terça-feira, 20 de setembro de 2016

A fé é coroada pelo amor e pela perseverança


Irmãos e amigos caríssimos, pensai e refleti atentamente: No início dos tempos, Deus criou o céu e a terra e todo o universo; meditai por que razão e com que finalidade Ele formou o homem à sua imagem e semelhança, como diz a Escritura.
 
Portanto, se neste mundo de perigos e misérias, não reconhecêssemos o Senhor como nosso criador, de nada nos aproveitaria ter nascido e continuar a viver. Viemos a este mundo pela graça de Deus; pela graça de Deus recebemos o Baptismo e entrámos na Igreja, tornando‑nos discípulos do Senhor e adquirindo um nome glorioso. Mas de que serviria tão grande nome sem a verdadeira realidade? Perderia de facto todo o sentido ter vindo ao mundo e entrado na Igreja; mais ainda, seria uma ofensa ao Senhor e à sua graça. Mais valeria não ter nascido do que receber a graça do Senhor e pecar contra Ele.
 
Considerai o agricultor que faz a sementeira no seu campo: em tempo oportuno lavra a terra; depois aduba‑a e lança a semente, não se poupando a canseiras sob o ardor do sol. Quando chega o tempo da colheita, se encontra as espigas cheias de grão, exulta de alegria, esquecendo os trabalhos e suores. Mas se as espigas estão vazias e nada resta senão palha e cascas, então o agricultor, recordando a dureza dos trabalhos e suores, tanto mais decididamente abandona o campo quanto mais cuidadosamente o cultivara.
 
De modo semelhante, o Senhor faz do mundo o seu campo: nós somos o seu arroz; o adubo é a graça; mediante a Encarnação e Redenção Ele nos rega com o seu Sangue, para que possamos crescer e chegar à maturidade. Quando chegar o tempo da colheita, no dia do Juízo, quem estiver amadurecido pela graça gozará a felicidade no reino dos Céus, como filho adoptivo de Deus; mas aquele que não estiver amadurecido será seu inimigo, embora tenha sido, também ele, filho adoptivo de Deus, e merecerá ser punido com o castigo eterno.

Sabeis, irmãos caríssimos, que Nosso Senhor Jesus Cristo, vindo ao mundo, suportou inúmeras dores e pela sua Paixão fundou a santa Igreja, que continua a aumentar pela paixão dos seus fiéis. Por mais que os poderes deste mundo a oprimam e combatam, nunca poderão prevalecer. Depois da Ascensão de Jesus, desde os tempos dos Apóstolos até aos nossos dias, a santa Igreja por toda a parte cresceu no meio das tribulações.
 
Pois bem. Durante estes cinquenta ou sessenta anos, isto é, desde que a santa Igreja entrou na nossa Coreia, os fiéis sofreram constantes perseguições; e ainda hoje grassa o furor da perseguição, de tal modo que numerosos amigos foram encarcerados pela mesma fé, como eu próprio, e também vós permaneceis no meio da tribulação. Uma vez que formamos um só corpo, como não estar tristes no íntimo do coração? Como deixar de experimentar o sentimento humano desta separação dolorosa?
 
No entanto, como diz a Escritura, Deus vela pelo mais pequeno cabelo da nossa cabeça e toma‑o a seu cuidado na sua omnisciência; portanto, como poderemos considerar tão grande perseguição, senão como ordem de Deus ou sua recompensa ou porventura seu castigo?
 
Aceitai portanto a vontade de Deus e combatei corajosamente pelo capitão divino Jesus e vencei o demónio neste mundo, já vencido por Cristo.
 
Peço‑vos, irmãos: não negligencieis o amor fraterno, mas ajudai‑vos mutuamente e sede perseverantes até que o Senhor tenha piedade de nós e afaste a tribulação.
 
Estamos aqui vinte pessoas e pela graça de Deus ainda todos se encontram de saúde. Se algum for morto, peço‑vos que não vos esqueçais da sua família. Tenho muitas coisas a dizer‑vos, mas como posso exprimi‑las com papel e tinta? Termino a carta. Como estamos já próximos do combate, rogo‑vos que vivais firmes na fé, de modo que um dia entremos no Céu e lá nos encontremos para gozar da alegria comum. Despeço‑me com o ósculo do meu amor.


Da última exortação de Santo André Kim Taegon, presbítero e mártir
(Pro Corea, Documenta; ed. Mission. Catholique Séoul, Séoul/Paris, 1938, vol. I, 74-75)

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