quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Em voo, Papa fala sobre embargo a Cuba e comunismo


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
A CUBA, AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
E VISITA À SEDE DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
(19-28 DE SETEMBRO DE 2015)

ENTREVISTA COM O SANTO PADRE
DURANTE O VOO DE SANTIAGO DE CUBA A WASHINGTON D.C.

Terça-feira, 22 de Setembro de 2015


(Padre Lombardi)

Santo Padre, obrigado por estar aqui connosco neste voo intermédio: assim podemos ter uma conversa consigo para reflectir um pouco sobre esta primeira etapa da viagem a Cuba, que foi muito bela e exigente.

Temos uma lista com alguns colegas que prepararam perguntas. Estas serão feitas em espanhol ou italiano, e peço-lhe que responda em espanhol à nossa amiga cubana, que será a primeira a intervir; mas outros pediam se era possível usar também o italiano, porque, em geral, compreendem-no melhor. [...] Quanto ao guarani, desta vez deixamo-lo de lado...

A primeira pergunta será feita pela nossa amiga Rosa Miriam Elizalde, que é de «Cubadebate»

(Rosa Miriam Elizalde)

Obrigado! Santidade, foi verdadeiramente uma honra e um prazer acompanhá-lo nesta viagem e também uma grande alegria. Acho que a minha pergunta possa ser um pouco previsível: gostaria de saber os seus critérios acerca do embargo dos Estados Unidos a Cuba e se vai falar disso perante o Congresso dos Estados Unidos.

(Papa Francisco)

A questão do «bloqueio» [embargo] faz parte das negociações. Isto é público: ambos os Presidentes se referiram a isto. Por isso, é de público domínio, e coloca-se na linha das boas relações que se estão a procurar. O meu desejo é que nisso se chegue a um bom resultado, se chegue a um acordo que satisfaça as partes. Um acordo, é claro. Quanto à posição da Santa Sé a respeito dos «bloqueios» [embargos], os Papas anteriores falaram, e não só deste caso, mas também doutros casos de «bloqueio» [embargo]. Há uma doutrina social da Igreja a este respeito e eu refiro-me a ela, que é clara e justa. Relativamente ao Congresso dos Estados Unidos, já fiz o discurso, mas não posso revelá-lo. Estou a pensar naquilo que gostava de te dizer a propósito: não especificamente sobre esta questão, mas em geral sobre a questão dos acordos bilaterais e multilaterais, como sinal do progresso na convivência. Este ponto concreto – se bem recordo, mas não quero errar – não é mencionado, quase de certeza que não.

(Padre Lombardi)

Agora vamos dar a palavra a outra Rosa. Começamos com duas senhoras que se chamam Rosa: é um bom augúrio. Rosa Flores da CNN: passo a ela a palavra. Possivelmente farás a pergunta em italiano… ou em espanhol? O Papa responde-nos em italiano.

(Rosa Flores)

Santo Padre, boa tarde. Sou Rosa Flores da CNN. Ouvimos dizer que foram presos mais de 50 dissidentes fora da Nunciatura, porque tentavam ter um encontro consigo. A primeira pergunta é: Gostaria de encontrar os dissidentes? E, se tal encontro tivesse lugar, que lhes diria? 

(Papa Francisco)

