terça-feira, 4 de agosto de 2015

Homilética: 19º Domingo Comum - Ano B: "A Força da Eucaristia".


A liturgia do 19º Domingo do Tempo Comum dá-nos conta, uma vez mais, da preocupação de Deus em oferecer aos homens o «pão» da vida plena e definitiva. Por outro lado, convida os homens a prescindirem do orgulho e da auto-suficiência e a acolherem, com reconhecimento e gratidão, os dons de Deus.

O alimento e a água dados por Deus ao profeta Elias, que lhe restauram as forças e o sustentam na longa caminhada até a Montanha de Deus, são transparentes figuras da eucaristia e do batismo, que dão a vida eterna e sustentam o cristão no caminho para Deus.

Jesus está no céu com o seu Corpo glorioso; também está na terra de várias maneiras, mas a maneira mais especial, mais bonita e mais misteriosa é esta: a Eucaristia. E Eucaristia quer dizer ação de graças. Que momento tão belo! Por isso, depois da comunhão temos o costume de dar graças a Deus, dizer-lhe o nosso muito obrigado. Quando os pais veem os seus filhos pouco agradecidos depois de receberem presentes, costumam lembrá-los: “como é que se diz, filho?” Então a criança, meio tímida, diz ao seu benfeitor: “muito obrigado”. É preciso ser agradecidos. Deus é tão bom!

Na verdade, para um momento tão especial como este, devemos estar atentos aos detalhes. No entanto, o mais importante é que nos aproximemos da Hóstia Santa e a tomemos em nossa boca tão somente se estamos em estado de graça, isto é, se não cometemos nenhum pecado mortal (= grave) desde a última confissão bem feita. Também é importante, e a Igreja assim o exige, que, uma hora antes da comunhão, nada comamos ou bebamos (com exceção de água e remédios). Logicamente, há causas graves que dispensam da obrigação de guardar o assim chamado jejum eucarístico.

Quanto aos detalhes que devemos guardar com relação à Hóstia Santa que vamos receber, é questão de amor! A comunhão será tanto mais frutuosa quanto mais amor houver. Quem deseja comungar e vai se preparando para esse momento durante as horas que antecedem a Santa Missa, entrará numa profunda e íntima comunhão com o Senhor do céu e da terra, Jesus Cristo. Quem, depois de comungar, agradece a Deus por que ele veio à sua alma e por todos os dons que lhe concede, está abrindo o coração para receber novas graças. Deus se deixa atrair por uma pessoa agradecida. É verdade que às vezes podemos ficar um pouco perdidos depois da Comunhão, sem saber direito o que dizer ao Senhor: basta que queiramos dar-lhe graças e nos mantenhamos recolhidos deixando que flua o diálogo com Deus. Também podemos utilizar aqueles livros que contêm orações para facilitar a nossa ação de graças: enquanto recitamos tais orações vocais, o nosso coração vai acompanhando o que elas significam e vamos fazendo nossas as palavras que lemos.

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Textos: 1Rs 19,4-8; Ef 4,30-5,2; Jo 6,41-51

Meus caros irmãos,  a primeira leitura (1Rs 19, 4-8) fala do Profeta Elias que para se salvar do furor da rainha Jezebel, foge para o deserto. Durante a longa e difícil viagem, sentiu-se cansado e quis morrer. “Agora basta, Senhor! Tira minha vida, porque eu não sou melhor do que os meus pais. E, deitando-se no chão, adormeceu à sombra de uma árvore. Mas o Anjo do Senhor o despertou, ofereceu-lhe pão e disse-lhe: Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer. Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao monte de Deus.” O que não teria conseguido com as suas próprias forças, conseguiu-o com o alimento que o Senhor lhe proporcionou quando mais desanimado se sentia.

O monte santo para o qual o Profeta se dirige é imagem do Céu, e o trajeto de quarenta dias representa a longa viagem que vem a ser a nossa passagem pela terra; uma viagem semeada também de tentações, cansaços e dificuldades que por vezes nos fazem fraquejar o ânimo e a esperança. Mas, de maneira semelhante ao Anjo, a Igreja convida-nos a alimentar a nossa alma com um pão totalmente singular, que é o próprio Cristo, presente na Sagrada Eucaristia. Nele encontramos sempre as forças necessárias para chegarmos até o Céu, apesar da nossa fraqueza.

