sábado, 11 de julho de 2015

Se a Renovação trabalha para si mesma, isto é do maligno, do pai da mentira, afirma o Papa.


DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS MEMBROS DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA

Praça São Pedro
Sexta-feira, 3 de Julho de 2015


Caríssimos irmãos e irmãs!

Boa tarde e sede bem-vindos. Também a água seja bem-vinda porque foi o Senhor que a fez. Aprecio muito a resposta que destes ao convite que vos fiz no mês de Janeiro para nos encontrarmos aqui na praça de São Pedro. Obrigado por esta entusiasta e calorosa resposta. No ano passado no estádio partilhei com todos os presentes algumas reflexões que hoje gostaria de recordar, porque é sempre bom recordar, a memória: a identidade da Renovação carismática católica, da qual nasceu a associação Renovação no Espírito. Fá-lo-ei com as palavras do Cardeal Léon-Joseph Suenens, grande protector da Renovação carismática, tal como a descreve no segundo livro das suas memórias. Antes de tudo, neste lugar ele recorda a extraordinária figura de uma mulher que fez tanto no início da Renovação carismática, era a sua colaboradora que gozava também da confiança e do afeto do Papa Paulo VI. Refiro-me a Veronica O’Brien: foi ela quem pediu ao Cardeal para ir aos Estados Unidos a fim de observar o que estava a acontecer, para ver com os seus olhos aquilo que ela considerava obra do Espírito Santo. Foi então que o Cardeal Suenens conheceu a Renovação carismática, que definiu um «fluxo de graça», e foi a pessoa-chave para a manter na Igreja. O Papa Paulo VI na Missa de segunda-feira de Pentecostes de 1975 agradeceu-lhe com as seguintes palavras: «Em nome do Senhor agradeço-lhe por ter conduzido a Renovação carismática ao centro da Igreja». Não é uma novidade de há alguns anos, a Renovação carismática tem esta longa história e na homilia daquela mesma Missa o Cardeal disse: «Possa a Renovação carismática desaparecer como tal e transformar-se numa graça de Pentecostes para toda a Igreja: para ser fiel à sua origem, o rio deve perder-se no oceano». O rio deve perder-se no oceano. Sim, se o rio não escorre a água apodrece; se a Renovação, esta corrente de graça não acabar no oceano de Deus, no amor de Deus, trabalha para si mesma e isto não é de Jesus Cristo, isto é do maligno, do pai da mentira. A Renovação vai, vem de Deus e vai para Deus.

O Papa Paulo VI abençoou isto. O Cardeal prosseguiu dizendo: «O primeiro erro que se deve evitar é incluir a Renovação carismática na categoria de movimento. Não é um movimento específico, a Renovação não é um movimento no sentido sociológico comum, não tem fundadores, não é homogêneo e inclui uma grande variedade de realidades, é uma corrente de graça, um sopro renovador do Espírito para todos os membros da Igreja, leigos, religiosos, sacerdotes e bispos. É um desafio para todos nós. Não fazemos parte da Renovação, ao contrário é a Renovação que se torna parte de nós, sob condição de que aceitemos a graça que nos oferece». Neste ponto o Cardeal Suenens fala da obra soberana do Espírito, que sem fundadores humanos suscitou a corrente de graça em 1967. Homens e mulheres renovados que, depois de terem recebido a graça do Batismo no Espírito, como fruto desta graça deram vida a associações, comunidades de aliança, escolas de formação, escolas de evangelização, congregações religiosas, comunidades ecumênicas, comunidades de ajuda aos pobres e necessitados. 

Eu mesmo fui à comunidade de Kkottongnae, durante a minha viagem à Coreia, e também a visitei nas Filipinas. Esta corrente de graça tem dois organismos internacionais reconhecidos pela Santa Sé que estão ao seu serviço e ao serviço de todas as suas expressões no mundo inteiro: «ICCRS» e «Fraternidade católica». Eis um pouco a história, a raiz.