Antes de mais nada, não tenho notícias de que isso tenha sucedido: não tenho notícia alguma. Alguém poderia dizer: sim, não, não sei... Diretamente eu não sei. As suas duas perguntas são futuríveis... Gostaria que acontecesse. Apraz-me encontrar toda a gente. Em primeiro lugar, porque considero que todas as pessoas são filhas de Deus, por direito. Em segundo lugar, o encontro com uma pessoa sempre enriquece. Sim, gostaria de me encontrar com eles. Se a senhora deseja que lhe fale ainda dos dissidentes, posso dizer-lhe algo de muito concreto. Primeiro, estava bem claro que eu não teria dado qualquer audiência, porque pediram audiência não só os dissidentes, mas também pessoas de outros sectores, incluindo vários chefes de Estado. Não; estou a visitar o país, e só isso. Não estava prevista qualquer audiência: nem com os dissidentes, nem com outros. Segundo: a Nunciatura fez telefonemas para algumas pessoas, que fazem parte deste grupo de dissidentes... A missão do Núncio era comunicar-lhes que, à minha chegada à catedral para o encontro com os consagrados, teria com prazer saudado aqueles que lá estivessem. Uma saudação. Isto sim, é verdade... Mas, visto que ninguém se apresentou na saudação, não sei se estavam lá ou não. Eu saudei todos aqueles que estavam lá. Sobretudo saudei os doentes, aqueles que estavam em cadeira de rodas... Mas ninguém se identificou como dissidente. Da Nunciatura, foram feitas algumas chamadas convidando-os para uma saudação de passagem…

(Rosa Flores)

Mas que lhes diria?

(Papa Francisco)

Não sei que lhes diria… Eu diria coisas bonitas a todo o mundo, mas aquilo que uma pessoa diz vem-lhe na hora.

(Padre Lombardi)

Agora temos Silvia Poggioli, do National Public Radio, que é uma grande rádio dos Estados Unidos.

(Silvia Poggioli)

Desculpe, mas gostava de lhe perguntar: Nas décadas em que Fidel Castro esteve no poder, a Igreja Católica cubana sofreu muito. Santidade, no seu encontro com Fidel, teve a percepção de que ele pudesse estar um pouco arrependido?

(Papa Francisco)

O arrependimento é uma coisa muito íntima, uma coisa de consciência. No encontro com Fidel, falei de histórias de jesuítas conhecidos, porque lhe levei de presente também um livro do Padre Llorente, muito amigo dele, um jesuíta, e ainda um CD com as conferências do Padre Llorente; ofereci-lhe também dois livros do Padre Pronzato que ele certamente apreciará. Conversamos destas coisas. Falamos muito da encíclica Laudato si’, porque nutre grande interesse por este tema da ecologia. Foi um encontro mais espontâneo que formal; estava presente também a família, e ainda os que me acompanhavam, o meu motorista; estando nós um pouco aparte, com a esposa e ele, os outros não podiam ouvir, mas estavam na mesma sala. Conversamos destas coisas. Sobre a encíclica, muito; porque ele está muito preocupado com isso. Do passado, não falamos. Bem, um pouco do passado sim: do colégio dos jesuítas, de como eram os jesuítas, de como o faziam trabalhar. De tudo isso, sim.

(Padre Lombardi)

Agora damos a palavra a Gian Guido Vecchi, que acho que Vossa Santidade conhece, do jornal italiano «Corriere della Sera»:

(Gian Guido Vecchi)

Santidade, as suas reflexões, e mesmo as suas denúncias, acerca da iniquidade do sistema económico mundial, o risco de autodestruição do planeta, o tráfico de armas, são denúncias também incómodas, no sentido que tocam interesses muito fortes. Nas vésperas desta viagem, surgiram considerações bastante bizarras – inclusivamente retomadas por mass-media muito importantes do mundo – vindas de sectores da sociedade americana, que chegavam mesmo a interrogar-se se o Papa seria católico... Já tinham havido discussões daqueles que falavam do «Papa comunista»; mas agora perguntam-se: «O Papa será católico?». Diante destas considerações, Santidade que pensa?

(Papa Francisco)

