segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Houve relação sexual entre Adão e Eva no paraíso?


Parece que no estado de inocência não teria havido geração pela união carnal:

Com efeito, como diz Damasceno, o primeiro homem estava no Paraíso terrestre “como um anjo”. Ora, no futuro estado da ressurreição, quando os homens serão semelhantes aos anjos, “nem casam, nem serão casados”, como se diz no Evangelho de Mateus (22, 30). Logo, nem no paraíso teria havido geração pela união carnal.

Além disso, os primeiros seres humanos foram criados em idade adulta. Por conseguinte, se para eles a geração tivesse ocorrido antes do pecado pela união carnal, teria havido entre eles união carnal mesmo no Paraíso. Ora, a Escritura mostra que isso é falso.

Ademais, na união carnal o homem se torna ao máximo semelhante aos animais, por causa da veemência do prazer, razão por que se faz o elogio da continência, pela qual os homens se abstêm de tais prazeres. Ora, o homem é comparado aos animais por causa do pecado, segundo o Salmo 48: “O homem não conheceu qual era sua dignidade, pareceu-se com os animais irracionais e se tornou igual a eles” (v.21). Logo, não teria havido união carnal do homem e da mulher antes do pecado.

Ademais, no estado de inocência não teria havido nenhuma corrupção. Ora, pela união carnal há a corrupção da integridade virginal. Logo, não teria havido a união carnal no estado de inocência.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, antes do pecado Deus criou o homem e a mulher, como está dito no Gênesis. Ora, nada existe sem razão nas obras de Deus. Por conseguinte, mesmo se o homem não tivesse pecado, teria havido união carnal, para a qual está ordenada a distinção dos sexos.

Além disso, no Gênesis está escrito que a mulher foi feita para ajudar o homem. Essa ajuda não é destinada a nada mais que à geração, que se faz pela união carnal, pois para qualquer outra atividade o homem podia encontrar ajuda mais adaptada em outro homem e não na mulher. Por conseguinte, no estado de inocência a geração teria sido pela união carnal.

Alguns entre os antigos doutores, considerando a fealdade na concupiscência que se constata, em nosso estado atual, na união carnal, afirmaram que no estado de inocência a geração não teria ocorrido pela união dos sexos. Assim Gregório de Nissa diz que no paraíso o gênero humano se teria multiplicado de outra maneira, como se multiplicaram os anjos, sem comércio carnal, por obra da potência divina. Diz que Deus tinha criado o homem e a mulher antes do pecado pensando na maneira de geração que deveria ocorrer depois do pecado, que Deus conhecia de antemão.

Mas isso não se diz de modo razoável. Com efeito, as coisas naturais ao homem não lhe são nem retiradas, nem concedidas pelo pecado. Ora, é claro que era natural ao homem, pela vida animal que tinha mesmo antes do pecado, como dito acima, gerar por união carnal, como é natural aos outros animais perfeitos. Manifestam isso os membros naturais destinados a esse uso. Portanto, não se pode dizer que antes do pecado esses membros naturais não teriam tido seu uso como os outros membros.

Há duas coisas a considerar na união carnal no estado atual. Primeiro, o que depende da natureza: a conjunção do macho e da fêmea para a geração. Com efeito, em toda geração é preciso uma potência ativa e uma passiva. Por consequência, como em todos os seres em que há distinção dos sexos a potência ativa se encontra no macho e a potência passiva na fêmea, a ordem da natureza exige que para a geração haja o encontro carnal dos dois. Segundo, pode se considerar ainda: uma deformidade da concupiscência imoderada. Essa não teria existido no estado de inocência, em que as potências inferiores estavam totalmente submetidas à razão. Por isso declara Agostinho: “Evitemos pensar que a geração não tivesse ocorrido sem a doença da voluptuosidade. Esses membros teriam obedecido, como os outros, ao sinal da vontade, sem o ardor e estímulos sedutores, com tranquilidade de alma e de corpo”.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

O homem no paraíso teria sido como um anjo no que se trata da alma espiritual, embora tivesse uma vida animal segundo seu corpo. Depois da ressurreição, porém, o homem será semelhante ao anjo, tornando-se espiritual em sua alma e em seu corpo. Por isso, o argumento não é o mesmo.

Segundo Agostinho, os primeiros pais não tiveram união carnal no paraíso porque foram expulsos do paraíso por seu pecado pouco depois da formação da mulher. Ou porque esperavam que a autoridade divina, da qual receberam o mandato geral, lhes fixara um tempo para isso.

Os animais são desprovidos de razão. Eis o motivo por que o homem se torna animal na união carnal: porque não é capaz de moderar pela razão o prazer da união carnal e o ardor da concupiscência. Mas no estado de inocência não teria havido nada que não fosse moderado pela razão; não, como dizem alguns, que o prazer sensível aí teria sido menor. O prazer sensível, com efeito, teria sido tanto maior visto que a natureza estava mais pura e o corpo mais sensível. Mas porque a potência concupiscível não se teria elevado com tal desordem acima do prazer regrado pela razão, à qual não competia fazer que o prazer sensível fosse menor, mas que o apetite não se ligasse de maneira imoderada ao prazer. Digo imoderada, fora da medida da razão. Assim, aquele que é sóbrio no alimento que toma com moderação não encontra prazer menor do que o glutão, mas sua potência concupiscível se detém menos nesse gênero de prazer. As palavras de Agostinho significam isso: não excluem do estado de inocência a intensidade do prazer, mas o ardor da libido e a agitação da alma. Razão por que a continência no estado de inocência não teria sido louvável, e se no tempo atual é louvada não é em razão da ausência de fecundidade, mas porque afasta a libido desordenada. Então, teria havido fecundidade sem libido.

Como diz Agostinho, nesse estado, “o marido não teria corrompido de nenhum modo a integridade da mulher. Com efeito, o sêmen podia ser introduzido no útero da mulher salva sua integridade genital, como agora a mulher virgem pode menstruar, salva a mesma integridade. Assim como para o parto não teriam sido os gemidos da dor mas os movimentos da maturidade a dilatar as entranhas da mulher, assim também para a concepção não teria sido o apetite da libido mas a livre disposição da vontade a unir uma e outra naturezas”.


São Tomás de Aquino
Suma Teológica I, q.98, a.2

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