No ano passado no estádio falei também da unidade na diversidade. Dei o exemplo da orquestra. Na Evangelii gaudium falei da esfera e do poliedro. Não é suficiente falar de unidade, não é uma unidade qualquer. Não é uniformidade. Dito deste modo pode ser compreendida como a unidade de uma esfera na qual cada ponto é equidistante do centro e não há diferenças entre um ponto e outro. O modelo é o poliedro, que reflete a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade e estes são os carismas, na unidade mantendo a própria diversidade. Unidade na diversidade. A distinção é importante porque estamos a falar da obra do Espírito Santo, não da nossa. Unidade na diversidade de expressão de realidades, tantas quantas o Espírito Santo quis suscitar. É necessário recordar também que o todo, ou seja, esta unidade, é maior do que a parte, e a parte não pode pretender ser o todo. Por exemplo, não se pode dizer: «Nós somos a corrente denominada Renovação carismática católica e vós não». Isto não se pode dizer. Por favor, irmãos, isto é assim, não vem do Espírito, o Espírito Santo sopra onde quer, quando quer e como quer. Unidade na diversidade e na variedade que é o próprio Jesus. Qual é o sinal comum daqueles que renasceram desta corrente de graça? Converter-se em homens e mulheres novos, isto é o Batismo no Espírito. Peço-vos para ler João 3, 7-8: Jesus a Nicodemos, o renascimento no Espírito.

Há outro ponto que é muito importante esclarecer, nesta corrente de graça: os que guiam. Caros irmãos e irmãs, existe uma grande tentação para os líderes — repito-o, prefiro o termo servos, que servem; e esta tentação para os servos vem do demônio, a tentação de se considerar indispensáveis, seja qual for o cargo. O demônio leva-os a querer ser aqueles que mandam, os que estão no centro e assim, passo a passo, escorregam no autoritarismo, no personalismo e não deixam viver as comunidades renovadas no Espírito. Esta tentação faz com que a posição dos que se consideram insubstituíveis seja «eterna», posição que tem sempre uma certa forma de poder ou de domínio sobre os outros. Tenhamos isto bem claro: o único insubstituível na Igreja é o Espírito Santo, e Jesus é o único Senhor. Pergunto-vos: quem é o único insubstituível na Igreja? [praça: o Espírito Santo!] E quem é o único Senhor? [praça: Jesus!] Digamos que o Senhor Jesus é o Senhor, louvemos Jesus, forte! Jesus é o Senhor! Não há outros. Neste sentido verificaram-se casos tristes. Deve-se estabelecer um tempo limitado para os encargos, que na realidade são serviços. Um serviço importante dos líderes, dos líderes leigos, é fazer crescer, maturar espiritual e pastoralmente aqueles que assumirão o seu lugar no final do mandato. É conveniente que todos os serviços na Igreja tenham um prazo, não há líderes para sempre na Igreja. Isto verifica-se nalguns países onde existe a ditadura. «Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração», diz Jesus. Esta tentação, que é do diabo, faz passar de servos para donos, apoderar-se daquela comunidade, daquele grupo. Esta tentação também faz cair na vaidade. E há tantas pessoas — ouvimos estes dois testemunhos, o do casal e o de Ugo — quantas tentações levam a fazer sofrer uma comunidade e impedem que seja feito o bem, e tornam-se uma organização como se fosse uma ONG; e o poder leva-nos — desculpai mas digo-o: quantos chefes se tornam pavões? — o poder leva à vaidade! E depois sentes-te capaz de fazer tudo, podes escorregar nos negócios, porque o diabo entra sempre pelo porta-moedas, o diabo: eis a porta de entrada.

Outra coisa são os fundadores que receberam do Espírito Santo o carisma de fundação. Eles, por o terem recebido têm a obrigação de cuidar dele fazendo-o maturar nas suas comunidades e associações. Os fundadores permanecem tais toda a vida, ou seja, são aqueles que as inspiraram, dão inspiração, mas deixam que as coisas progridam. Conheci em Buenos Aires um bom fundador, que a um certo ponto se tornou espontaneamente o assessor, e deixava que os líderes fossem outros.

