segunda-feira, 15 de junho de 2015

Homilética: 12º Domingo Comum - Ano B: "A Tempestade Acalmada"


As leituras de hoje nos convidam a deixar nossos lugares costumeiros, a perder o medo e partir para a outra margem. Enquanto estivermos dando demasiada atenção aos nossos problemas pessoais (à semelhança de Jó), não teremos abertura para evangelizar o mundo. O mundo parece estar no caos, as ondas se lançam contra a barca, mas Deus está no controle; é necessário arriscar-se em direção ao novo.

Aventurar-se a sair do ambiente judaico foi o desafio das comunidades do final do primeiro século de nossa era. Após a morte de Jesus, em tempos de conflito, perseguições e medo, e contra aqueles que queriam fechar-se num gueto, alguns cristãos sabiam que o evangelho deveria ser anunciado ao mundo inteiro e deram início a uma ousada marcha de saída de si.

Por isso, assegura-nos o apóstolo que as coisas velhas passaram, temos de nos renovar. Vamos abrir as janelas da Igreja para que o vento do Espírito Santo remova todo o mofo que ali se acumulou, como diria o papa João XXIII. 

No Evangelho (Mc 4, 35-41) São Marcos narra que Jesus estava com os Apóstolos na barca e aproveitou esses momentos para descansar, depois de um dia particularmente intenso de pregação. Era noite. Jesus dormia. Quando ninguém esperava, começou uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, ficando quase cheia de água. Cheios de medo, os discípulos acordaram Jesus, que com uma simples ordem acalma aquele temporal. Gritaram: Mestre, estamos perecendo e tu não te importas? E Jesus: “Silêncio! Cala-te!”. O vento cessou e houve uma grande calmaria.

Às vezes, a tempestade está em nosso coração. O mar de Tiberíades era pequeno, apenas um lago, contudo lá se armou uma grande tempestade! Tentações, desânimos, rebeliões: tudo parece abater-se sobre nós. Salvai-me, ó Deus, porque as águas me vão submergir (Sl 69, 2). É o momento de despertar a fé que o Evangelho nos propõe: Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé? É o momento de despertar Jesus que dorme em nossa mesma barca e dizer-lhe: “Senhor, não te importas que esteja para afundar?”. Procurar o diálogo com Ele na oração; procura-lo a qualquer custo. Hoje, Ele também espera este grito para se levantar e agraciar-nos a nós e a sua Igreja com aquela grande bonança que não significa o fim de toda dificuldade e de toda contradição, mas antes a paz e a certeza também no meio das contradições.

O Senhor nunca nos deixará sós. Devemos aproximar-nos dele e dize-lhe a todo momento, com a confiança de quem o tomou por Mestre, de quem quer segui-lo sem nenhuma condição: Senhor, não me largues! E passaremos as tribulações junto dele, e as tempestades deixarão de inquietar-nos.

As tribulações, as tempestades…, devemos aproveitá-las para purificar a intenção, para estar mais unidos ao Mestre, para nos fortalecermos na fé. Recorda-nos Santo Agostinho: “Cristão, na tua nave dorme Cristo, desperta-o, que Ele admoestará a tempestade e far-se-á a calma”. Tudo é para nosso proveito e para o bem das almas. Por isso, basta-nos estar na companhia do Senhor para nos sentirmos seguros. A inquietação, o medo e a covardia nascem quando a nossa oração murcha. Deus sabe bem tudo o que se passa conosco. E se for necessário, admoestará os ventos e o mar, e far-se-á uma grande bonança. E também nós ficaremos maravilhados, como os Apóstolos.

“O episódio da tempestade acalmada, cuja recordação deve ter devolvido muitas vezes a serenidade aos Apóstolos no meio das suas lutas e das dificuldades, serve também a cada alma para nunca perder o ponto de mira sobrenatural: a vida do cristão é comparável a uma barca: Assim como a nave que atravessa o mar, comenta Santo Afonso Maria de Ligório, está sujeito a milhares de perigos, corsários, incêndios, escolhos e tempestades, assim o homem se vê assaltado na vida por milhares de perigos, de tentações, ocasiões de pecar, escândalos, ou maus conselhos dos homens, respeitos humanos e sobretudo pelas paixões desordenadas. Não por isto há que desconfiar nem desesperar-se. Pelo contrário, quando alguém se vê assaltado por uma paixão incontrolada, ponha os meios humanos para evitar as ocasiões e apoie-se em Deus: no furor da tempestade não deixa o marinheiro de olhar para a estrela cuja claridade o terá de guiar para o porto. De igual modo nesta vida temos sempre de ter os olhos fixos em Deus, que é o Único que nos há de livrar de tais perigos”.

