quinta-feira, 9 de julho de 2015

Papa Francisco aos sacerdotes: "Por favor, não cobrem a Graça"


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
AO EQUADOR, BOLÍVIA E PARAGUAI
(5-13 DE JULHO DE 2015)

ENCONTRO COM O CLERO, OS RELIGIOSOS, AS RELIGIOSAS E OS SEMINARISTAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

Santuário Nacional Mariano “El Quinche”, Equador
Quarta-feira, 8 de Julho de 2015


Discurso preparado pelo Santo Padre:

Queridos irmãos e irmãs!

Trago aos pés de Nossa Senhora de Quinche o que vivi nestes dias da minha visita; quero deixar no seu Coração os idosos e doentes com quem acabo de partilhar alguns momentos na casa das Irmãs da Caridade, bem como todos os outros encontros anteriores. Deixo-os no Coração de Maria, mas também os deposito no vosso coração: sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas, para que, chamados a trabalhar na vinha do Senhor, sejais guardiões de tudo o que este povo do Equador vive por entre lágrimas e alegrias.

A D. Lazzari, ao Padre Mina e à Irmã Sandoval agradeço as suas palavras, que me dão motivo para partilhar com todos vós algumas coisas relativas à nossa solicitude comum pelo Povo de Deus.

No Evangelho, o Senhor convida-nos a aceitar a missão, sem pôr condições. É uma mensagem importante, que convém não esquecer, ressoando, com um acento especial, neste Santuário dedicado à Virgem da Apresentação. Maria é exemplo de discípula para nós, que, como Ela, recebemos uma vocação. A sua resposta confiante – «faça-se em mim segundo a tua palavra» – lembra-nos as suas palavras nas bodas de Caná: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5). O seu exemplo é um convite a servir como Ela.

Na Apresentação da Virgem, podemos encontrar algumas sugestões para a nossa própria chamada. A Virgem Menina foi um presente de Deus para os seus pais e para todo o povo, que esperava a libertação. É um facto que se repete frequentemente na Escritura: Deus responde ao clamor do seu povo, enviando uma criança, frágil, destinada a trazer a salvação e que, ao mesmo tempo, restaura a esperança de uns pais idosos. A palavra de Deus diz-nos que, na história de Israel, os juízes, os profetas, os reis são um presente do Senhor para fazer chegar a sua ternura e misericórdia ao seu povo. São sinal de gratuidade de Deus: foi Ele quem os elegeu, escolheu e destinou. Isto afasta-nos da auto-referencialidade, faz-nos compreender que já não nos pertencemos, que a nossa vocação requer que nos afastemos de todo o egoísmo, de toda a busca de lucro material ou compensação afectiva, como nos disse o Evangelho. Não somos mercenários, mas servidores; viemos, não para ser servidos, mas para servir, fazendo-o com desprendimento total, sem bastão nem bolsa. 

Algumas tradições sobre a invocação de Nossa Senhora de Quinche dizem-nos que Diego de Robles fez a imagem por encomenda dos índios Lumbicí. Diego não a fez por devoção, fê-la para tirar proveito económico. Como não lhe puderam pagar, levou-a a Oyacachi e trocou-a por tábuas de cedro. Mas Diego negou-se a atender o pedido daquele povo para que lhes fizesse também um altar para a imagem, até que, caindo do cavalo, encontrou-se em perigo e sentiu a protecção da Virgem. Voltou à aldeia e fez o pedestal da imagem. Todos nós também já fizemos a experiência de um Deus que Se nos atravessa diante e que, na nossa realidade de caídos, derrubados, nos chama. Que a vanglória e o mundanismo não nos façam esquecer onde Deus nos resgatou! Que a Virgem Maria de Quinche nos faça descer dos postos de ambições, interesses egoístas, cuidados excessivos de nós mesmos!

A «autoridade», que os apóstolos recebem de Jesus, não é para seu próprio benefício: os nossos dons são para renovar e construir a Igreja. Não vos negueis a partilhar, não resistais a dar, não vos fecheis na comodidade; sede mananciais que transbordam e refrescam, especialmente a bem dos oprimidos pelo pecado, a desilusão, o rancor (cf. EG 272).

O segundo traço que me evoca a Apresentação da Virgem é a perseverança. Na sugestiva iconografia mariana desta festa, a Virgem Menina afasta-se de seus pais subindo a escadaria do Templo. Maria não olha para trás e, numa clara referência à advertência evangélica, caminha decididamente para diante. Nós, como os discípulos do Evangelho, também nos pusemos a caminho para levar a cada povo e lugar a boa nova de Jesus. A perseverança na missão implica não mudar de casa para casa, buscando onde nos tratem melhor, onde haja mais recursos e comodidades. Supõe unir a nossa sorte à de Jesus até ao fim. Alguns relatos das aparições da Virgem de Quinche dizem que uma «senhora com um menino nos braços» visitou várias tardes seguidas os indígenas de Oyacachi, quando estavam refugiados por causa do assédio dos ursos. Várias vezes veio Maria ao encontro dos seus filhos; eles não acreditaram nela, desconfiavam daquela senhora, mas admiravam a sua perseverança de voltar cada tarde ao pôr-do-sol. Saibamos perseverar, mesmo que nos rejeitem, ainda que se faça noite e cresçam a confusão e os perigos. Perseverar neste esforço, sabendo que não estamos sozinhos, que é o Povo Santo de Deus que caminha.