Esta corrente de graça leva-nos em frente num caminho de Igreja que na Itália deu muito fruto, obrigado. Encorajo-vos a prosseguir. Peço o vosso importante contributo em particular por vos comprometerdes a partilhar com todos na Igreja o Batismo que recebestes. Vivestes esta experiência, partilhai-a na Igreja. E este é um serviço muito importante, e é muito importante que se possa dar a todos na Igreja. Ajudar o povo de Deus no encontro pessoal com Jesus Cristo, que nos muda em homens e mulheres novos, em pequenos grupos, humildes mas eficazes porque é o Espírito que age. Não vos preocupeis por fazer grandes encontros que muitas vezes acabam por ali, mas com as relações «artesanais» derivantes do testemunho, em família, no trabalho, na vida social, nas paróquias, nos grupos de oração, com todos! E aqui peço-vos que tomeis a iniciativa para criar vínculos de confiança e de cooperação com os bispos, que têm a responsabilidade pastoral de guiar o corpo de Cristo, inclusive a Renovação carismática. Começar a tomar iniciativas necessárias para que todas as realidades carismáticas italianas que surgiram da corrente de graça, possam vincular-se com estes laços de confiança e de cooperação diretamente com o seu bispo lá onde se encontram.

Há outro sinal forte do Espírito na Renovação carismática: a busca da unidade do Corpo de Cristo. Vós carismáticos tendes uma graça especial para rezar e trabalhar pela unidade dos cristãos, porque a corrente de graça atravessa todas as Igrejas cristãs. A unidade dos cristãos é obra do Espírito Santo e devemos rezar juntos. O ecumenismo espiritual, o ecumenismo da oração. «Mas, padre, eu posso rezar com um evangélico, com um ortodoxo, com um luterano?» — «deves, deves! Recebeste o mesmo Batismo». Todos nós recebemos o mesmo baptismo, todos nós estamos no caminho de Jesus, queremos Jesus. Todos nós fizemos estas divisões na história, por tantos motivos, mas não bons. E agora chegou o momento no qual o Espírito nos faz pensar que estas divisões não podem continuar, que estas divisões são um contratestemunho, e devemos fazer o possível para andar juntos: o ecumenismo espiritual, o ecumenismo da oração, o ecumenismo do trabalho, mas ao mesmo tempo da caridade, o ecumenismo da leitura da Bíblia juntos... Caminhar juntos rumo à unidade. «Mas, padre, para isto temos que assinar um documento?» — «Deixa-te levar pelo Espírito Santo, reza, trabalha, ama e depois o Espírito fará o resto!».

Esta corrente de graça atravessa todas as confissões cristãs, todos nós que cremos em Cristo. A unidade antes de tudo na oração. O trabalho pela unidade dos cristãos começa com a oração. Rezemos juntos.

Unidade porque o sangue dos mártires de hoje nos torna um. Há o ecumenismo do sangue. Nós sabemos que quando aqueles que odeiam Jesus Cristo matam um cristão, antes de o assassinar não lhe perguntam: «Mas tu és luterano, ortodoxo, evangélico, baptista, metodista?». Tu és cristão! E cortam-lhe a cabeça. Eles não confundem, sabem que ali há uma raiz, que dá vida a todos nós e que se chama Jesus Cristo, e que há o Espírito Santo que nos conduz à unidade! Os que odeiam Jesus Cristo guiados pelo maligno não erram, sabem e por isso matam sem fazer perguntas.

E este é um aspecto que vos recomendo, talvez vos tenha contado isto, mas é uma história verdadeira. É verdadeira. Numa cidade alemã, Hamburgo, havia um pároco que estudava os documentos para levar por diante a causa de beatificação de um sacerdote assassinado pelo nazismo, guilhotinado. O motivo? Ensinava o catecismo às crianças. E, enquanto estudava, descobriu que depois dele, 5 minutos depois, tinha sido guilhotinado um pastor luterano pelo mesmo motivo. E o sangue de ambos misturou-se: os dois eram mártires. É o ecumenismo do sangue. Se o inimigo nos une na morte, quem somos nós para nos dividirmos na vida? Deixemos entrar o Espírito, rezemos para ir em frente todos juntos. «Mas há sofrimentos!». Deixemo-los de lado, caminhemos com aquilo que temos em comum, que é o suficiente: há a Santíssima Trindade, o Batismo. Vamos em frente, com a força do Espírito Santo.

