quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Homilética: Sagrada Família - Ano C: “O menino crescia cheio de sabedoria e graça diante de Deus e diante dos homens”.


As leituras deste domingo complementam-se ao apresentar as duas coordenadas fundamentais a partir das quais se deve construir a família cristã: o amor a Deus e o amor aos outros, sobretudo a esses que estão mais perto de nós – os pais e demais familiares.

O Evangelho sublinha, sobretudo, a dimensão do amor a Deus: o projeto de Deus tem de ser a prioridade de qualquer cristão, a exigência fundamental, a que todas as outras se devem submeter. A família cristã constrói-se no respeito absoluto pelo projeto que Deus tem para cada pessoa.

A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos de todos os que vivem “em Cristo” e aceitaram ser Homem Novo. Esse amor deve atingir, de forma mais especial, todos os que conosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em determinadas atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.

A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais. É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.

Os textos de hoje acentuam as relações familiares. Estas devem estar fundamentadas no amor que vem de Deus, para que a família possa realmente ser comunidade onde cada um é amado e respeitado. Fundamental para a própria sociedade, a família assim alicerçada contribui de modo essencial para a harmonia e a construção da vida humana. 

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Textos: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Lc 2,41-52

Caros irmãos e irmãs, neste primeiro domingo depois da celebração do Natal, a liturgia nos convida a celebrar a festa da Sagrada Família de Nazaré. Deus quis nascer em uma família humana, quis ter uma mãe e um pai, como nós. Com isto, a Igreja nos propõe a família de Jesus como exemplo e modelo para as nossas famílias.

O texto evangélico nos apresenta Nossa Senhora e São José no momento em que, quarenta dias depois do nascimento de Jesus, levam o filho a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor (v. 23), em conformidade com a Lei de Moisés, e oferecem por ele “um par de rolas ou duas pombinhas” (Lc 2,24).O oferecer aos deuses os primogênitos é um costume cananeu que consistia na apresentação da criança no Templo, onde a mãe oferecia um ritual de purificação (cf. Lv 12,2-8).

A cena da apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém apresenta uma catequese bem amadurecida e bem refletida, que procura dizer quem é Jesus e qual a sua missão no mundo. Antes de mais, o autor sublinha a fidelidade da família de Jesus à Lei do Senhor (v. 22.23.24), como se quisesse deixar claro que Jesus, desde o início da sua vida entre nós, viveu na fidelidade aos mandamentos e aos projetos do Pai.

No Templo, dois personagens acolhem Jesus: Simeão e Ana. As palavras e os gestos de Simeão são particularmente sugestivos. Simeão toma Jesus nos braços e o apresenta ao mundo, ao mesmo tempo em que o define como “a salvação” que Deus quer oferecer “a todos os povos”, “luz para se revelar às nações e glória de Israel” (v. 28-32).  E Ana,ao reconhecer em Jesus a salvação anunciada por Deus, “falava do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (v. 38). Jesus é reconhecido como o Messias tão longamente esperado, aquele que é “luz das nações” e “glória de Israel”.Nas figuras de Ana e Simeão, o texto bíblico nos propõe também o exemplo de dois anciãos de olhos postos no futuro, capazes de perceber os sinais de Deus e de testemunhar a sua presença no meio dos homens.

Lançando um olhar para a primeira leitura deste domingo, encontramos de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais. O livro do Eclesiástico, de onde foi extraída a primeira leitura, é um livro sapiencial e que pretende apresentar uma reflexão sobre a arte de viver bem e ser feliz.  O texto apresenta uma série de indicações que os filhos devem observar nas relações com os seus pais.  Uma palavra sobressai no texto: o verbo “honrar”, que, por sua vez nos faz lembrar do quarto mandamento da Lei de Deus (cf. Ex 20,12). Honrar uma pessoa quer dizer “dar glória” a ela; é certificar a sua importância; “dar glória aos pais” é reconhecer que eles são a fonte, através da qual Deus nos dá a vida e isso deve conduzir à gratidão; e essa gratidão tem consequências a nível prático. Implica ampará-los na sua velhice e não os desprezar nem abandonar; implica assisti-los materialmente em suas necessidades.

É natural que, por trás destas indicações aos filhos, esteja também a preocupação com os valores tradicionais, valores que os mais antigos preservam e que passam aos jovens. Como recompensa desta atitude de “honrar” os pais o texto promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus.

