terça-feira, 21 de abril de 2015

Homilética: 4º Domingo da Páscoa - Ano B: “… e as ovelhas O seguem, porque conhecem a sua voz” (Jo 10,4).


O Quarto Domingo da Páscoa é o domingo do Bom Pastor na qual a Igreja celebra também o Dia Mundial de Oração pelas Vocações. 

Lançando um olhar para a história, podemos constatar que no Antigo Oriente, os reis costumavam designar a si mesmos como pastores dos seus povos. No Antigo Testamento, Moisés e Davi, antes de serem chefes e pastores do Povo de Deus, foram efetivamente pastores de rebanhos.  Uma das imagens mais usadas no Antigo Testamento para expressar o cuidado de Deus para com o seu povo, sobretudo o carinho com que o conduziu da escravidão do Egito para a Terra Prometida, é a imagem do pastor. Encontramos essas imagens nos livros dos profetas Isaías e Ezequiel (cf. Ez 34,12ss) e, de uma maneira muito viva, no salmo 22, onde lemos: “O Senhor é meu pastor, nada me falta”. O Salmo vai descrevendo como o pastor guia seu rebanho para verdes pastagens e para águas tranquilas; leva-o por caminhos seguros; infunde-lhe confiança pelo cajado que empunha em sua mão; e, mesmo que seja preciso atravessar um vale escuro, o rebanho não tem medo, porque sabe que está sendo bem guiado.  De um lado está a dedicação total do pastor, e do outro, a confiança do rebanho.

No Evangelho (Jo 10, 11-18) ouvimos a palavra do próprio Cristo que nos fala em primeira pessoa: Eu sou o Bom Pastor! É uma catequese sobre a missão de Jesus: conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas, de onde brota a vida em plenitude.

O Bom Pastor aparece numa atitude de ternura com as ovelhas… Ele as conhece, as chama pelo nome, caminha com elas e estas O seguem. Elas escutam a Sua voz, porque sabem que as conduz com segurança.

Em contraste com o Pastor, aparece a figura dos ladrões e dos bandidos. São todos os que se apresentam como Pastor, ou até falam em nome de Cristo, mas procuram somente vantagens pessoais. Além do título de Bom Pastor, Cristo aplica-Se a Si mesmo a imagem da porta pela qual se entra no aprisco das ovelhas que é a Igreja. Ensina o Concílio Vaticano II:” A Igreja é o redil, cuja única porta e necessário Pastor é Cristo (LG,6). No redil entram os pastores e as ovelhas. Tanto os pastores como as ovelhas hão de entrar pela porta que é Cristo. 

Para os cristãos, o Pastor por excelência é Cristo: Ele recebeu do Pai a missão de conduzir o rebanho de Deus… Portanto, Cristo deve conduzir as nossas escolhas.

Quem nos conduz? Qual é a voz que escutamos? A voz da política, a voz da opinião pública, a voz do comodismo e da instalação, a voz dos nossos privilégios, a voz do êxito e do triunfo a qualquer custo, a voz da novela? A voz da televisão?

Cristo é o nosso Pastor! Ele conhece as ovelhas e as chama pelo nome, mantendo com cada uma delas uma relação muito pessoal. Diz – nos o Senhor: “Conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem ” (Jo 10, 14). Verdadeiramente, Jesus “conhece – nos”, de maneira ainda mais profunda de quanto nos conhecemos a nós mesmos, e Ele tem um plano para cada um de nós. Sabemos também que onde quer que Ele nos chame, encontraremos felicidade e satisfação; com efeito, encontrar-nos-emos a nós próprios ( Mt 10, 39).

Todos os anos a Igreja nos faz recordar, esta definição que Jesus deu de si mesmo, sendo vista à luz da sua paixão, morte e ressurreição: “O bom pastor oferece a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10, 11): estas palavras realizaram-se plenamente quando Cristo, obedecendo de maneira livre à vontade do Pai, se imolou na Cruz por cada uma das suas ovelhas.