Um Cardeal amigo contou-me que foi ter com ele uma senhora, muito preocupada – senhora muito católica, um pouco rígida, mas boa, boa católica – e perguntou-lhe se era verdade que, na Bíblia, se falava de um anticristo. E ele explicou-lhe que aparecia no próprio Apocalipse, não é? E, depois: se era verdade que se falava de um antipapa... «Mas por que me faz esta pergunta?» - quis saber o Cardeal. «É que eu tenho a certeza de que o Papa Francis é o antipapa». «E porquê – pergunta-lhe ele –, por  que tem essa ideia?». «Porque não usa os sapatos vermelhos!» Assim mesmo, é histórico... Vamos lá saber as razões que alguém tem para pensar se uma pessoa é comunista, ou não o é... Estou certo de que não disse nada além do que está na Doutrina Social da Igreja. No outro voo [de regresso da viagem à América Latina], uma colega sua – não sei se está aqui; se sim, que me corrija –, referindo-se a quando eu fui falar aos movimentos populares, disse: «Vossa Santidade estendeu a mão a este Movimento popular – disse ela mais ou menos assim –, mas a Igreja segui-lo-á?» E eu disse: «Sou eu que sigo a Igreja». E, nisto, creio que não erro, creio que não disse nada que não esteja na Doutrina Social da Igreja. As coisas podem ser explicadas. É possível que alguma explicação tenha dado a impressão de ser um pouquinho mais «esquerdista», mas seria um erro de explicação. Não. A minha doutrina na Laudato si’, sobre tudo isso, sobre o imperialismo econômico e tudo o mais, é da Doutrina Social da Igreja. E, se for necessário que recite o «Credo», estou disposto a fazê-lo.

(Padre Lombardi)

Passamos a palavra a Jean-Louis de la Vaissiere, que é da agência «France Presse»:

(Jean-Louis de la Vaissiere)

Boa tarde, Santo Padre. Obrigado por esta viagem: sempre interessante. Na última viagem à América Latina, criticou duramente o sistema capitalista liberal. Em Cuba, parece que as suas críticas do sistema comunista não tenham sido tão severas; eram muito mais «suaves». Porquê estas diferenças?

(Papa Francisco)

Nos discursos que fiz em Cuba, sempre acenei à Doutrina Social da Igreja. As coisas que se devem corrigir, disse-as claramente, não com água-de-colónia, suavemente. E relativamente à primeira parte da sua pergunta: aquilo que disse duramente é o que escrevi na Encíclica, e também na Evangelii gaudium, sobre o capitalismo selvagem ou liberal… tudo o que disse está escrito lá. Não me lembro de ter dito nada mais do que aquilo. Não sei! Se o senhor se lembrar, ajude-me a recordá-lo... Eu disse aquilo que escrevi, que é o suficiente! É suficiente, é suficiente. E depois é quase o mesmo que disse à sua colega: tudo isto está na Doutrina Social da Igreja. Mas a viagem aqui em Cuba – talvez isto possa esclarecer um pouco a sua pergunta – foi uma viagem muito pastoral com a comunidade católica, com os cristãos, mesmo com as pessoas de boa vontade e, por isso, as minhas intervenções foram homilias... Mesmo com os jovens – que eram jovens crentes e não-crentes, e, entre os crentes, havia jovens de diferentes religiões – foi um discurso de esperança, até de encorajamento ao diálogo entre eles, a caminhar juntos, a buscar as coisas que nos irmanam e não as que nos dividem, a fazer pontes... Foi uma linguagem mais pastoral. Diversamente, na Encíclica deviam-se tratar coisas mais técnicas, e também aquelas que o senhor mencionou. Mas, se o senhor se lembrar de algo mais forte que eu disse na outra viagem, diga-me qual foi, porque verdadeiramente não me lembro.

(Padre Lombardi)

Agora vamos dar a palavra a um nosso velho amigo, que é Nelson Castro, da «Rádio Continental», que vem da Argentina...

(Papa Francisco)

...que é um bom médico...

(Nelson Castro)

Boa tarde, Santo Padre. A minha pergunta volta ao tema da dissidência, com dois aspectos: Por que foi decidido não receber os dissidentes? E, segundo, houve um que se aproximou de Vossa Santidade e que foi afastado e preso... A pergunta é: terá a Igreja Católica um papel a cumprir na busca duma abertura às liberdades políticas, visto o papel que desempenhou também no restabelecimento das relações entre Cuba e os Estados Unidos? Trata-se do tema das liberdades, que é um problema para aqueles que pensam de forma diferente em Cuba. Será um papel que a Santa Sé pensa para a Igreja Católica no futuro de Cuba?

