quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Não, a bíblia não é mais violenta do que o alcorão


Um estudo norte-americano analisou os campos semânticos dos dois textos sagrados e concluiu que a bíblia seria "mais inclinada à violência que o alcorão" – mas há falhas gritantes nessa análise.

Um estudo realizado por Tom Anderson, engenheiro e desenvolvedor nova-iorquino, concluiu que a bíblia faz referências a “assassinato” e “destruição” com mais frequência do que o alcorão.

Usando o software de análise Odintexte, ele contou o número de ocorrências de palavras pertencentes a um campo semântico violento. Depois de dois minutos e de 886.000 palavras analisadas, as conclusões do Odintexte foram taxativas: termos ligados a morte, assassinato e destruição constituem 2,1% do livro sagrado dos muçulmanos, contra 2,8% do Novo Testamento e nada menos que 5,3% do Antigo Testamento.

Conforme o autor não esconde, o estudo pretende dar apoio a um pedido feito por Barack Obama: durante um discurso televisionado, o presidente dos EUA pediu que fosse rejeitada “qualquer política que tenha como alvo as pessoas ou as religiões”. O presidente democrata estava respondendo ao candidato republicano Donald Trump, que, por sua vez, tinha feito um barulhento apelo em nome da segurança para impedir qualquer muçulmano de imigrar para os Estados Unidos.

Mas, além de levar em conta essa motivação peculiar do estudo, também devemos ir mais a fundo antes de dizer amém aos seus argumentos “científicos” amparados em estatísticas descontextualizadas.

O significado das palavras

Um internauta deu uma primeira resposta – cheia de bom senso – às tabelas apresentadas por Tom Anderson: este estudo só leva em conta a ocorrência das palavras, mas não o significado das frases.

Segundo o método Odintexte, de fato, estariam em pé de igualdade frases como estas:

“Quando os meses sagrados houverem transcorrido, matai os incrédulos onde quer que os encontreis” (Sura 9, Verso 5 do alcorão) e

“Ele ressuscitou dentre os mortos e eis que vos precede na Galileia; lá o vereis” (Mt 28,7).

O pe. François Jourdan, especialista em islã, adverte: “Entre o alcorão e a bíblia, palavras iguais têm significados diferentes porque fazem parte de coerências doutrinais muito diferentes: visão de Deus, de si mesmo, do mundo e dos outros”. O sacerdote toma o exemplo da palavra “misericórdia”: na bíblia, ela surge “das entranhas” do Salvador, de acordo com a raiz hebraica do termo. Já no alcorão, “misericórdia” é simplesmente a compaixão de alguém que é forte para com os fracos.

O pe. Jourdan acrescenta, ainda, algo que não pode entrar no computador de Tom Anderson: a relação dos fiéis com os textos sagrados.

Para os muçulmanos, Deus é o próprio autor do alcorão, enquanto, para os cristãos, a bíblia é inspirada por Deus, mas escrita por pessoas sob a influência de séculos de tradição oral. “Para os cristãos, à luz plena de Cristo, Deus é Amor (1 Jo 4, 8-16) – e puro Amor. Isto obriga os cristãos a corrigirem a leitura dessas violências como ligadas à redação humana e aos seus contextos históricos delimitados, e não a uma ‘redação de Deus’. O número de palavras nada tem a ver com os seus sentidos – e a visão de Deus é completamente diferente entre o alcorão e a bíblia”.
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Aleteia

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