Desde o princípio, o matrimônio e a família estão ordenados para o bem dos esposos e para a procriação e educação dos filhos. O amor dos esposos e a geração dos filhos estabelecem entre os membros de uma mesma família, relações pessoais e responsabilidades primordiais. Um homem e uma mulher, unidos em matrimônio, formam com os seus filhos, uma família.  Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a da sua constituição fundamental (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2201-2203).

O Concílio Vaticano II frisa que o “papel dos pais na educação dos filhos é de tal importância que é impossível substituí-los” (CONCÍLIO VATICANO II, Declaração “Gravissimum Educationis”, 3). O direito e o dever da educação dos filhos são primordiais e inalienáveis para os pais (cf. S. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica “Familiaris Consortio”, n. 36). Os pais devem olhar para os seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como pessoas humanas. Cabe a eles educar os seus filhos no cumprimento da lei de Deus, na medida em que eles próprios se mostrarem como testemunhas para os seus filhos. Testemunham esta responsabilidade pela edificação de um lar onde são regra a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado.

A segunda leitura traz exortações à comunidade cristã e uma orientação para os relacionamentos familiares. A primeira parte, exortativa, põe a ênfase no amor fraterno. O acento está na reciprocidade do amor e em suas manifestações concretas: bondade, compaixão, humildade, mansidão, longanimidade, um elenco de virtudes que exigem grande empenho pessoal (v. 12).

Nessa história, o amor conhece os limites das pessoas e dos relacionamentos humanos. Por isso, faz parte do amor suportar-se mutuamente e perdoar. Também aqui o motivo é transcendente: perdoar como o Senhor perdoou (v. 13). E, assim, o amor supera qualquer expectativa e constitui a união máxima entre seres por vezes tão diferentes. É ele que mantém a comunidade unida e a leva à perfeição (v. 14). A paz, que é dom de Cristo, surge então como consequência dessa vivência recíproca do amor. Sendo Deus a fonte de todo amor, cabe ao cristão, que vive nesse amor, agradecer a Deus (v. 15). Se é assim, na comunidade os membros se edificam mutuamente: pela instrução mútua; pela celebração em conjunto (salmos, hinos, cânticos), em ação de graças. Tudo isso transborda no falar e no agir, que têm sempre sua origem no Senhor e são feitos por causa dele (v. 16-17).

A família, parte da comunidade cristã, já deve viver aqueles valores expressos nas exortações dos v. 12-17. Dessa maneira, se a mulher devia estar subordinada ao marido, isso se deveria dar “como convém no Senhor” e não segundo um modelo social qualquer. De forma paralela, também os maridos devem “amar suas esposas”, um modo de falar que não era tão comum na época – e, mais, com o amor cristão delineado nos v. 12-15. A mesma relação de amor recíproco deve permear o relacionamento entre pais e filhos (v. 20-21).

O homem e a mulher, criados à imagem de Deus, tornam-se no matrimônio “uma única carne” (Gn 2,24), isto é, uma comunhão de amor que gera vida nova. Por isto, Os cônjuges devem ser um para o outro e para os filhos testemunhas da fé e do amor de Cristo. A obediência aos pais cessa com a emancipação: mas não o respeito que sempre lhes é devido (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2117).O respeito favorece a harmonia de toda a vida familiar; engloba também as relações entre irmãos e irmãs. O respeito pelos pais deve impregnar todo o ambiente familiar.E São Paulo exorta: “Suportai-vos uns aos outros na caridade, com toda a humildade, mansidão e paciência” (Ef 4, 2).

Assim, são eles os primeiros educadores da fé, mediante a palavra e o exemplo.  Quando os filhos podem ver em seus pais o amor mútuo, plena honradez e sinceridade, compreendem que podem contar com os seus pais como verdadeiros amigos e companheiros.  É neste contexto que os pais podem educar com seu exemplo e a sua palavra na transmissão de valores básicos e permanentes, tantos humanos como cristãos, tais como a honradez, a fé, a oração, a verdade, a justiça, o amor e o serviço.

A família cristã transmite a fé, quando os pais ensinam os filhos a rezar e rezam com eles. (cf. S. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica “Familiaris consortio”, n. 60); quando os aproximam dos sacramentos e os vão introduzindo na vida da Igreja; quando todos se reúnem para ler a Sagrada Escritura, iluminando a vida familiar à luz da fé.

