quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Homilética: Solenidade do Natal do Senhor - Missa do Dia (25 de dezembro): "No visível, vemos a invisível glória de Deus".


Meus caros irmãos e irmãs, celebramos a festa do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.  Nasceu para nós o Salvador.  Sinal pleno de alegria. Sinal de paz e felicidade a todos quantos sentem no coração o eco alegre da mensagem da Noite Feliz que os anjos proclamam: “Glória a Deus nas alturas, e Paz na terra aos homens por ele amados” (Lc 2,14).

São João proclama de forma grandiosa que no início (cf. Gn 1,1) era a Palavra da criação (cf. Gn 1,3), e esta Palavra é aquele que veio ao mundo, mas o mundo não a acolheu (cf. Jo 1,5), aquele que se tornou carne como nós, mortal como nós (Jo 1,14). Mas exatamente nesta sua condição carnal, na sua doação até a morte, manifestou Ele a glória de Deus.  Jesus é a comunicação de Deus. É o permanente nascimento de Cristo na história, que vai renovando o mundo para que ele seja todo cristão.

O verbo de Deus, ou seja, a Palavra de Deus, veio como a luz no meio das trevas (v. 5), isto porque a humanidade estava caminhando no erro e no pecado e, com o nascimento de Cristo começa uma nova criação, surge um novo tempo. Contudo, esta luz não foi acolhida pacificamente no mundo.  A parte central do trecho do evangelho deste dia nos fala da luta dura, entre a luz vinda do céu e as trevas que continuam a envolver o mundo.  Trata-se das forças do mal que são os pecados e os erros que constituem as nossas trevas.

A missão de Jesus no mundo foi uma espécie de conflito entre a luz e as trevas, culminando no Getsêmani e na cruz. Por isso, o verbo “vencer” cabe bem neste contexto. A luz brilha nas trevas e as trevas não tinham o poder para vencê-la (v.5).  A luz luta contra as trevas continuará, até a plena vitória da luz, vitória garantida pela ressurreição de Cristo (cf. Jo 16,33).

Desde os tempos de Abraão e Moisés, Deus continua enviando seus mensageiros, mas o “mundo” continua rejeitando a Palavra de Deus. O evangelista São João indica que, na época de Jesus, tanto o império como a religião da época, ficaram fechados em si e não foram capazes de reconhecer e receber o Evangelho, que é a presença luminosa da Palavra de Deus.

O texto evangélico nos diz que a Palavra se fez carne, isto porque Deus não quer ficar longe de nós. Por isso, a sua Palavra chegou mais perto ainda e se fez presente no meio de nós na pessoa de Jesus. Literalmente o texto diz: “A Palavra se fez carne e montou sua tenda no meio de nós!”. No tempo do Êxodo, lá no deserto, Deus vivia numa tenda, no meio do povo (cf. Ex 25,8). Agora, a tenda onde Deus mora conosco é Jesus. Jesus veio revelar quem é este nosso Deus que está presente em tudo, desde o começo da criação.

Na noite de Natal, Jesus se fez Luz para iluminar os nossos caminhos.  Cristo vem trazer a luz também a nós, para que possamos sair da escuridão e das trevas.  Que esta luz de Cristo possa iluminar cada ser humano e fazer brilhar a esperança e a consolação especialmente para os que vivem nas trevas da miséria, da injustiça, do ódio, da desunião.  Jesus veio ao mundo para resgatar o ser humano do poder das trevas e reconduzi-lo à luz, mediante uma vida nova.


Peçamos a Maria, aquela que chamamos de Bem aventurada, porque acreditou nas palavras do Senhor, que ela interceda sempre por nós e nos faça sempre caminhar na estrada de Jesus, a única via iluminada pela luz do amor e da paz. Assim seja.

Comentário dos textos bíblicos

Leituras: Is 52,7-10; Hb 1,1-6; Jo 1,1-18

“No princípio” (Jo 1,1), assim começa o Evangelho segundo São João e assim inicia a leitura do texto evangélico da Missa do dia de hoje. Assim como o Antigo Testamento começa “no princípio” (Gn 1,1), assim também o Novo Testamento. É interessante observar que a Bíblia, que se abre com uma explicação do princípio de todas as coisas, termina desejando que a graça de Deus “esteja com todos” (Ap 22,21). E isso é possível pelo meio, ou seja, o princípio e o fim de tudo se encontram no meio. Mas esse meio já é o fim, o começo do fim.

