quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A circuncisão do coração


A lei e a aliança foram totalmente mudadas. Primeiramente Deus substituiu o pacto com Adão por outro que estabeleceu com Noé; e ainda estabeleceu outro com Abraão, substituindo-o depois por um novo, feito com Moisés. Como a aliança mosaica não era observada, ao chegar a plenitude dos tempos, Deus firmou uma aliança que não seria mais mudada. Com efeito, a Adão Deus ordenara não comer da árvore da vida, a Noé dera o arco-íris, a Abraão, já escolhido por causa da sua fé, deu mais tarde a circuncisão, como sinal característico de seus descendentes; a Moisés deu o cordeiro pascal para ser imolado como propiciação pelo povo.

Todas essas alianças eram diferentes umas das outras. Mas a circuncisão que agrada ao autor de todas elas é aquela de que fala Jeremias: Circuncidai o vosso coração (Jr 4,4). Pois se o pacto estabelecido por Deus com Abraão foi firme, também este é firme e imutável e não seria possível estabelecer depois outra lei, seja por parte dos que estão fora da Lei ou dos que a ela estão submetidos.

O Senhor deu a lei a Moisés, com todas as suas observâncias e preceitos; como não cumpriram, anulou a lei e seus preceitos e prometeu fazer uma nova aliança, que seria, como disse, diferente da primeira, embora fosse um só o doador de ambas. E é esta a aliança que prometeu dar: Todos se reconhecerão, do menor ao maior deles (Jr 31,34). Nessa aliança não há mais a circuncisão da carne como sinal de pertença a seu povo.

Sabemos com certeza, caríssimos irmãos, que durante várias gerações Deus estabeleceu leis que estiveram em vigor enquanto foi de seu agrado, e que mais tarde caíram em desuso, como disse o Apóstolo: “No passado, o reino de Deus assumiu formas diversas, segundo os diversos tempos”.

O nosso Deus é veraz e os seus preceitos são fidelíssimos. Por isso, cada uma das alianças foi em seu tempo firme e verdadeira. Agora, os circuncisos de coração têm a vida por meio da nova circuncisão que se realiza no verdadeiro Jordão, isto é, por meio do batismo para a remissão dos pecados.

Josué, filho de Nun, com uma faca de pedra circuncidou o povo pela segunda vez, quando ele e seu povo atravessaram o rio Jordão. Jesus, nosso Salvador, circuncidou pela segunda vez, com a circuncisão do coração,os povos que nele creram purificados pelo batismo e circuncidados com a espada que é a palavra de Deus, mais cortante do que qualquer espada de dois gumes (Hb 4,12).

Josué, filho de Nun, introduziu o povo na terra da promissão; Jesus, nosso Salvador, prometeu a terra da vida a todos que atravessassem o Jordão, cressem nele e fossem circuncidados no coração.

Felizes, portanto, os que foram circuncidados em seu coração e renasceram das águas da segunda circuncisão! Estes receberão a herança prometida, juntamente com Abraão, guia fiel e pai de todos os povos, porque a sua fé lhe foi atribuída como justiça.


Das Demonstrações de Afraates, bispo

(Dem. 11, De circumcisione, 11-12:PS 1,498-503)             (Séc.IV)

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