Uma vez mais nos deparamos com a preocupação de Deus em oferecer a todos o “pão” da vida plena e definitiva.  O Evangelho sequencia este tema já abordado nos domingos anteriores.  Jesus mostra que o povo no deserto comeu o maná e todos morreram (v. 50).  O pão vivo, ao contrário, dá a vida eterna.  Quem comer dele não morrerá (v. 50).  O discurso é concluído no v. 51 com a revelação de Jesus: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu” (v. 51).  O ponto culminante da revelação de Jesus está nas palavras que Ele acrescenta: “E o pão que eu darei é a minha carne pela vida do mundo” (v. 51).

Esta leitura do Evangelho de São João, que nos acompanha nestes domingos, nos fez refletir inicialmente sobre a multiplicação milagrosa, em que cinco pães de cevada e dois peixes foram suficientes para dar de comer a uma multidão de cinco mil homens, sem contar as mulheres e as crianças. Jesus dirige o convite aos que havia saciado, a esforçarem-se em busca de um alimento que permanece para a vida eterna.  Com isto, mostra o significado profundo do prodígio realizado: saciando de modo milagroso a fome física, prepara a multidão que o seguia para aceitar o anúncio segundo o qual Ele é apresentado como o pão que desceu do céu (cf. Jo 6,41), que sacia, de modo definitivo, a fome de todos.

O povo judeu, durante o longo caminho no deserto, rumo à terra prometida, experimentou um pão descido do céu, o maná. Mas aqui Jesus fala de si mesmo, como um verdadeiro pão que desceu do céu, capaz de manter em vida não por um momento ou durante um trecho do caminho, mas para sempre. Ele é o alimento que dá a vida eterna, porque é o Filho unigênito de Deus, que veio ao mundo para doar à humanidade a vida em plenitude e introduzi-la na vida com Deus.

Jesus é o pão da vida, aquele que comer deste pão terá a vida eterna. E vida eterna não é a mesma coisa que vida pós-morte. Vida eterna significa vida reconciliada com Deus. Vida essa que já começa aqui, numa existência orientada para Deus, em profunda união com ele, e se prolonga após a morte.

Nesse sentido, quem come desse pão não morrerá. Isso não diz respeito à morte física, porque esta faz parte da realidade humana, da sua condição de ser histórico, finito, contingente. Não morrer, no sentido cristão da palavra, significa que a morte como ruptura definitiva com Deus foi abolida. Se, na existência humana histórica, se pode viver em união com Deus, essa união não termina com a morte. Esta se transforma em passagem para uma vida plena, em que o filho retorna à casa do Pai. Se o cristão vive sua vida reconciliada com Deus, então até mesmo a morte se torna sua aliada, e não uma realidade terrível que o ser humano tenta desesperadamente evitar. Assim como Jesus enfrentou a morte de cabeça erguida, nele nós enfrentamos a morte como vencedores, pois temos nossa vida em Deus.

No pensamento judaico o verdadeiro pão do céu, que alimentava Israel, era a Lei, a palavra de Deus. O povo de Israel reconhecia que a Torá, como o dom fundamental e duradouro de Moisés, o elemento singular que o distinguia em relação aos outros povos e que consistia em conhecer a vontade de Deus e o caminho reto da vida. Jesus, agora, manifestou-se como o pão do céu, pelo qual todos podem fazer da vontade de Deus o seu alimento (cf. Jo 4,34), que orienta e mantém a sua existência.

Mas o povo de Israel duvidou da divindade de Jesus e não o acolheu como o pão descido do céu para dar vida à humanidade.  Houve uma recusa em aceitar que Deus encontre sempre novas formas de vir ao encontro de todos para oferecer vida em abundância.  Somente quem é atraído por Deus Pai, quem o ouve e se deixa instruir por Ele pode acreditar em Jesus.  Faltou uma abertura para acolher o sentido profundo da mensagem apresentada por Jesus.  Diziam: “Não é este Jesus o filho de José, aquele de quem conhecemos o pai e a mãe?  Como é que ele diz agora: ‘Eu desci do céu?’” (Jo 6,42).  Esses adversários de Jesus se mostram céticos, chegam  a murmurar, como fez o povo conduzido por Moisés no deserto.