O que foi dito anteriormente não é nenhum trava-línguas. Retornemos ao Evangelho, “no princípio”. Trata-se da eternidade de Deus, isto é, o Verbo de Deus já existia no princípio eterno. Como se sabe, o Filho de Deus teve dois nascimentos: um, na eternidade, do Pai; outro, no tempo, de Maria. O primeiro é um nascimento espiritual, pois o Filho é “Deus de Deus, luz de luz, Deus invisível de Deus invisível”. Também pertence à nossa fé cristã que o Filho de Deus foi “gerado, não criado”. Esse nascimento eterno é, como expressa a frase, sem passado e sem futuro, pois a eternidade de Deus é uma duração sempre presente e cheia de dinamismo. A nossa maneira de falar dessas coisas sempre é imperfeita, ainda que verdadeira: o Verbo de Deus, isto é, o Filho de Deus, nasceu, está nascendo e nascerá sempre do Pai. O Filho nasce do Pai eternamente.

O segundo nascimento do Filho é temporal, é o que nós estamos celebrando hoje (natal é nascimento): o Filho de Deus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, ao assumir carne humana nas entranhas puríssimas da Virgem Maria, depois de algum tempo, nasceu no tempo. Ele é Jesus Cristo, o ungido de Deus que é Deus conosco e que veio para salvar-nos, para estar conosco, para ser nosso amigo. No livro do Papa recém-publicado, Luz do mundo, Peter Seewald pergunta ao Papa se ele reza. E o Papa lhe responde: “a verdade é que eu tenho uma antiga amizade com Jesus”. É isso o que Jesus quer de nós, que sejamos os seus amigos.

O mistério da encarnação é essencial à fé cristã. De fato, uma pessoa não pode ser nem dizer-se cristã se não crê nesses dois mistérios: 1º) há um só Deus em três pessoas realmente distintas: Pai e Filho e Espírito Santo (mistério da Santíssima Trindade); 2º) a segunda Pessoa da Santíssima Trindade se fez carne (se encarnou = mistério da encarnação), se fez homem, e se chama Jesus Cristo. Encarnação e reencarnação são totalmente diferentes e irreconciliáveis. Encarnação é o mistério de Deus que se fez carne; reencarnação é uma crença muito antiga que afirma que uma parte do ser humano subsistiria depois da morte e se ligaria a outros corpos para conseguir determinados objetivos. A reencarnação é um dos pontos fundamentais do hinduísmo e do espiritismo. O cristianismo não aceita a reencarnação: “está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo” (Hb 9,27).

O mistério da encarnação é o meio da história e é, ao mesmo tempo, o princípio do fim. Jesus Cristo nasceu na “plenitude dos tempos” (Gl 4,4) sendo o meio e a plenitude da história. “Há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem” (1 Tm 2,5). Mediador entre Deus e os homens na sua humanidade, media também entre a história profana e a história religiosa. Em Jesus se une toda a história. Ele é o sentido da criação, da história e da vida dos seres humanos, ou seja, nada se entende sem o Cristo de Deus. Nele se unem o divino e o humano, o invisível e o visível, o espiritual e o material, o começo e o fim, você e eu. Estamos unidos em Cristo.

Agora entendemos por que esse desejo de que “a graça do Senhor Jesus esteja com todos” (Ap 22,21). Deus eterno (no princípio) veio para salvar-nos (no princípio temporal), para ser meio, ponte, mediador – a través da sua própria humanidade – de todas as mulheres e de todos os homens, de toda a criação. Esse Menino que está no presépio e que nós beijamos reverentemente e com grande afeto é Deus. “O Verbo que se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14) e se chama Jesus. Que a graça de Deus se expanda e encontre a todos nessas festas natalinas. Feliz Natal!

PARA REFLETIR

“Um Menino nasceu para nós: um Filho nos foi dado! O poder repousa nos seus ombros. Ele será chamado ‘Mensageiro do Conselho de Deus’”. Estas palavras, lidas na leitura da Missa da Noite, dão bem o sentido da presente celebração. Nasceu para nós um Menino; foi-nos dado um Filho! Vamos encontrá-lo pobrezinho e frágil, deitado na manjedoura, alimentado por uma Virgem Mãe, guardado por um pobre carpinteiro. Mas, quem é este Menino? Quem é este Filho? Agora, com o sol já claro e alto, podemos enxergar melhor o Mistério: meditemos bem sobre o que celebramos na noite de ontem para hoje, no que professamos neste dia tão santo!

Este menininho, a Escritura nos diz que ele é a Palavra eterna do Pai: esta Palavra “no princípio estava com Deus… e a Palavra era Deus”. Esta Palavra, que dorme agora no presépio, depois de ter mamado, é aquela Palavra poderosa pela qual tudo que existe foi feito, “e sem ela nada se fez de tudo que foi feito”. Esta Palavra tão potente, feita tão frágil, esta Palavra que sempre existiu e que nasceu na madrugada de hoje, esta Palavra que é Deus, feita agora recém-nascido, é a própria Vida, e esta Vida é a nossa luz, é a luz de toda humanidade. Fora dela, só há treva confusa e densa! Sim, fora do Deus feito homem, do Emanuel, não há vida verdadeira! O Autor da Carta aos Hebreus, na segunda leitura, diz que, após ter falado aos nossos pais de tantos modos, Deus, agora, falou-nos pessoalmente no seu Filho, “a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo”; somente a ele, o Pai disse: “tu és o meu Filho, eu hoje te gerei!” Por isso, somente eles nos dá o dom da vida do próprio Deus!

