quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A profecia esquecida de Joseph Ratzinger sobre o futuro da Igreja.


A renúncia do Papa Bento XVI suscitou na mídia e em boa parte dos fiéis, especulações acerca de profecias apocalípticas sobre o futuro da Igreja. Dentre elas, a que mais chamou a atenção foi a famosa “Profecia de São Malaquias” que, segundo a lenda, anunciava o fim da Igreja e do mundo ainda neste século.

Apesar dessas previsões catastróficas alimentarem a imaginação de inúmeras pessoas, a verdade é que elas carecem de fundamento e lógica, como já demonstraram vários teólogos, inclusive o estimado monge beneditino, Dom Estevão Bettencourt, na sua revista “Pergunte e Responderemos”.

Mas não é sobre a profecia de São Malaquias que queremos falar aqui. Nossa atenção, devido às circunstâncias, volta-se para as palavras do jovem teólogo da Baviera, Padre Joseph Ratzinger, proferidas há pouco mais de 40 anos, logo após o término do Concílio Vaticano II.

Em um contexto de crise de fé e revolução cultural, o então professor de teologia da Universidade de Tübingen via-se cada vez mais sozinho diante da postura marcadamente liberal de seus colegas teólogos, como por exemplo, Küng, Schillebeeckx e Rahner. Olhando também para os outros setores da Igreja, Padre Ratzinger via nos “sinais dos tempos” um presságio do processo de simplificação que o catolicismo teria de enfrentar nos anos seguintes.

Uma Igreja pequena, forçada a abandonar importantes lugares de culto e com menos influência na política. Esse era o perfil que a Igreja Católica viria a ter nos próximos anos, segundo Ratzinger. O futuro papa estava convencido de que a fé católica iria passar por um período similar ao do Iluminismo e da Revolução Francesa, época marcada por constantes martírios de cristãos e perseguições a padres e bispos que culminaram na prisão de Pio VI e sua morte no cárcere em 1799. A Igreja estava lutando contra uma força, cujo principal objetivo era aniquilá-la definitivamente, confiscando suas propriedades e dissolvendo ordens religiosas.

Apesar da aparente visão pessimista, o jovem Joseph Ratzinger também apresentava um balanço positivo da crise. O teólogo alemão afirmava que desse período resultaria uma Igreja mais simples e mais espiritual, na qual as pessoas poderiam encontrar respostas em meio ao caos de uma humanidade corrompida e sem Deus. Esses apontamentos feitos por Ratzinger faziam parte de uma série de cinco homilias radiofônicas, proferidas em 1969. Essas mensagens foram publicadas em livro sob o título de “Fé e Futuro”.

“A Igreja diminuirá de tamanho. Mas dessa provação sairá uma Igreja que terá extraído uma grande força do processo de simplificação que atravessou, da capacidade renovada de olhar para dentro de si. Porque os habitantes de um mundo rigorosamente planificado se sentirão indizivelmente sós. E descobrirão, então, a pequena comunidade de fiéis como algo completamente novo. Como uma esperança que lhes cabe, como uma resposta que sempre procuraram secretamente” 

Depois de 40 anos desses pronunciamentos, o já então papa Bento XVI não mudou de opinião. É o que pode-se concluir lendo um de seus discursos feitos para os trabalhadores católicos em Freiburg, durante viagem apostólica a Alemanha, em 2011.

Citando Madre Teresa de Calcutá, o Santo Padre constatava uma considerável “diminuição da prática religiosa” e “afastamento duma parte notável de batizados da vida da Igreja” nas últimas décadas. O Santo Padre se pergunta: “Porventura não deverá a Igreja mudar? Não deverá ela, nos seus serviços e nas suas estruturas, adaptar-se ao tempo presente, para chegar às pessoas de hoje que vivem em estado de busca e na dúvida?”.

O Papa alemão respondia que sim, a Igreja deveria mudar, mas essa mudança deveria partir do próprio eu.“Uma vez alguém instou a beata Madre Teresa a dizer qual seria, segundo ela, a primeira coisa a mudar na Igreja. A sua reposta foi: tu e eu!”, ensinou. Bento XVI pedia no discurso uma reforma da Igreja que se baseasse na sua “desmundanização”, corroborando o que explicou em outra ocasião a um jornalista, durante viagem ao Reino Unido, sobre como a Igreja deveria fazer para agradar o homem moderno.

Diria que uma Igreja que procura sobretudo ser atraente já estaria num caminho errado, porque a Igreja não trabalha para si, não trabalha para aumentar os próprios números e, assim, o próprio poder. A Igreja está a serviço de um Outro: não serve a si mesma, para ser um corpo forte, mas serve para tornar acessível o anúncio de Jesus Cristo, as grandes verdades e as grandes forças de amor, de reconciliação que apareceu nesta figura e que provém sempre da presença de Jesus Cristo. Neste sentido a Igreja não procura tornar-se atraente, mas deve ser transparente para Jesus Cristo e, na medida em que não é para si mesma, como corpo forte, poderosa no mundo, que pretende ter poder, mas faz-se simplesmente voz de um Outro, torna-se realmente transparência para a grande figura de Cristo e para as grandes verdades que Ele trouxe à humanidade”.

Esses textos ajudam-nos a entender os recentes fatos e interpretar os pedidos de reforma da Igreja pedidos por Bento XVI nos seus discursos pós-renúncia. De maneira alguma esses pedidos fazem referência a uma abertura da Igreja para exigências ideológicas do mundo moderno, como quiseram sugerir alguns jornalistas. Muito pelo contrário, o Papa fala de uma purificação da ação pastoral da Igreja diante do homem moderno, de forma que ela se livre dos ranços apregoados pelo modernismo. Trata-se de conservar a fiel doutrina de Cristo e apresentá-la de modo transparente e sem descontos. A Igreja enquanto tal é santa, imaculada. Mas seus membros carecem de uma constante conversão e é neste sentido que a reforma deve seguir. A Igreja precisa estar segura de sua própria identidade que está inserida na sua longa tradição de dois mil anos, caso contrário, toda reforma não passará de uma reforma inútil.
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Com. Shalom

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