Jesus não se envolve com a murmuração dos judeus sobre a sua origem, mas responde-lhes indiretamente.  Ninguém pode chegar a Jesus sem a atração do Pai (v. 44).  Só aquele que o Pai atrair, pode vir a Jesus.  Contudo, o único caminho para o Pai é o Filho: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6).  Todo homem deve livremente abrir-se ao chamado de Deus.  Deixar que a atração divina opere nele.  Na verdade, só a fé nos possibilita crer em Jesus como o Pão da vida, para, consequentemente, termos a vida eterna.

O dom da fé é um dom gratuito de Deus; uma virtude sobrenatural.  É obra da graça de Deus que auxilia a nossa vontade.  A fé nos leva a crer no que disse Jesus: “Eu sou o pão da vida”.  O sacramento da Eucaristia é a síntese desta verdade, onde Jesus dá-se a si mesmo; entrega o seu corpo e derrama o seu sangue.  Desse modo dá a totalidade da sua própria vida, manifestando a fonte originária desse amor: ele é o Filho eterno que o Pai entregou por nós.

Outrora, o primeiro anúncio da Eucaristia dividiu os discípulos, tal como o anúncio da paixão os escandalizou: “Estas palavras são insuportáveis! Quem as pode escutar?” (Jo 6,60). Jesus já havia questionado também aos Apóstolos: “Também vós quereis ir embora?” (Jo 6,67). Esta pergunta do Senhor ecoa através dos tempos, como convite do seu amor a descobrir que só Ele tem “palavras de vida eterna” (Jo 6,68) e que acolher na fé o dom da Eucaristia é acolher o próprio Cristo (cf. CIgC, nº 1336).

Hoje, o Senhor recorda-nos vivamente a necessidade que temos de recebê-Lo na Sagrada Comunhão para podermos participar da vida divina, para vencermos as tentações, para que a vida da graça recebida no Batismo se desenvolva em nós. Quem comunga em estado de graça, além de participar dos frutos da Santa Missa, obtém uns bens próprios e específicos da Comunhão eucarística: recebe, espiritual e realmente, o próprio Cristo, fonte de toda a graça. A Eucaristia é, por isso, o maior sacramento, o centro e cume de todos os demais. A presença real de Cristo dá a este sacramento uma eficácia sobrenatural infinita.

Quando Jesus afirma: “E o pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo”, refere-se à entrega que faz de si mesmo na cruz para a vida do mundo. Como a existência integral de Jesus foi vivida em profunda união com o Pai em prol da humanidade, sua entrega na cruz não é um evento pontual, mas o resultado de tudo o que ele ensinou e viveu. Porque ele se entregou à humanidade durante sua vida inteira, pôde entregar-se finalmente na morte. A existência inteira de Jesus foi oferta agradável ao Pai em prol do ser humano.

O conhecimento desse mistério será acolhido por todos os que vieram a Jesus. Porque serão instruídos pelo Pai, verdadeiros discípulos de Deus, seus seguidores. Ser discípulo de Jesus é a mesma coisa que ser discípulo de Deus, porque o Filho e o Pai estão unidos em solidariedade pela salvação do mundo. O ensinamento que os discípulos aprendem vem do Pai por meio da vida de Jesus. 

Na Comunhão, o poder divino ultrapassa todas as limitações humanas, porque sob as espécies eucarísticas recebemos o próprio Cristo indiviso. O amor atinge a máxima expressão neste sacramento, pois é a plena identificação com Aquele que tanto se ama a quem tanto se espera. “Assim como quando se juntam dois pedaços de cera e com o fogo se derretem, dos dois se forma uma só coisa, assim também é o que acontece pela participação do Corpo de Cristo e do seu precioso Sangue” (São Cirilo de Alexandria). É o que diz Jesus: “Como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo por meio do Pai, assim aquele que de mim se alimenta viverá por meio de mim” (Jo 6, 57).

Receber a Eucaristia na comunhão traz consigo, como fruto principal, a união íntima com Cristo Jesus. Como de fato, ele mesmo disse: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). A vida em Cristo tem o seu fundamento no banquete eucarístico: “Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, também o que me come viverá por mim” (Jo 6,57).