A solenidade da Sagrada Família é uma festa que incentiva a aprofundar o amor familiar, examinar a situação do próprio lar e buscar soluções que ajudem o pai, a mãe e os filhos a serem cada vez mais como a Família de Nazaré.  Família é o lugar onde deve reinar a unidade de todos, pois onde há amor, também há compreensão e perdão.  Cada família cristã deve ser um lugar privilegiado onde se experimenta cada dia a alegria do perdão. O perdão é a essência do amor, que sabe compreender o erro e pôr-lhe remédio. É no seio da família que as pessoas são educadas para o perdão, porque é neste ambiente familiar que deve haver a compreensão e o amparo, mesmo diante dos erros que se possam cometer.

Peçamos a intercessão da Sagrada Família de Nazaré por todas as famílias, a fim de que possam viver na fé, na concórdia, na ajuda recíproca; para que cumpram com dignidade e serenidade a missão que Deus lhes confiou. Assim seja.

PARA REFLETIR

A quadra natalícia é, talvez, a ocasião em que mais se fala da família. Por isso, neste domingo, a liturgia da Igreja celebra a festa da Sagrada Família: Jesus, Maria e José. A Sagrada Família de Nazaré é o modelo para todas as famílias. Todas as leituras bíblicas deste domingo traçam um programa para viver em família, segundo a vontade de Deus.

Sabemos muito pouco sobre a infância de Jesus. Porém, sabemos que o Filho de Deus nasceu e viveu numa família, experimentou as alegrias, as preocupações, os êxitos e os fracassos da nossa vida humana. Nasceu e viveu numa família pobre, trabalhadora, que viveu momentos de paz e de serenidade, mas também momentos de problemas econômicos, de emigração, de perseguição, de solidão e de morte, como acontece em tantas famílias. Devemos contemplar a família de Nazaré com muito respeito, porque Deus quis nascer numa família humana que continua a ser o modelo para todas as famílias: uma família de fé em Deus, forte diante das dificuldades, cumpridora das leis civis e da vontade de Deus. Como era a relação de José e de Maria? De certeza tratavam-se com muita delicadeza, ternura e respeito. Como Jesus se relacionaria com José e Maria? De certeza que os amava muito e lhes obedecia.

As leituras bíblicas deste domingo traçam-nos um programa de vida para todas as famílias. De certeza que acabariam ou diminuiriam as separações, os divórcios, a violência doméstica, a falta de respeito, as crianças abandonadas, as más companhias e os avós esquecidos ou “despejados” num Lar, se os conselhos da primeira leitura de Ben-Sirá fossem postos em prática: os filhos respeitarem os seus pais, cuidando deles, sobretudo, na velhice, não lhes causando tristezas, mas tratando-os com paciência, não os abandonando porque já estão velhos ou doentes. A estes conselhos, acrescentamos os de S. Paulo aos Colossenses, na segunda leitura: “revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão e de paciência. Suportai-vos uns aos outros na caridade e perdoai-vos mutuamente. Reine em vossos corações a paz de Cristo”. Tudo isto se resume numa palavra: amor. A festa da Sagrada Família não nos dá soluções técnicas e econômicas para a vida familiar, mas oferece-nos a possibilidade de recordar e de refletir os valores e sentimentos que devem reinar numa família.

Diz a Bíblia que a coisa mais linda que Deus criou foi a família. Criou o homem e a mulher e entregou-lhes tudo, entregou-lhes o mundo! Cresçam, multipliquem-se, cultivem a terra, façam-na crescer! Tudo o que Deus criou com amor, entregou a uma família. E uma família é realmente família, quando é capaz de abrir os braços e receber todo este amor. Se assim é, a Igreja não pode fechar os olhos à família. Temos de descobrir novas maneiras de nos aproximarmos das famílias, uma proximidade contagiante, cheia de ternura e de exigência, tanto nas alegrias como nas tristezas. Será que as nossas famílias entendem o plano de Deus para elas? O que a Igreja deve fazer pelas famílias? Como ajudar as famílias feridas e que sofrem o fracasso do casamento, a pobreza, a emigração, a solidão, a morte repentina de um dos membros, o inferno que existe tantas vezes dentro de quatro paredes? Há tanto que fazer, não tapemos os olhos, nem nos desculpemos com “isso não é connosco”!

Que as nossas famílias sejam escolas de amor a Deus e aos outros. O que fazer? Não precisamos de teorias, mas da pedagogia do exemplo, recheada de amor e de afetividade. Que as nossas famílias sejam escolas de generosidade, de misericórdia e de gratidão, onde se aprende a dar sem estar à espera de receber. Dar amor, dar apoio, dar confiança, dar perdão, dar respeito, dar uma nova oportunidade, dar mimo. Só assim cada membro de uma família crescerá “em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens”.

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