Há poucos meses, também aqueles vinte e três egípcios coptas que foram degolados na praia da Líbia; e naquele momento pronunciavam o nome de Jesus. «Não são católicos...». Mas são cristãos, são irmãos, são os nossos mártires! O ecumenismo do sangue. Há 50 anos, o beato Paulo VI, na canonização dos jovens mártires do Uganda, referiu-se ao facto de que pelo mesmo motivo derramaram o sangue também os seus companheiros catequistas anglicanos. Eram cristãos, eram mártires. Desculpai, não vos escandalizeis, são os nossos mártires! Porque deram a vida por Cristo, e isto é ecumenismo do sangue. Rezai recordando-vos dos nossos mártires comuns.

Unidade no trabalho juntos pelos pobres e os necessitados, que também precisam do Batismo no Espírito Santo. Seria muito bom organizai seminários de vida no Espírito, juntamente com outras realidades carismáticas cristãs, para os irmãos e as irmãs que vivem na rua: também eles têm o Espírito dentro que estimula, para que alguém, de fora, abra a porta.

Parece que parou de chover. Acabou o calor. O Senhor é bom, primeiro dá-nos o calor, e depois um bom duche! Está conosco. Deixai-vos guiar pelo Espírito Santo, por esta corrente de graça, que vai em frente e procura sempre a unidade. Ninguém é o dono. Um só é o Senhor. Quem é? [praça: «Jesus!»] Jesus é o Senhor! Recordo-vos: a Renovação carismática é uma graça pentecostal para toda a Igreja. Concordais? [praça: «Sim!»] Se alguém não estiver de acordo levante a mão!

A unidade na diversidade do Espírito, não uma unidade qualquer, a esfera e o poliedro, recordai-vos bem disto. A experiência comum do batismo no Espírito Santo e o vínculo fraterno e direto com o bispo diocesano, porque o todo é mais do que a parte. Depois, unidade do Corpo de Cristo: rezai juntos com os outros cristãos, trabalhai com os outros cristãos pelos pobres e pelos necessitados. Todos temos o mesmo Batismo. Organizai seminários de vida no Espírito para os irmãos que vivem na rua, também para os irmãos marginalizados por tantos sofrimentos da vida. Permito-me recordar o testemunho de Ugo. O Senhor transformou-o precisamente porque o Espírito Santo lhe mostrou a alegria de seguir Jesus. Organizar seminários de vida do Espírito Santo para as pessoas que vivem na rua.

E depois, se o Senhor nos dá a vida, espero por todos vós no encontro da ICCRS e da Fraternidade católica, que já estão a organizar, todos vós e quantos quiserem vir no Pentecostes de 2017 — não é muito distante! — aqui na praça de São Pedro para celebrar o Jubileu de ouro desta corrente de graça. Uma oportunidade para a Igreja, como disse o beato Paulo VI na Basílica de São Pedro em 1975. Reunir-nos-emos para dar graças ao Espírito Santo pelo dom desta corrente de graça que é para a Igreja e para o mundo, e para celebrar as maravilhas que o Espírito Santo fez durante estes 50 anos, mudando a vida de milhões de cristãos.

Mais uma vez obrigado por terdes respondido com alegria ao meu convite. Que Jesus vos abençoe e a Virgem Santa vos proteja. E por favor não vos esqueçais de rezar por mim, porque preciso disto, obrigado!

Oração do Papa:


Adoramos-te, Deus Omnipotente, Pai, Filho e Espírito Santo. Pai, envia-nos o Espírito Santo que Jesus nos prometeu. Ele guiar-nos-á rumo à unidade. Ele é Aquele que dá os carismas, que concretiza a variedade na Igreja, é Ele quem faz a unidade. Envia-nos o Espírito Santo, que nos ensine tudo quanto Jesus nos ensinou e nos conceda a memória do que Jesus disse. Jesus, Senhor, Tu pediste para todos nós a graça da unidade nesta Igreja que é tua, não nossa. A história dividiu-nos. Jesus, ajuda-nos a percorrer o caminho da unidade ou desta diversidade reconciliada. Senhor, Tu que cumpres sempre quanto prometeste, concede-nos a unidade de todos os cristãos. Amém.
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Santa Sé

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