Na última aparição, pouco antes da Ascensão, Cristo ressuscitado constitui Pedro como pastor do seu rebanho.  Cumpre-se então a promessa que fizera pouco antes da Paixão: “Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22,32).  E como bom pastor, conforme diz a tradição, Pedro também morrerá pelo seu rebanho. E às margens do lago de Tiberíades disse certa vez Jesus a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,16-17). Estas últimas palavras indicam como sua o mandato confiado a Pedro: Guardar todo o rebanho do Senhor.  E apascentar equivale a dirigir e governar. Pedro é constituído pastor e guia de toda a Igreja. Com isto, podemos dizer que também cada sacerdote é destinatário deste convite de Jesus no apascentar o rebanho que é todo e só do Senhor.

Talvez alguém se assustaria com a afirmação tão clara que os filhos da Igreja ousam dizer nos tempos atuais: a Igreja de Cristo é a Igreja Católica. Contudo, isso é verdade: a Igreja que Jesus Cristo quis e fundou é a Igreja Católica, a única Igreja de Cristo, entregue a Pedro e aos demais Apóstolos. “Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como uma sociedade, subsiste na (“subsistit in”) Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele” (LG 8).

Hoje é também jornada mundial de oração pelas vocações sacerdotais e religiosas. Peçamos ao Senhor, Bom Pastor, que dê à Igreja e ao mundo pastores segundo o seu coração, pastores que, nele e com ele, estejam dispostos a fazer da vida uma total entrega pelo rebanho; pastores que tenham sempre presente qual a única e imprescindível condição para pastorear o rebanho do Bom Pastor: “Simão, tu me amas? Apascenta as minhas ovelhas!” (Jo 21,15s). Eis a condição: amar o Pastor! Quem não é apaixonado por Jesus não pode ser pastor do seu rebanho! Não se trata de competência, de eficiência, de vedetismo ou brilhantismo; trata-se de amor! Se tu amas, então apascenta! Como dizia Santo Agostinho, “apascentar é ofício de quem ama”. 

A consequência desta identificação de Jesus como verdadeiro e bom Pastor, está ainda na afirmação que encontramos na segunda Leitura da liturgia da Palavra deste domingo: “Vede com que amor nos amou o Pai…” (1Jo 3,1). 

Que o Senhor nos dê os pastores que sejam viva imagem dele; que Cristo nos faça verdadeiras ovelhas do seu rebanho. 
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Leituras: At 4,8-12; Sl 117; 1Jo 3,1-2; Jo 10,11-18

Este Quarto Domingo da Páscoa é conhecido como Domingo do Bom Pastor, pois nele se lê sempre um trecho do capítulo 10 de São João, onde Jesus se revela como o Bom Pastor. Mas, o que isso tem a ver com o tempo litúrgico que ora estamos vivendo? A resposta, curta e graciosa, encontra-se na antífona de comunhão que o Missal Romano traz: “Ressuscitou o Bom Pastor, que deu a vida pelas ovelhas e quis morrer pelo rebanho!” Aqui está tudo!

A declaração de Pedro na primeira leitura – “Jesus se converteu em pedra angular; nenhum outro pode salvar e, sob o céu, não foi dado nenhum outro nome que possa nos salvar” – recorda-nos que Deus, por meio de seu Filho, fala a todos os seres humanos. E para reforçar sua proclamação de caráter querigmático, Pedro introduz uma alusão ao Antigo Testamento (Salmo 118,22: “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular”), revelando o plano divino a que pertence tudo o que havia acontecido. Todavia, Pedro faz uma modificação no texto dos Salmos para aplicá-lo a Jesus. É necessário que os “outros” possam escutar a voz do único e verdadeiro pastor. Pedro não economiza palavras para afirmar que o nome de Jesus é a fonte de poder acerca da qual haviam perguntado.

Pedro fala inspirado pelo Espírito Santo e introduz o Espírito em sua função de inspirador da declaração profética em um momento crucial. O apóstolo dirige sua explicação não somente às autoridades religiosas de Jerusalém, mas também a todo Israel. Dessa forma, continua seu testemunho apostólico em Jerusalém, ao mesmo tempo que o transforma em um discurso missionário dirigido a todo Israel. Em seu discurso, Pedro repete a essência do querigma primitivo, isto é, crucificação-morte-ressurreição, e ressalta o contraste entre “vós” e “Deus”, entre a conduta humana culpável e a ação corretiva e curadora de Deus.

Conforme a mensagem de Jesus vai sendo anunciada e as pessoas vão mudando radicalmente de vida, as autoridades se sentem incomodadas. O texto da primeira leitura incomoda e revela a complexidade do ser humano revelada nas palavras de Pedro: “estamos sendo interrogados porque fizemos o bem”. Parece que a perplexidade de Pedro também é a nossa! Mas a mensagem de Jesus não pode ficar aprisionada. Trata-se de uma palavra para atingir diretamente o coração das pessoas. Por isso, Pedro discursa cheio do Espírito Santo. Ele não fala de si mesmo, e sim da perspectiva do reino. É corajoso ao denunciar as autoridades como responsáveis pela morte de Jesus. Pedro não teme as autoridades. Sua vida está completamente entregue e dedicada a Jesus. 

Nossa posição relativamente a Deus é maravilhosa, ou seja, uma posição que nos permite ser chamados de filhos de Deus (2ª leitura). Mas devemos notar que esse é um privilégio dado a cada um de nós. Uma posição outorgada por Deus. Por conta disso, não desenvolvemos a arrogância, como se a filiação divina fosse uma conquista nossa. O que somos não depende de nós, mas do Deus que em nós habita.

Nesse sentido, há um passivo teológico. A posição que adquirimos não é fruto de nossa inteligência, de algum conhecimento secreto, de nossos esforços ou ainda de alguma presumida integridade de vida. A ação que transforma vem de fora para dentro. Trata-se de ação divina e, por isso, tem em Deus tanto o princípio quanto o final de todas as coisas.

Nossa posição em Cristo nos faz conhecidos por ele e conhecedores dele. Mas também estabelece o contraste com o mundo. O mundo não nos conhece porque também não conheceu a Deus. Desde o início são enfatizados, portanto, dois estilos de vida: um marcado pelo amor e pela prática da justiça e outro fundamentado no ódio e na prática da injustiça.

A terceira leitura nos propõe a figura do bom pastor. Nela se diz que o mercenário, para quem as ovelhas realmente não possuem nenhum valor, as abandona e foge ao menor sinal de perigo. Gregório Magno (540-604) faz uma belíssima aproximação dessa passagem: “Fora do caso de perigo, não parece tão fácil saber quem é pastor e quem é mercenário. Com efeito, se o tempo de calmaria fosse prolongado, tanto o mercenário quanto o pastor vigiariam o rebanho. Somente a chegada do lobo demonstra com que espírito cada um cumpre suas funções. O lobo se apodera das ovelhas quando um homem iníquo ou um bandido intenta oprimir aos crentes. Aquele que tinha apenas aparência de pastor, porém sem de fato o ser, abandona, portanto, as ovelhas e foge. Como teme pelo perigo, não tem coragem suficiente para se opor aos ataques injustos. E foge, não já no sentido de que abandone seu lugar, mas porque nega aos fiéis o apoio que esperavam. Foge porque, havendo comprovado a injustiça, se cala. Foge no sentido de que se fecha em uma absoluta solidão”.

A crítica formulada pelo Evangelho de João se refere a certos líderes do judaísmo e da Igreja primitiva. Trata-se de como servimos à comunidade com os nossos dons e capacidades. Estamos dispostos a entregar nossa capacidade, nosso tempo, nossas competências para o bem daqueles que lideramos? Ou de fato preferimos uma mentalidade de mercenários à solicitude do verdadeiro pastor? No Antigo Testamento, particularmente em Ezequiel 34, encontramos palavras que criticam os pastores (reis e governantes) que pastoreiam a si mesmos: “Ai dos pastores de Israel que são pastores de si mesmos […]. Não é do rebanho que os pastores deveriam cuidar?” E, logo a seguir, Javé é descrito como o Bom Pastor: “Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas para cuidar delas […]. Eu mesmo conduzirei minhas ovelhas para o pasto e as farei repousar” (Ez 34,15).

Em João 10,11-18, por duas vezes Jesus se expressa dizendo que é o Bom Pastor: “Eu sou o Bom Pastor” (vv. 11 e 14), enfatizando, possivelmente, o contraste e a diferença em seu modo de agir. Diferentemente dos mercenários, ele não busca os próprios interesses. O centro de sua preocupação é a vida plena da comunidade. Jesus se descentraliza e caminha em direção aos outros. Enquanto os mercenários se fecham em si mesmos e se utilizam dos outros para seu benefício pessoal, a relação de Jesus com as ovelhas é de plena identificação. Não há muros ou barreiras que causem obstáculos. Cria-se relacionamento interpessoal entre ambos: “Conheço minhas ovelhas e elas me conhecem”.

“Eu sou o bom pastor” – disse Jesus. O adjetivo grego usado para “bom” significa mais que bom: é belo, perfeito, pleno, bom. Jesus é, portanto, o pastor por excelência, aquele pastor que o próprio Deus sempre foi. Pela boca do profeta Ezequiel, Deus tinha prometido que ele próprio apascentaria o seu rebanho: “Eu mesmo cuidarei do meu rebanho e o procurarei. Eu mesmo apascentarei o meu rebanho, eu mesmo lhe darei repouso” ( Ez 34,11-16). Pois bem: Jesus apresenta-se como o próprio Deus pastor do seu povo!

Mas, por que ele é o Belo, o Perfeito, o Pleno Pastor? Escutemo-lo, caríssimos: O bom Pastor dá a vida por suas ovelhas. É por isso que o Pai me ama: porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente. Ninguém tira a minha vida; eu a dou por mim mesmo! Tenho o poder de entregá-la e o poder de retomá-la novamente; esse é o preceito que recebi do meu Pai”. Amados irmãos, são palavras de intensidade inexaurível, essas! Jesus é o Pastor perfeito porque é capaz de dar a vida pelas ovelhas: ele as conhece, ou seja, é íntimo delas, as ama, e está disposto a dar-se totalmente pelo rebanho, por nós! E, mesmo na dor, faz isso livremente, em obediência amorosa à vontade do Pai por nós! Por amor, morre pelo rebanho; por amor ressuscita para nos ressuscitar! Nós jamais poderemos compreender totalmente este mistério! Jesus diz que conhece suas ovelhas como o Pai o conhece e ele conhece o Pai! É impossível penetrar em tão grande mistério! Conhecer, na Bíblia, quer dizer, ter uma intimidade profunda, uma total comunhão de vida. A comunhão de vida entre o Pai e o Filho é total, é plena. Pois bem, Jesus diz que essa mesma comunhão ele tem com suas ovelhas. E é verdade! No Batismo, deu-nos o seu Espírito Santo, que é sua própria vida de ressurreição; na Eucaristia, dá-se totalmente a nós, morto e ressuscitado, pleno desse mesmo Espírito, como vida da nossa vida! De tal modo é a união, de tal grandeza é a comunhão, de tal profundidade é a intimidade, que ele está em nós e nós estamos mergulhados, enxertados e incorporados nele! De tal modo, que somos uma só coisa com ele, seja na vida seja na morte! De tal sorte ele nos deu o seu Espírito de Filho, que São João afirma na segunda leitura de hoje: “Somos chamados filhos de Deus. E nós somos de fato!” Compreendamos, irmãos: somos filhos de verdade, não só figurativamente! Somos filhos porque temos em nós a mesma vida, o mesmo Espírito Santo que agora plenifica o Filho ressuscitado! E São João continua, provocante: “Se o mundo não nos conhece, é porque não conheceu o Pai!” Ou seja: se, para o mundo, nós somos apenas uns tolos, uns nada, se o mundo não consegue compreender essa maravilhosa realidade – que somos filhos de Deus – é porque também não experimentou, não conheceu que Deus é o Pai de Jesus, o Filho eterno, o Bom Pastor, que nos faz filhos como ele é o Filho único, agora tornado primogênito de muitos irmãos! Mas, a Palavra de Deus nos consola e anima: “Quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é!” Este é o destino da humanidade, este é o nosso destino: ser como Jesus ressuscitado, trazer sua imagem bendita, participar eternamente da sua glória! Para isso Deus nos criou desde o princípio! Não chegar a ser como Jesus ressuscitado, não ressuscitar com ele – nesta vida já pelos Sacramentos, e na outra, na plenitude da glória – é frustrar-se. E isso vale para todo ser humano, pois “em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos!” Por isso mesmo, Jesus afirma hoje, pensando nos não-cristãos: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Também a elas devo conduzir; elas escutarão a minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor!”

Caríssimos, voltemos o nosso olhar para Aquele que foi entregue por nós e por nós ressuscitou. Olhemos seu lado aberto, suas mãos chagadas. Quanto nos ama, quanto se deu a nós! Agora, escutemo-lo dizer: “”Eu sou o bom Pastor! Eu conheço as minhas ovelhas! Eu dou a minha vida pelas ovelhas!” Num mundo de tantas vozes, sigamos a voz de Jesus! Num mundo de tantas pastagens venenosas, deixemos que o Senhor nos conduza às pastagens verdadeiras, que nos dão vida plena e sacia nosso coração! Num mundo que nos tenta seduzir com tantos amores, amemos de todo coração Aquele que nos amou e por nós se entregou ao Pai!

PARA REFLETIR

“Todos ficavam admirados com o seu ensinamento, 
pois ensinava como quem tem autoridade, não como os escribas”.

Caríssimos, hoje a Palavra a nós proclamada mostra o Senhor ensinando. O Evangelho nos dá conta que seu ensinamento causava admiração. E por quê? Porque Jesus não é um simples mestre, um mero rabi… Vocês escutaram na primeira leitura o que Moisés prometera – ou melhor, o que Deus mesmo prometera pela boca de Moisés: “O Senhor teu Deus fará surgir para ti, da tua nação e do meio de teus irmãos, um profeta como eu: a ele deverás escutar!” Eis! Moisés, o grande líder e libertador de Israel, aquele através do qual Deus falava ao seu povo e lhe dera a Lei, anuncia que Deus suscitará um profeta como ele. E os judeus esperavam esse profeta. Chegaram mesmo a perguntar a João Batista: “És o Profeta?” (Jo 1,21), isto é, “És o Profeta prometido por Moisés?” Pois bem, caríssimos: esse Profeta, esse que é o Novo Moisés, esse que é a própria Palavra de Deus chegou: é Jesus, nosso Senhor! Como Moisés, ele foi perseguido ainda pequeno por um rei que queria matar as criancinhas; como Moisés, ele teve que fugir do tirano cruel, como Moisés, sobre o Monte – não o Sinai, mas o das Bem-aventuranças – ele deu a Lei da vida ao seu povo; como Moisés, num lugar deserto, deu ao povo de comer, não mais o maná que perece, mas aquele pão que dura para a vida eterna. Jesus é o verdadeiro Moisés; e mais que Moisés, “porque a Lei foi dada por meio de Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1,17). Jesus é a plenitude da Lei de Moisés, Jesus não é somente um profeta, mas é o próprio Deus, Senhor dos profetas, Senhor de Moisés! Moisés deu testemunho dele no Tabor e cairia de joelhos a seus pés se o encontrasse. Jesus, caríssimos, é a própria Palavra do Pai feita carne, feita gente, habitando entre nós!

Mas, essa Palavra não é somente voz, sopro saído da boca. Essa Palavra que é Jesus é tão potente (lembrem-se que tudo foi criado através dela!), que não somente fala, mas faz a salvação acontecer. Por isso os milagres de Jesus, suas obras portentosas: para mostrar que ele é a Palavra eficaz e poderosa do nosso Deus. Ao curar um homem atormentado na sinagoga de Cafarnaum, Jesus nosso Senhor mostra toda a sua autoridade, seu poder e também o sentido de sua vinda entre nós: ele veio trazer-nos o Reino de Deus, do Pai, expulsando o reino de Satanás, isto é, tudo aquilo que demoniza a nossa vida e nos escraviza! – Obrigado, Senhor, Jesus, pela tua vinda! Obrigado pela tua obra de libertação! Muito obrigado porque, em ti, tudo é Palavra potente: tua voz, tuas ações salvadoras, teu modo de viver, teus exemplos, tuas atitudes! Tu não somente tens palavras de vida eterna; tu mesmo és a Palavra de Vida! Obrigado! Dá-nos a capacidade de escutar-te sempre!

Meus caros, se Jesus é essa Palavra potente, Palavra de vida, então viver sua Palavra é encontrar verdadeiramente a vida e a liberdade. Na leitura do Deuteronômio que escutamos, Deus dizia, falando do Profeta que haveria de vir: “Porei em sua boca as minhas palavras e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe mandar. Eu mesmo pedirei contas a quem não escutar as minhas palavras que ele pronunciar em meu nome”. Ora, caríssimos, se Jesus é a Palavra de Deus, então é nele que encontramos a luz para os nossos passos e o rumo da nossa existência. Num mundo como o nosso, que prega uma autonomia louca do homem em relação a Deus, uma autonomia contra Deus, nós que cremos em Jesus, devemos cuidar de nos converter sempre a ele, escutando sua palavra. Ele nos fala, caríssimos: fala-nos nas Escrituras, fala-nos na voz da sua Igreja, fala-nos íntimo do coração, fala-nos na vida e nos acontecimentos… Certamente, ouvi-lo não é fácil, pois muitas vezes sua palavra é convite a sairmos de nós mesmos, de nossos pensamentos egoístas, de nossas visões estreitas, de nossa sensibilidade quebrada e ferida pelo pecado. Sairmos de nós para irmos em direção ao Senhor, iluminados pela sua santa palavra – eis o que Cristo nos propõe hoje!

É tão grande a bênção de encontrar o Senhor, de viver nele e para ele, que São Paulo chega mesmo a aconselhar o celibato, para estarmos mais disponíveis para o Senhor. Vocês escutaram a segunda leitura da Missa deste hoje. O Apóstolo recomenda o ficar solteiro, não por egoísmo ou ódio ao matrimônio, mas para ter mais condições de ser solícitos para com as coisas do Senhor e melhor permanecer junto ao senhor. É este o sentido do celibato dos religiosos e dos padres diocesanos: recordar ao mundo que Cristo é o Senhor absoluto de nossa vida e que por ele vale a pena deixar tudo, para com ele estar, para, como Maria irmã de Marta, estar a seus pés, escutando-o e para ele dando o melhor de nós. O celibato, que num mundo descrente e sedento de prazer sensual, é um escândalo, para os cristãos é um sinal do primado de Cristo e do seu Reino.

Rezemos para que aqueles que prometeram livremente viver celibatariamente cumpram seus compromissos com amor ao Senhor e à Igreja. Rezemos também para que os cristãos saibam ver no celibato não uma armadilha ou uma frustração, mas um belíssimo sinal profético, um verdadeiro grito de que Deus deve ser amado por tudo e em tudo, acima de todas as coisas. Se os casados mostram a nós, celibatários, a beleza do amor conjugal e do mistério de amor esponsal entre Cristo e a Igreja, nós, solteiros pelo Reino dos Céus, mostramos aos casados e ao mundo que tudo passa e tudo é relativo diante da beleza, da grandeza e do absoluto dAquele que Deus nos enviou: o seu Filho bendito, sua Palavra eterna, Verdade que ilumina, liberta e dá vida. A ele a glória para sempre. Amém.

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