(Papa Francisco)

Antes de mais nada: «os dissidentes»; «por que não os receber». Não recebi ninguém em audiência privada. E isto, valeu para todos. E havia mesmo um chefe de Estado que a pedia... Digo-vos: Não, eu não tive nada a ver com os dissidentes. O comportamento com os dissidentes foi o que eu já vos expliquei. A Igreja daqui, a Igreja de Cuba trabalhou para haver uma lista de prisioneiros a quem conceder o indulto... O indulto foi concedido a cerca de 3.500... Foi o Presidente da Conferência Episcopal que me disse o número: sim, mais de três mil. E ainda há casos em estudo. E a Igreja aqui em Cuba está a trabalhar para se conseguir indultos. Por exemplo, houve alguém que me disse: «Seria bom acabar com o ergástulo, ou seja, a prisão perpétua». Falando claramente, o ergástulo é quase uma pena de morte escondida. Isto disse-o eu publicamente num discurso aos juristas europeus. Tu estás ali, a morrer dia após dia sem a esperança da libertação. É uma hipótese. Outra hipótese é fazer indultos gerais cada ano ou de dois em dois anos... Mas a Igreja está a trabalhar, e trabalhou... Não digo que estes mais de três mil foram libertados pelas listas da Igreja, isso não. A Igreja fez uma lista – não sei de quantas pessoas –, pediu oficialmente indultos e vai continuar a fazê-lo.

(Padre Lombardi)

O último da nossa lista para esta conferência é Rogelio Mora, de «Telemundo»:

(Rogelio Mora)

Santo Padre, um médico visita um doente, não um são. Em menos de 20 anos, três Papas visitaram Cuba. Cuba sofre de algum mal?

(Papa Francisco)

Não entendo a pergunta.

(Rogelio Mora)

Pergunto se a visita de três Papas, em menos de 20 anos, à Ilha de Cuba se possa interpretar como se houvesse uma enfermidade na Ilha, que a Ilha está a sofrer de qualquer coisa...

(Papa Francisco)

Agora te entendi... Não, não. O primeiro foi João Paulo II: a primeira visita histórica. Mas era normal: ele visitou tantos países, incluindo países agressivos para com a Igreja. O segundo foi o Papa Bento: bem, entrava na normalidade... E a minha foi um pouco casual, porque eu pensava entrar nos Estados Unidos passando pelo México; inicialmente, a primeira ideia era Ciudad Juarez, na fronteira do México... Mas ir ao México sem visitar a «Guadalupana» [Nossa Senhora de Guadalupe] teria sido uma ofensa! Mas são coisas passadas... Depois, com o anúncio feito em 17 de Dezembro do ano passado, quando foi anunciado o que estava ainda mais ou menos reservado, temos um processo de quase um ano... E então disse: quero ir aos Estados Unidos passando por Cuba. Escolhi-a por este motivo; e não por ter um mal especial, que outros países não têm. Eu não interpretaria assim as três visitas. Há vários países que os dois Papas anteriores visitaram, e alguns desses também eu os visitei: por exemplo, o Brasil, João Paulo II visitou-o três ou quatro vezes, e não tinha «um mal especial». Estou contente por me ter encontrado com o povo cubano, a comunidade cristã cubana. Hoje o encontro com as famílias foi muito belo. Foi muito belo.

Desde já vos agradeço pelo trabalho que vos espera. Vai ser exigente, porque se trata de três cidades... Eram 24 discursos e, em Cuba, fiz oito... Muito obrigado pelo vosso trabalho. E rezai por mim!

(Padre Lombardi)

Muito obrigado, Santidade,… verdadeiramente. E fazemos-lhe os melhores votos, porque se nós temos de trabalhar, Vossa Santidade tem ainda mais do que nós. Por conseguinte, fazemos-lhe os nossos melhores votos e continuaremos a colaborar como comunicadores, para que aquilo que diz possa servir verdadeiramente para toda a humanidade e para a paz, como Vossa Santidade nos dizia ao início. Obrigado!
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Santa Sé

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