A alma nunca deixará de dar graças se se recordar com frequência da riqueza deste sacramento. A Eucaristia produz na vida espiritual efeitos parecidos aos do alimento material, em relação ao corpo. Fortalece-nos e afasta de nós a debilidade e a morte: o alimento eucarístico livra-nos dos pecados veniais, que causam a debilidade e a doença da alma, e preserva-nos dos mortais, que ocasionam a morte. Disse o Papa Paulo VI: “A Comunhão frequente ou diária torna a vida espiritual exuberante, enriquece a alma com uma maior efusão de virtudes e dá àquele que comunga um penhor seguro da felicidade eterna” (Enc. Mysterium Fidei). Tal como o alimento natural permite que o corpo cresça, a Eucaristia aumenta a santidade e a união com Deus, “porque a participação do corpo e do sangue de Cristo não faz outra coisa senão transfigurar-nos naquilo que recebemos” (São Cirilo de Alexandria).

A Comunhão ajuda-nos a santificar a vida familiar; incita-nos a realizar o trabalho diário com alegria e perfeição; fortalece-nos para enfrentarmos com garbo humano e sentido sobrenatural as dificuldades e tropeços da vida diária.

O texto da carta de São Paulo escrita aos cristãos de Éfeso, que a liturgia da palavra nos apresenta, como segunda leitura para este domingo (4,30-5,2), faz uma exortação aos batizados, para que vivam de forma coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo.  São Paulo lembra que pelo Batismo, passamos a ser morada do Espírito e recebemos um sinal ou um selo que prova a nossa pertença a Deus.  Este selo ou este sinal nos remete ao tempo em que os escravos recebiam na pele uma marca com ferro em brasa, como se faz com o gado.  O objetivo desta marca é identificar aqueles que pertenciam para sempre a um determinado senhor.  O apóstolo usa esta comparação para explicar a condição de cada batizado.  Esta identificação, entretanto, não está gravada a fogo, mas passa a ser impressa pelo Espírito Santo, para mostrar a pertença a Deus.

É o selo com que o Espírito Santo nos marcou “para o dia da redenção” (Ef 4,30). O Batismo é, efetivamente, o selo da vida eterna. E todo fiel que tiver “guardado o selo” até o fim, quer dizer, que tiver permanecido fiel às exigências do seu Batismo, estará sempre “marcado pelo sinal da fé”, na expectativa da visão bem-aventurada de Deus.

Por isto, como filhos de Deus, devemos evitar os vícios e praticar as virtudes, como homens novos, implica, na perspectiva do Apóstolo São Paulo, assumir uma nova atitude de comportamento, eliminando as irritações, os rancores, os insultos, as violências, as invejas. Vícios que devem ser eliminados. Estes vícios são próprios de um “homem velho” e não podem ter espaço na vida de um homem novo, de um “filho de Deus”.  São Paulo ainda frisa como deve ser o comportamento deste homem novo: cordial, afável e, sobretudo, inspirado em sentimentos de misericórdia, que é a primeira das características de Deus.

Ainda segundo o apóstolo São Paulo, pelo Batismo o crente comunga na morte de Cristo; é sepultado e ressuscita com Ele: “Todos nós, que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte. Fomos sepultados com Ele pelo batismo na morte, para que, assim como Cristo que ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6,3-4).

A exortação “não contristeis o Espírito Santo” parece estranha. O termo usado também quer dizer “provocar dor” ou “causar pesar”. Essa expressão simbólica significa que os cristãos não devem fazer o oposto daquilo para o qual receberam a unção do Espírito Santo.

O Espírito Santo na vida do cristão é o selo de Deus. Antigamente se marcava qualquer propriedade com um emblema que identificava o dono. Um exemplo atual são os objetos da paróquia, comumente marcados com um carimbo ou etiqueta para indicar a instituição proprietária. O Espírito Santo assegura que somos propriedade do Senhor e que devemos ser empregados completamente no serviço de Deus. Até que chegue “o tempo da redenção”, ou seja, o nosso encontro definitivo com o Senhor, devemos trilhar nosso caminho com firmeza de propósitos e testemunho de vida, sem nunca nos cansarmos de fazer o bem.

Como as crianças gostam de imitar os pais e é assim que aprendem as coisas do dia a dia, da mesma forma os cristãos deveriam seguir o exemplo de Deus. Mas como é possível imitar a Deus? O que significa isso? A resposta está no v. 2: “Andai no amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós a Deus como oferta e sacrifício de suave odor”.

