crianças da Igreja.

Décima sexta objeção: por outro lado, Serveto objeta que as crianças não podem ser consideradas novas criaturas porque não são geradas pela Palavra. Eu, porém, repito novamente aqui o que já disse tantas vezes: que a doutrina para nos regenerar é de semente incorruptível [1Pe 1.23], se de fato somos aptos para percebê-la. Onde, porém, em razão da idade, ainda não subsiste em nós a capacidade de sermos ensinados, Deus tem seus meios de regenerar.

Décima sétima objeção: a seguir, ele volta às suas alegorias, dizendo que na lei uma ovelha e uma cabra não podiam ser oferecidas em sacrifício imediatamente após nascidas. Se aqui realmente ele quer aplicar figuras, me prontifico a replicar que todos os primogênitos, tão logo abriam a madre, eram sagrados a Deus [Ex 13.2]; daí ser necessário que fosse morto um cordeiro de um ano [Ex 12.5]. Do quê se segue estar mui longe de que se deva esperar o vigor viril, mas que, antes, são por Deus escolhidos para os sacrifícios até mesmo os recém-nascidos e os ainda tenros.

Décima oitava objeção: ainda afirma que não podem vir a Cristo senão aqueles que já hajam sido preparados por João. Como se o ofício de João não fosse temporário! Mas para não deixar isso em branco, certamente não houve essa preparação nas crianças a quem Cristo abraçou e abençoou [Mt 19.13-15; Mc 10.13-16; Lc 18.15-17]. Então, que ele passe bem com seu falso princípio.

Décima nona objeção: finalmente, Serveto evoca em seu socorro a Trismegistos e as Sibilas, para provar que abluções sacras não convêm senão a adultos. Vê-se quão honorificamente ele sente respeito pelo batismo de Cristo, a ponto de conformá-lo aos ritos profanos dos gentios, e não aceita que seja ministrado senão do modo que agrada a Trismegistos! De nossa parte, porém, de muito mais peso é a autoridade de Deus, a quem pareceu bem consagrar a si as crianças e iniciá-las pelo sacro símbolo, do qual, em razão da idade, ainda não apreendem o sentido. Tampouco consideramos ser lícito tomar de empréstimo às expiações dos gentios, a fim de mudar, em nosso batismo, a eterna e inviolável lei de Deus, a qual ele sancionou a respeito da circuncisão.

Vigésima objeção: por fim Serveto arrazoa que, se é lícito batizar as crianças sem discernimento, então o batismo pode ser validamente ministrado, simuladamente e por brincadeira, pelas crianças a se divertirem. E acerca desta matéria ele litiga com Deus, de cujo preceito foi a circuncisão comum às crianças antes que houvessem chegado à idade do discernimento. Porventura foi ela instituída para brincadeira ou para estar sujeita às infantilidades das crianças, para que pudessem subverter a santa instituição de Deus?

Não surpreende, contudo, que esses espíritos réprobos, como se fossem agitados por um frenesi, introduzem em defesa de seus erros os mais crassos absurdos, porque com tal vertigem Deus justamente vinga seu orgulho e obstinação. Confio que consegui tornar evidente de quão débeis apoios Serveto lançou mão para assistir a seus amigos anabatistas.

32. AO CONTRÁRIO DOS ANABATISTAS, DEVEMOS VER NO BATISMO INFANTIL BENDITA PROVISÃO DIVINA A DEMANDAR NOSSA PROFUNDA GRATIDÃO

Julgo que nenhum homem sóbrio terá por ambíguo quão temerariamente conturbam a Igreja de Cristo os que movem rixas e contenções por causa do pedobatismo. Ora, pois, é indispensável observar o que Satanás esteja urdindo com tão sorrateira sutileza, isto é, ele nos arrebata o singular fruto da confiança e do deleite espiritual que daí se deve extrair, e também detrai outro tanto da glória da divina bondade. Pois, quão suave é às almas piedosas o serem asseguradas, não apenas por palavra, mas também por visão ocular, que obtêm tanto de graça junto ao Pai celeste que tanto cuidado tem por sua posteridade? Ora, aqui se vê como Deus assume para conosco o papel de pai de família mui providente, o qual de fato não cessa de cuidar de nós nem mesmo após nossa morte, senão que vela e provê recursos para nossos filhos.

Porventura não devemos nós, a exemplo de Davi [Sl 48.11], exultar aqui, de todo o coração, em ação de graças, de sorte que seu nome seja santificado por uma demonstração tão imensa de sua bondade? De fato Satanás maquina com que tropas tão numerosas possa investir contra o batismo infantil, isto é, subtraída à vista essa comprovação da graça de Deus, faz evanescer pouco a pouco a promessa que por meio dela se nos apresenta aos olhos. Donde, não só nasceria ímpia ingratidão para com a misericórdia de Deus, mas também certa negligência em instruir os filhos à piedade. Pois não nos é frágil estímulo educá-los no sério temor de Deus e na observância da lei, quando refletimos que já desde o nascimento são por ele tidos e reconhecidos no lugar de filhos. Portanto, salvo se apraz obscurecer perversamente a benevolência de Deus, ofereçamos-lhe nossos filhos, aos quais ele atribui lugar entre seus familiares e domésticos, isto é, os membros da Igreja.

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NOTAS:

[1] Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/anf01/ix.viii.xxxiv / http://www.newadvent.org/fathers/0134.htm * 
[2] Extraído da edição preparada pela Conferência do Episcopado Mexicano no ano jubilar de 2000. * 
[3] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189. * 
[4] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, p. 41. * 
[5] Ibid, p. 43. * 
[6] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189. * 
[7] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, pp. 45 e 47. * 
[8] V. http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii / http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm * 
[9] Traduzido a partir de http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii / http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm * 
[10] “O Batismo segundo os Padres Gregos”. Adaptação pedagógica do Dr. Carlos Etchevarne, Bach. Teol., pp. 14 e 16-17. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii / http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm * 
[11] Ibid, pp. 22-23. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii / http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm * 
[12] Ibid, p. 57. * 
[13] Ibid, p. 4. * 
[14] DENZINGER, Enrique. “O Magistério da Igreja: Manual de Símbolos, Definições e Declarações da Igreja em Matéria de Fé e Costumes”. Versão direta dos textos originais por Daniel Ruiz Bueno, Editorial Herder, 1963, p. 39. * 
[15] “Obras Completas de Santo Agostinho: Tomo XXXV-Escritos Anti-Pelagianos (3º), Réplica a Juliano”. BAC 457, p. 272. * 
[16] Ibid, p. 276. * 
[17] Ibid, p. 332. * 
[18] Para uma história mais detalhada sobre o Movimento Anabatista, consultar: “Manual de História da Igreja”, de Hubert Jedim, Tomo V, Editorial Herder.
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Fonte: ApologéticaCatólica.org
Tradução: Carlos Martins Nabeto
Disponível em: Católico porque...

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