quinta-feira, 23 de junho de 2016

Deus é como um rochedo inacessível


O que costuma acontecer àqueles que do alto da montanha olham para a vastidão do mar, verifica-se também na minha inteligência, quando das alturas da palavra do Senhor olho para a insondável profundidade dos seus mistérios. Sucede ainda que em muitos lugares marítimos, ao olhar para um monte do lado voltado para o mar, tem-se a impressão de que está cortado a pique e completamente liso desde o vértice até à base, como se o vértice desse monte estivesse suspenso sobre o abismo; a sensação de vertigem que causa a quem olha de tão elevada altura para o espelho das águas do mar profundo é a mesma que experimenta o meu espírito, suspenso ante a admirável grandeza da palavra do Senhor: Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Deus apresenta-Se à contemplação daqueles que têm o coração purificado.

Ninguém jamais viu a Deus, como diz o grande apóstolo João; e Paulo, com a sua inteligência sublime, confirma e acrescenta: Nenhum homem O viu, nem O pode ver. Este é o rochedo liso, polido e alcantilado, que não apresenta nenhum suporte ou saliência em que se fixe a nossa inteligência; dele falou também Moisés ao declarar que era inacessível, de tal modo que a nossa inteligência não o pode atingir por parte alguma, por mais que tente subir a sua encosta alcantilada e alcançar o cimo, segundo aquela sentença: Ninguém pode ver o Senhor e continuar vivo. Ora a vida eterna consiste em ver a Deus. Mas por outro lado, as colunas da fé, João, Paulo e Moisés afirmam que ver a Deus é impossível. Compreendes agora a vertigem da nossa inteligência ao considerar a profundidade destas palavras?

Se Deus é a vida, quem não vê a Deus não vê a vida. Mas tanto os Profetas como os Apóstolos, inspirados pelo Espírito Santo, testemunham que Deus não pode ser visto. Em que angústias se debate a esperança dos homens! Mas o Senhor levanta e sustenta esta esperança que vacila, como fez a Pedro quando estava em perigo de afundar-se: colocou os seus pés de novo sobre a água, como num pavimento sólido e consistente. Se também a nós o Verbo nos dá a mão, ao ver-nos vacilar sobre o abismo das nossas especulações, se Ele nos ilumina e fortalece a inteligência, então estaremos livres de temor e, conduzidos por sua mão, caminharemos em segurança, até abraçarmos o próprio Verbo: Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.


Das homilias de São Gregório de Nissa, bispo
(Sermão 6.º sobre as bem-aventuranças: PG 44, 1263-1266) (Sec. IV)

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