O termo “oferta” significa qualquer oferecimento pelo qual se expressa gratidão por tudo (todas as graças) que se recebe da benevolência de Deus. “Sacrifício” quer dizer aquilo que se oferece quando se perdem, por causa da ruptura do pecado, as graças recebidas de Deus. Por fim, a expressão “de suave odor” significa estar de acordo com o que Deus ordenou, diz-se do sacrifício que agrada a Deus ou que ele aceitou com prazer.

Que Jesus, o Pão Vivo descido do Céu, fortaleça os pais! Que os pais não desanimem como Elias diante de situações difíceis e complicadas. Pois, ser pai é uma Missão (é uma vocação) sublime! É participar do maravilhoso mistério da criação, é iluminar o mundo com uma nova e insubstituível centelha de vida.

Que possamos viver todos os dias o nosso batismo e direcionar nossos passos ao encontro com Jesus, a fim de que a nossa amizade com Ele seja cada vez mais intensa, para que possamos estar em plena comunhão de amor com Ele, o pão descido do céu, de maneira a sermos por Ele renovados no íntimo de nós mesmos. Assim seja.

PARA REFLETIR

A Liturgia da Palavra deste Domingo ainda está ligada ao evangelho da multiplicação dos pães. Jesus reclama porque os judeus não quiseram compreender o sinal da multiplicação. Claramente, ele afirma: “Eu sou o pão que desceu do céu! Quem dele comer, nunca morrerá!”

Eis aqui a grande revelação do Senhor! Os judeus só conseguem ver a superfície, somente compreendem que ele é o filho de José; não percebem, não crêem que ele vem do Pai, como alimento de nossa existência: ele é o sustento, o alimento da nossa vida. Afinal, que é viver? Será simplesmente existir, respirar, sobreviver, de qualquer modo, sem rumo, sem sentido, sem uma finalidade para a existência? Que vida seria essa? Não uma existência assim, miserável, que vemos tantos e tanto hoje vivendo? Pois bem, Jesus afirma que ele dá o sustento verdadeiro à nossa vida; com ele, a vida tem sentido, tem rumo, tem razão de ser; com ele, descobriremos porque vivemos, descobrimos de onde vimos e para onde vamos, descobrimos que somos amados e somos fruto de um sonho de amor; com ele, finalmente, temos a paz! “Eu sou o pão da vossa vida! Precisais mais de mim que vosso corpo do pão de cada dia. Quem come desse pão que sou eu, isto é, quem se alimenta de meu amor, de minhas palavras, de meu caminho, nunca viverá uma vida de mentira, de ilusão, de morte; antes, viverá de verdade!

Para ilustrar isso, basta pensarmos na situação de Elias, na primeira leitura de hoje. Ele tinha matado os profetas de Baal no monte Carmelo. Jezabel, a rainha idólatra, tinha prometido vingança e queria matá-lo. O profeta sentiu medo e figiu, procurando esconder-se no deserto do Sinai para encontrar inspiração e consolo no monte Horeb (outro nome para o monte Sinai), o Monte de Deus. E lá vai Elias… Mas, o caminho longo, os dias quentes do deserto, a solidão, a tensão da fuga, tudo isso traz desânimo e depressão ao profeta. A vida lhe parece dura, amarga, sem sentido. Cansado, ele se rende e pede a morte: “Agora basta, Senhor! Tira a minha vida,pois não sou melhor que meus pais… Sou igual a todo mundo, não sou a palmatória do mundo… Cansei! Quero morrer!” Quantas vezes somos como Elias, quantas vezes a existência nos pesa, o sentido da vida parece se nos esconder, quantas vezes parece que apenas sobrevivemos, mas não temos idéia para onde vai o caminho… O desengano do profeta é tão profundo que ele, deprimido, cai no sono. E o Senhor envia-lhe um anjo: “’Levanta-te e come!’ E ele viu junto à sua cabeça um pão assado… ‘Ainda tens um longo caminho a percorrer’. Elias levantou-se, comeu e bebeu e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus”. Caríssimos, também nós estamos a caminho, também nós precisamos de um pão como o de Elias. Esse pão o Senhor nos dá, esse pão é o próprio Cristo, que hoje nos diz: “Eu sou o pão da vossa vida!” Infelizmente para nós, caríssimos, nos iludimos, procurando saciar nossa fome de vida com coisas que não alimentam o coração. É aquela antiga queixa de Deus, pela boca do profeta Isaías: “Ah! Todos que tendes sede, vinde à água. Vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; comprai sem dinheiro e sem pagar, vinho e leite. Por que gastais dinheiro com aquilo que não é pão, e o produto do vosso trabalho com aquilo que não pode satisfazer? Ouvi-me com toda atenção e comei o que é bom. Escutai e vinde a mim, ouvi-me e havereis de viver!” (Is 55,1-3)

