sábado, 25 de junho de 2016

Deus pode encontrar-se no coração do homem


A saúde do corpo é um bem apreciável para a vida humana; o que interessa, porém, não é apenas conhecer as causas da saúde, mas viver com saúde. Na verdade, se alguém faz o elogio da saúde e depois come um alimento que lhe provoca má disposição e doença, de que lhe aproveitaram os elogios da saúde? No mesmo sentido devemos entender esta afirmação do Senhor, ao proclamar bem-aventurado não aquele que conhece alguma coisa de Deus, mas o que possui a Deus em si mesmo. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 

No entanto, parece-me que Deus se mostra face a face àquele que tem o olhar da sua alma bem purificado, mas segundo a palavra de Cristo: O reino de Deus está dentro de vós. Assim nos ensina que, se alguém tem o coração purificado de toda a afeição desordenada para com as criaturas, pode contemplar na sua própria beleza a imagem da natureza divina. 

E parece-me que esta concisa expressão do Verbo equivale a dizer: Ó homens, que desejais contemplar o bem verdadeiro, quando ouvirdes dizer que a majestade divina está elevada e exaltada acima dos céus, que a sua glória é insondável, que a sua beleza é inefável e que a sua natureza é incompreensível, não vos deixeis cair no desespero, pensando que não podereis ver aquilo que desejais. 

Se procurares ativa e cuidadosamente limpar o teu coração das impurezas que o mancham e obscurecem, então resplandecerá em ti a beleza divina. Assim como o ferro, quando é polido da ferrugem que o enegrecia, volta a refletir os esplendores do sol, de modo semelhante o homem interior, a que o Senhor chama «coração», quando remove toda a ferrugem do mal que pelas más inclinações contraíra, recupera de novo a semelhança com a sua forma original e primitiva, e assim, por esta semelhança com o bem supremo, torna-se ele mesmo totalmente bom. 

Portanto, quem se vê a si mesmo, contempla em si mesmo o que deseja ver; assim se torna feliz aquele que tem um coração puro, porque ao contemplar a sua pureza, vê através desta imagem a sua forma original. Os que contemplam o sol num espelho, embora não fixem os olhos no céu, nem por isso veem menos o sol no brilho do espelho, do que aqueles que olham diretamente para o disco solar. Assim também vós, diz o Verbo, ainda que pelas vossas forças não sejais capazes de ver e contemplar a luz inacessível, se voltais à beleza e dignidade da imagem que foi criada em vós desde o princípio, encontrareis dentro de vós mesmos aquilo que buscais. 

A divindade é pureza, é isenção de toda a inclinação viciosa, é ausência de todo o mal. Se estas estão em ti, também Deus está em ti. Portanto, quando a tua alma estiver isenta de toda a inclinação má, livre de toda a afeição desordenada e imune de toda a imperfeição, serás feliz pela agudeza e limpidez do teu olhar, porque, graças à pureza do teu coração, poderás contemplar o que escapa ao olhar dos que não têm esta pureza de espírito. Tendo removido dos olhos da alma a névoa material que os envolvia, podes contemplar claramente uma visão feliz na pura serenidade do coração. Que visão é esta? A santidade, a pureza, a simplicidade e todos os luminosos esplendores da natureza divina, por meio dos quais se vê a Deus.


Das homilias de São Gregório de Nissa, bispo
(Sermão 6, sobre as bem-aventuranças: PG 44, 1270-1271) (Sec. IV)

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