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Leituras: Jó 38,1.8-11; Sl 106; 2Cor 5,14-17; Mc 4,35-41

O trecho curtinho do livro de Jó na primeira leitura parece incompreensível. Mas, na verdade, é de uma profundidade admirável. Jó tinha acabado de exigir uma audiência com Deus para perguntar-lhe sobre os motivos dos sofrimentos pelos quais estava passando. Jó não conseguia entender a ação de Deus, parecia que o Soberano estava muito mudado ou tinha perdido as rédeas do universo. Jó tinha muitas perguntas a fazer a Deus. Quem de nós, na hora do sofrimento, deixou de perguntar: “Por que, meu Deus…?”

Na leitura que acabamos de ouvir, Deus responde a Jó do meio da tempestade, mostrando que nenhum caos na nossa vida ou na natureza está acima dele. Ele é o Senhor do céu, da terra e do mar. Isso significa que Deus está no controle do universo. Não devemos ter medo, não devemos desanimar quando o sofrimento ou o pânico quiserem se apoderar de nós.

Devemos estar atentos a essa conversa que Deus tem com Jó, ela é bem didática. Ao chamar a atenção para os poderes da natureza e colocar-se acima deles, Deus leva Jó a considerar suas próprias limitações, pois o ser humano não é Deus, mas sim uma criatura entre as outras. E assim, do meio de suas crises, Jó é levado a considerar que sua efêmera existência é marcada por limites, por isso lhe é possível o sofrimento.

Ao constatar a grandeza do universo e o poder de Deus, Jó para de centralizar-se em si mesmo e realiza um êxodo existencial em direção ao outro. Deus conduz Jó para fora de si mesmo. E assim Deus faz com cada um de nós.

A Primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns membros da comunidade por atitudes pouco condizentes com os valores cristãos) provocou uma reação extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar Paulo. Essa campanha parece ter sido instigada por missionários itinerantes procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de Paulo (afirmavam, inclusive, que Paulo era inferior aos outros apóstolos, por não ter convivido com Jesus enquanto Ele andou pela Palestina com os seus discípulos). Paulo, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus detratores. Depois, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar a reconciliação.

Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.

Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu apostolado, à qual juntou um apelo em favor de uma colecta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto é a nossa Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos nos anos 56/57.

O texto que nos é proposto integra a primeira parte da Carta, onde Paulo analisa as suas relações com a comunidade de Corinto e explica os princípios que sempre nortearam a sua ação pastoral (cf. 2 Cor 1,3-7,16).

Paulo fez a experiência do amor de Cristo e deixou-se absorver por esse amor. A sua ação apostólica tem apenas como objetivo levar o amor de Cristo ao conhecimento de todos os homens. Cristo morreu por todos, a fim de que os homens, aprendendo a lição do amor que se dá até às últimas consequências, deixassem a vida velha, marcada por esquemas de egoísmo e de pecado. Contemplando o Cristo que oferece a sua vida ao Pai e aos irmãos, os homens não viverão, nunca mais, fechados em si mesmos; mas viverão, como Cristo, com o coração aberto a Deus e aos outros homens (vers. 14-15). É esta “boa nova” que absorve Paulo completamente e que ele quer passar a todos os seus irmãos.

Com franqueza, Paulo admite que, no passado, entendeu Cristo “à maneira humana” e não percebeu que a sua doação até à morte era expressão de um amor ilimitado; mas, depois de se ter encontrado com Cristo ressuscitado na estrada de Damasco, Paulo passou a ver as coisas de forma diferente (vers. 16).