De certo modo podemos ver, na imagem da Virgem Menina subindo ao Templo, a Igreja que acompanha o discípulo missionário. Ao lado d’Ela, estão os seus pais, que Lhe transmitiram a memória da fé e agora, generosamente, A oferecem ao Senhor para que possa seguir o seu caminho; está a sua comunidade, representada no «séquito das virgens, suas companheiras», com as lâmpadas acesas (cf. Sal 44, 15), nas quais os Padres da Igreja viram uma profecia de todos os que, imitando Maria, procuram sinceramente ser amigos de Deus, e estão os sacerdotes que esperam para A receber e que nos lembram que, na Igreja, os pastores têm a responsabilidade de acolher com ternura e ajudar a discernir cada espírito e cada chamada.

Caminhemos juntos, sustentando-nos uns aos outros e peçamos, com humildade, o dom da perseverança ao serviço deles.

Nossa Senhora de Quinche foi ocasião de encontro, de comunhão, para este lugar que, desde os tempos dos Incas, se tornara uma povoação multi-étnica. Como é belo quando a Igreja persevera no seu esforço por ser casa e escola de comunhão, quando geramos aquilo a que me apraz chamar a cultura do encontro!

A imagem da Apresentação diz-nos que a Virgem Menina, depois de abençoada pelos sacerdotes, sentou-se nos degraus do altar e dançou a seus pés. Penso na alegria que se expressa nas imagens do banquete das núpcias, dos amigos do noivo, da noiva adornada com as suas jóias. É a alegria de quem descobriu um tesouro e vendeu tudo para o adquirir. Encontrar o Senhor, viver na sua casa, participar da sua intimidade compromete a anunciar o Reino e levar a salvação a todos. Cruzar os umbrais do Templo exige tornar-nos, como Maria, templos do Senhor e pôr-nos a caminho para O levarmos aos irmãos. A Virgem, como primeira discípula missionária, depois do anúncio do Anjo, partiu sem demora para uma cidade de Judá, a fim de compartilhar esta alegria imensa, a mesma que fez São João Batista saltar no seio da sua mãe. Quem ouve a sua voz «salta de alegria» e torna-se, por sua vez, um pregoeiro da alegria. A alegria de evangelizar move a Igreja, fá-la sair como Maria.

Embora sejam múltiplas as razões que se invocam para a transferência do santuário de Oyacachi para este lugar, limito-me a uma: «aqui é e tem sido mais acessível, mais fácil para estar perto de todos». Assim o entendeu o arcebispo de Quito, Frei Luis Lopez de Solís, quando mandou edificar um Santuário capaz de atrair e acolher a todos. Uma Igreja em saída é uma Igreja que se aproxima, que desce para não estar distante, que sai da sua comodidade e ousa chegar a todas as periferias que precisam da luz do Evangelho (EG 20).

Agora vamos regressar às nossas tarefas, solicitadas pelo Santo Povo que nos foi confiado. Entre elas, não esqueçamos de cuidar, animar e educar a devoção popular que experimentamos neste santuário e tão generalizada em muitos países latino-americanos. O povo fiel soube expressar a fé com a sua própria linguagem, manifestar os seus sentimentos mais profundos de dor, dúvida, alegria, fracasso, gratidão com várias formas de piedade: procissões, velas, flores, cânticos que se transformam numa bela expressão de confiança no Senhor e de amor à sua Mãe, que é também a nossa.

Em Quinche, a história dos homens e a história de Deus convergem na história duma mulher, Maria, e numa casa, a nossa casa, a irmã mãe terra. As tradições desta invocação falam dos cedros, dos ursos, da fenda na rocha que foi aqui a primeira casa da Mãe de Deus. Falam-nos no ontem de aves que rodearam o lugar e no hoje de flores que enfeitam os arredores. As origens desta devoção levam-nos para tempos onde era mais simples «a harmonia serena com a criação (…), contemplar o Criador, que vive entre nós e naquilo que nos rodeia e cuja presença não precisa de ser criada» (LS 225) e que Se nos manifesta no mundo criado, em seu amado Filho, na Eucaristia que permite aos cristãos sentirem-se membros vivos da Igreja e participarem activamente na sua missão (cf. Aparecida, 264), em Nossa Senhora de Quinche, que, a partir daqui, acompanhou os alvores do primeiro anúncio da fé aos povos indígenas. A Ela recomendamos a nossa vocação; que Ela faça de nós um presente para o nosso povo, que Ela nos dê a perseverança na entrega e a alegria de sair para levar o Evangelho de seu Filho Jesus – unidos aos nossos pastores – até aos confins, até às periferias do nosso querido Equador.
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Santa Sé

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