Mas, o Senhor é bondoso e sua misericórdia é sem limites! Quem pode pôr medida à sua bondade? Ele não somente é pão e sustento de nossa vida de modo figurado. Para surpresa nossa, para escândalo do mundo – e até de tantos cristãos que estão separados da Igreja de Cristo – o Senhor revela: “O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo!” É demais, caríssimos! É surpreendente, é inesperado! Aqui, o Senhor está falando claramente da Eucaristia: “Eu sou o pão da vossa vida, eu vos alimento de vida e de sentido de viver; e eu fico entre vós, fico convosco, alimento-vos de um modo que não esperáveis: minha união convosco é total, absoluta: eu vos dou verdadeiramente minha carne, meu corpo morto e ressuscitado, como vida da vossa vida!” Meus irmãos, não pode haver maior dom, maior intimidade, mais revigorante alimento! Os judeus murmuravam, os protestantes murmuram, mas Cristo nosso Deus, que tem palavras de vida eterna e para quem nada é impossível, nos garante: “O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo!” Caríssimos, estejamos atentos para nos aproximar freqüentemente desse alimento de vida eterna; com freqüência e com dignidade. Privar-se da comunhão eucarística quando se poderia comungar é fazer pouco caso do dom do Senhor, é ser auto-suficiente, é não reconhecer que somente Jesus nos alimenta e nos sustém com a sua graça. Não cuidar de comungar é um orgulho que nos coloca debaixo da terrível sentença do nosso Salvador: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes do seu sangue, não tereis a vida em vós!” (Jo 6,53). Por outro lado, aproximar-se do Corpo do Senhor sem se examinar; comungar sem estar em comunhão com o Senhor e com os irmãos é mentir contra a Eucaristia, é comer e beber a própria condenação! Comunguemos sempre, caríssimos; mas, comunguemos estando preparados, conforme a santa Palavra de Deus nos exorta! Recordemos a grave palavra do Apóstolo: “Que cada um se examine a si mesmo antes de comer desse pão e beber desse cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo come e bebe a própria condenação” (1Cor 11,28s).

Meus caros, a Eucaristia, comunhão no santíssimo Corpo do Senhor, não somente é alimento para o nosso caminho, não somente á sustento da nossa vida, não somente é penhor de vida eterna, como também nos dá a graça do Santo Espírito, que nos faz ser um só corpo em Cristo. Eis, que mistério tão profundo: comungando do Corpo do Senhor na Eucaristia, nós nos tornamos cada vez mais unidos no corpo do Senhor, que é a Igreja! Comunguemos, pois, e teremos força para viver o belo caminho que a segunda leitura deste hoje nos aponta: “Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de suave odor”. Eis aqui: a nossa participação no sacrifício eucarístico de Cristo, a nossa comunhão no seu corpo sacrificado e entregue amorosamente, devem nos levar a um novo modo de viver, um modo que consiste na docilidade ao Espírito do Senhor morto e ressuscitado, que significa comunhão com Deus e com os irmãos: “Sede bons uns para com os outros, sede compassivos; perdoai-vos mutuamente, como Deus vos perdoou por meio de Cristo”.

Portanto, seja Cristo, que se oferece por nós em sacrifício e se dá a nós em comunhão, o pão, o sustento, o sentido da nossa vida, para podermos caminhar, entre as lutas, desafios e cansaços desta vida, até o monte de Deus, que é a Pátria celeste. Amém.

Dele alimentar-se é iniciar uma nova vida, vivendo sua dinâmica de entrega: vivei em amor como ele nos amou e se entregou por nós em sacrifício (2l).

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