Paulo quer anunciar – por mandato de Cristo – que a adesão a Cristo faz desaparecer o homem velho do egoísmo e do pecado e faz surgir uma nova criatura (vers. 17). A palavra grega aqui utilizada por Paulo (“ktisis”) pode significar “criação”, “criatura” ou “humanidade”… O cristão, que aderiu a Cristo, é uma nova criatura, o membro de uma nova humanidade. Identificado com Cristo, ele corre ao encontro do Homem Novo, da vida plena e verdadeira, da salvação definitiva.

É isto que “faz correr” Paulo… Ele experimentou o amor de Cristo e tornou-se uma nova criatura. Agora, ele sente que Deus o manda testemunhar essa experiência diante de todos os homens.

No trecho do evangelho anterior ao que foi proclamado hoje, Jesus permanecia no barco, ensinando às multidões por meio de parábolas. Mas no final do dia ele convocou seus discípulos para se dirigirem à outra margem do mar da Galileia.

Do outro lado do mar estavam as cidades de cultura helenista, a maioria das cidades da Decápole. Jesus diz aos seus discípulos que assumam o risco de sair de seu habitat original e o levem a lugares diferentes, a pessoas de outra cultura, através das águas bravias e dos perigos costumeiros de uma viagem. Sair de si é sempre arriscado, e é comum sentir medo do desconhecido.

A tempestade simboliza as dificuldades de uma jornada que leva para a outra margem. As multidões ficaram para trás, pessoas que poderiam dar apoio permaneceram do outro lado, agora é a vez de contatar diferentes culturas, religiões, tradições e costumes. Uma nova etapa, um novo começo na vida das comunidades. Trata-se simbolicamente do início da longa marcha da missão universal da Igreja que temos de estar dispostos a continuar, até que Cristo venha.

Às vezes a barca parece afundar, sentimos pânico, mas Cristo está na popa (v. 38), lugar onde fica o piloto que dirige o barco. Pode parecer que Cristo dorme enquanto corremos o risco de perecer, mas ele continua lá no controle do barco, das ondas e do vento.

Não tenhamos medo, vamos à outra margem. Cristo está no barco, este jamais afundará. Vamos sair de nosso comodismo, há um mundo a ser evangelizado.
 
PARA REFLETIR

Hoje, o Evangelho nos apresenta Jesus na barca, dormindo, cansado, ao anoitecer. Tão doce, essa imagem… Essa barca é a Igreja e pode ser considerada também como figura da nossa própria vida. Como quer que seja, o cenário é desolador e apavorante: é noite, no meio do Mar da Galiléia, e, de repente, levanta-se uma tempestade de vento muito forte, com as ondas lançando-se barco a dentro.

Pensemos, caríssimos, que muitas vezes é assim que percebemos, seja a realidade da Igreja, seja a realidade de nossa própria existência. Tanta vez é noite e nada podemos enxergar com clareza; tanta vez as ondas parecem agitar tudo, e as torrentes ameaçam nossa pobre barquinha, de modo que nos sentimos pequenos e impotentes, como os navegadores descritos pelo Salmo de hoje: “Ele ordenou, e levantou-se o furacão, arremessando grandes ondas para o alto; aos céus subiam e desciam aos abismos, seus corações desfaleciam de pavor”. Ai! Que tantas vezes encontramo-nos nessa situação, tantas vezes vemos a Igreja encontrar-se assim! E o Senhor, como no Evangelho de hoje, parece dormir, parece alheio à nossa aflição, distante da nossa angústia, incapaz de nos salvar… quantas vezes temos de dizer: “Senhor, por que dormes? Por que não respondes? Por que parece que não vês a dor e o sofrimento?”