Eis o mistério da festa de hoje: nesta criancinha nascida para nós, Deus visitou o seu povo, Deus entrou na humanidade. Que mistério tão profundo: ele, sem deixar de ser Deus, tornou-se homem verdadeiramente. Deus se humanizou! Veio desposar a nossa condição humana, veio caminhar pelos nossos caminhos, veio experimentar a dor e a alegria de viver humanamente: amou com um coração humano, sonhou sonhos humanos, chorou lágrimas humanas, sentiu a angústia humana… Ele, Filho eterno do Pai, tornou-se filho dos homens para salvar toda a humanidade, “tornou-se de tal modo um de nós, que nós nos tornamos eternos!”

Ó criatura humana, por que temes com a vinda do Senhor? Ele não veio para julgar ninguém. Não nasceu para condenar. Por isso ele apareceu como criancinha e não como um rei potente; pode ser encontrado na manjedoura, não no trono. Seu chorinho é doce, não afugenta ninguém. Sua mãe enfeixou seus bracinhos frágeis: por que ainda temes? Ele não veio armado para punir. Ele está aí franzino para ficar junto de nós e nos libertar! Celebra, pois, a chegada do teu maior Amigo! Canta Aquele que foi sempre, no sono e na vigília, esperado e ansiado, o guarda de Israel, o consolo da humanidade, o alento do nosso coração. Ele chegou, finalmente! Chegou para nunca mais nos deixar, porque desposou para sempre a nossa pobre humanidade! São Jerônimo, com palavras cheias de ternura, medita sobre este mistério: “O Cristo não encontra lugar no Santo dos Santos, onde o ouro, as pedras preciosas, a seda e a prata reluziam: não, ele não nasce entre o ouro e as riquezas, mas nasce num estábulo, na lama dos nossos pecados. Ele nasce num estábulo para reerguer os que jazem no meio do estrume: ‘Ele retira o pobre do estrume’. Que todos os pobres encontrem nisso consolo! Não havia outro lugar para o nascimento do Senhor, a não ser um estábulo; um estábulo onde se achavam amarrados bois e burros! Ah! Se me fosse dado ver este estábulo onde Deus repousou! Na realidade, pensamos honrar o Cristo retirando o presépio de palha e substituindo-o por um de prata… Para mim tem mais valor justamente o que foi retirado: o paganismo merece prata e ouro. A fé cristã merece o estábulo de palha. Pois bem! Ouvimos a criança choramingar no estábulo: adoremo-la, todos nós, no dia de hoje. Ergamo-la em nossos braços, adoremos o Filho de Deus. Um Deus poderoso, que por longo tempo, bradou alto dos céus e não salvou ninguém: agora choramingou e salvou. A elevação jamais salva; o que salva é a humildade! O Filho de Deus estava no céu, e não era adorado; desce à terra e passa a ser adorado. Mantinha sob seu domínio o sol, a lua, os anjos, e não era adorado; nasce na terra, homem, homem completo, integralmente homem, a fim de curar a terra inteira. Tudo o que não assumisse de humano, também não salvaria…”

É este o mistério do Santo Natal! Tenhamos o cuidado de não parar nas aparências, de não ficarmos somente na meiga cena do Menino, com a Virgem e são José! Este Menino é o Emanuel, o Deus-conosco! Este Menino veio como sinal de contradição, pois diante dele ninguém pode ser indiferente: ou se o acolhe, ou se o rejeita: “A Palavra estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não quis conhece-la. Veio para o que era seu, e os seus não a acolheram. Mas, a todos os que a acolheram, deram a capacidade de se tornarem filhos de Deus…” Pois bem: acolhamo-la, a Palavra que se fez Menino, Filho que nos foi dado! Se o acolhermos de verdade, na pobreza do dia-a-dia, no esforço de uma vida santa, então poderemos cantar com o salmista: “Cantai ao Senhor Deus um canto novo, porque ele fez prodígios! O Senhor fez conhecer a salvação, e às nações, sua justiça. Os confins do universo contemplaram a salvação do nosso Deus. Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira, alegrai-vos e exultai!”


Vamos todos! Sejamos testemunhas da graça deste dia, da novidade desta festa. E cumpram-se em nós as palavras da Escritura na leitura da missa de hoje: “Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação e diz a Sião: o teu Deus reina! O Senhor consolou o seu povo! O Senhor desnudou seu santo braço aos olhos de todas as nações; todos os confins da terra hão dever a salvação que vem do nosso Deus”. Sejamos mensageiros dessa paz, dessa boa nova, sejamos testemunhas do Menino, irradiemos a graça do Santo Natal! Amém.

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