Não é ruim que gritemos ao Senhor, caríssimos, pois gritar-lhe, pedir-lhe e até queixar-se a ele é sinal de fé. Só quem crê e considera realmente Deus como Alguém e não como uma idéia abstrata, é que reza realmente! Então, gritemos, então, rezemos, então supliquemos! Só não o façamos com a atitude de descrença dos apóstolos. O mal deles não foi acordar o Senhor, não foi suplicar por socorro. Não! Seu mal foi duvidar do seu amor! Vede, caros meus, como eles dizem: “Não te importas que estejamos perecendo?” Duvidam da solicitude do Senhor, duvidam de seu cuidado por eles, duvidam do seu amor pela humanidade e por cada um de nós: “Não te importas?” Aconteça o que acontecer conosco, meus caros, não temos o direito de duvidar do amor de Cristo, da sua presença, do seu cuidado para conosco. Olhemos a cruz! Conhecemos o amor de Deus para conosco, sabemos o quando Cristo nos quer bem, o quanto é nosso amigo, pois que não há maior prova de amor que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13), e ele deu a sua vida por nós… São Paulo nos recorda, na segunda leitura de hoje, que “um só morreu por todos, para que os vivos não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou”. E então, meus caros? Aquele que vai na nossa barca, na barca da Igreja e na barca da nossa vida, é o mesmo que se deu todo a nós e todo por nós; aquele que por nós morreu e ressuscitou! Gritar por ele, sim; clamar por ele, sim; suspirar pelo socorro dele, sim também; mas duvidar e reclamar com soberba descrença, não!

Será que não cremos de verdade que ele é o Senhor, que ele está vivo? Será que não sabemos com todo o nosso coração que ele é o Deus que domina o orgulho das ondas do mar? Vede como ele impera, como ordena: “Silêncio, mar! Cala-te!” E, que diz o Evangelho? “O vento cessou e houve uma grande calmaria”. E, então, Jesus perguntou aos Doze, e nos pergunta a nós: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” – Então, Senhor, por que tenho medo, se nada é impossível para ti? Por que me entristeço tanto, se nada é impossível para ti? Por que me sinto sozinho, abandonado na vida, inseguro, preso pelo destino, se podes tudo, se venceste a morte; se sei que nada é impossível para ti?

Para a mentalidade bíblica, era muito claro que somente Deus pode domar o mar. E ainda hoje, o homem da tecnologia, tão prepotente e metido a autossuficiente, treme de medo diante da potência do oceano. Por isso, a pergunta assustada dos Doze: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” Pois bem, este é o próprio Deus! Isso mesmo: Jesus é Deus, Jesus acalma o mar! Hoje, caríssimos, temos a ilusão que podemos controlar nossa vida e nosso destino. É mentira, é ilusão, é soberba idolatria! A barquinha de nossa vida, que atravessa o mar borrascoso deste mundo, está nas mãos do Senhor. Então, entreguemo-nos a ele, confiemo-nos em suas mãos! E, se ele parece dormir, não temamos, porque estará sempre conosco e, se olharmos bem a sua cruz, saberemos com toda certeza que, venha o que vier, ele nos ama, ele faz conta de nós, ele não nos esquece! Aliás, esta é a grande diferença entre quem crê e quem não crê: para aquele que de verdade acredita no Senhor e nele coloca sua confiança, venha o que vier, ele espera e confia, ele sabe que está nas mãos de Alguém que nos ama. Afinal, o que sabemos da vida? Que sabemos do modo como Deus dirige o mundo e nossa existência? Será que não percebemos que o Senhor está presente no silêncio tanto quanto está presente quando nos fala? Será que não vemos que ele está ao nosso lado no sorriso como também no pranto? Será que esquecemos que mesmo a treva para ele não é escura? – Ele é a luz e, com ele, a própria noite resplandece como o dia! Pensemos ainda nas palavras do Salmista: “Gritaram ao Senhor na aflição, e ele os libertou daquela angústia. Transformou a tempestade em bonança, e as ondas do oceano se calaram. Alegraram-se ao ver o mar tranqüilo, e ao porto desejado os conduziu. Agradeçam ao Senhor por seu amor e por suas maravilhas entre os homens!” – Senhor Jesus, perdoa porque ainda somos medrosos, ainda temos tantos temores! Quantas vezes juramos confiança em ti; quantas vezes dizemos que te amamos… Mas, na tempestade e na treva do mar bravio e profundo, tememos e duvidamos e, ainda, raivosos, temos queixas de ti e a ti acusamos… Perdoa nossa insensatez, perdoa nossa descrença, perdoa nossa cegueira! Conduze tu mesmo, como bem quiseres, a barquinha da Igreja, o barco pequenino da nossa vida! Dá-nos a confiança de que tu és o fiel condutor e o porto bendito, no qual um dia ancoraremos para sempre a pobre barca da nossa existência. Amém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário