quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Comunicado do Capítulo Geral Extraordinário dos Legionários de Cristo sobre o caminho de renovação que estão percorrendo


1.            O Capítulo Geral Extraordinário, reunido em Roma sob a presidência do Delegado Pontifício, Card. Velasio De Paolis, emite este comunicado sobre o caminho de renovação que estamos percorrendo. Dirigimo-nos a todas as pessoas que seguiram com atenção os recentes acontecimentos em nossa congregação religiosa e especialmente aos nossos irmãos legionários de Cristo, leigos consagrados, as consagradas e aos demais membros e amigos do Movimento Regnum Christi. 

2. Esta é a primeira reunião do Capítulo Geral desde 2005. Sendo o Capítulo a mais alta autoridade interna que representa toda a congregação, vimos a necessidade de pronunciar-nos sobre os acontecimentos significativos dos últimos nove anos. Com isso, queremos definir de maneira conclusiva a postura da nossa congregação sobre os comportamentos do Pe. Marcial Maciel e seu papel de fundador em continuidade com as disposições da Santa Sé e com a anterior declaração de todos os superiores maiores da Legião de Cristo1. Além disso, oferecemos algumas reflexões iniciais sobre os pontos mais importantes do processo de renovação da nossa congregação. Durante as próximas semanas, nós, padres capitulares, continuaremos a análise dos diversos temas que devemos atender e daremos orientações ao novo governo da Legião para o caminho futuro. 

3. Ao ponderar a gravidade do mal e o escândalo causado, nos vemos sob o olhar misericordioso de Deus que com a sua providência continua guiando nossos passos. Unindo-nos a Jesus Cristo, esperamos poder redimir nossa dolorosa história e vencer com o bem as consequências do mal. Só assim podemos encontrar sentido evangélico aos acontecimentos, e construir nosso futuro sobre os sólidos fundamentos da confiança em Deus, da fidelidade à Igreja e à verdade. 

4. Desta perspectiva consideramos os comportamentos gravíssimos e objetivamente imorais do Pe. Maciel que mereceram as sanções que no seu momento a Congregação para a Doutrina da Fé justamente lhe impôs2. O nosso Fundador faleceu em 2008 e suplicamos para ele a misericórdia de Deus. Ao mesmo tempo queremos expressar o nosso profundo pesar pelo abuso de seminaristas menores de idade, os atos imorais com homens e mulheres adultos, o uso arbitrário da sua autoridade e bens, consumo desmedido de medicamentos aditivos e o facto de apresentar escritos de terceiros como próprios. É incompreensível a incoerência de ter-se continuado a apresentar durante décadas como sacerdote e testemunha de fé enquanto ocultava essas condutas imorais. Reprovamos tudo isso firmemente. Dá-nos muita pena que muitas vítimas e pessoas afetadas esperaram em vão uma petição de perdão e reconciliação por parte do Pe. Maciel e hoje queremos fazê-la nós mesmos, expressando a nossa solidariedade a todas elas. 


5. Os padres capitulares escutamos como os superiores maiores da congregação foram conhecendo esses aspectos escondidos da vida do nosso fundador, como tentaram discernir a resposta que deveriam dar, tendo em conta as exigências éticas e morais, e como realizaram o processo de comunicação. Junto a eles, hoje reconhecemos com tristeza a incapacidade inicial de acreditar nos testemunhos das pessoas que foram vítimas do Pe. Maciel, o longo silêncio institucional e, mais adiante, as indecisões e erros de juízo na hora de informar os membros da congregação e as outras pessoas. Pedimos perdão por essas deficiências que aumentaram a dor e o desconcerto de muitos. 

6. Devido a esses fatos e situações, nossa congregação religiosa poderia ter desaparecido se não nos tivesse acompanhado a misericórdia de Deus e o amparo maternal da Igreja, expressada através das decididas intervenções de Sua Santidade o Papa Bento XVI. O Papa considerou que a Legião de Cristo, em termos gerais, era uma comunidade sã, mas que deveria fazer correções3. A ajuda da Santa Sé foi imprescindível para descobrir como a personalidade e o modo de atuar do Pe. Maciel estava afetando a nossa congregação religiosa. De fato, a visita apostólica – realizada por mandato do Papa entre 2009 e 2010 – comprovou que “a conduta do Pe. Marcial Maciel, causou serias consequências na vida e estrutura da Legião, até o ponto de ser necessário um caminho de profunda revisão”4. Os visitadores destacaram sobre tudo três campos: a redefinição do carisma, o exercício da autoridade e a adequada formação5. O Papa quis “acompanhar, sustentar e orientar esse caminho” por meio de um delegado, “confiando-lhe o cargo de governar no meu [seu] nome tal instituto religioso durante o tempo que fosse necessário para completar o caminho de renovação e conduzi-lo à celebração de um Capítulo Geral Extraordinário que terá como principal fim realizar a revisão das Constituições”6. 

7. Os padres capitulares escutamos os informes do Delegado Pontifício e do nosso pró-Diretor Geral sobre o trabalho realizado nesses três anos e meio. Queremos compartilhar sinteticamente a análise de alguns aspectos relativos ao que a visita apostólica detectou e recomendou. Sabemos que este é o início do caminho e que ainda há muito por fazer. Estamos comprometidos a continuar com humildade esse processo de renovação e conversão. 

a. No campo da revisão do nosso carisma7, o delegado pontifício nos guiou em primeiro lugar a uma compreensão adequada do papel do Pe. Maciel e sua relação com a Legião. A congregação esclareceu no passado que não pode propor o Pe. Maciel como modelo, nem seus escritos pessoais como guia de vida espiritual8. Reconhecemos a sua condição de fundador. Contudo, uma congregação religiosa e suas características essenciais não tem origem na pessoa do fundador; são um dom de Deus que a Igreja acolhe e aprova e que depois vive no instituto e nos seus membros. 
Uma compreensão inadequada do conceito de Fundador, a exaltação excessiva e a visão acrítica da pessoa do Pe. Maciel, nos levou muitas vezes a dar um valor universal às suas indicações e a basear-nos exageradamente nelas. Por isso, na revisão das atuais constituições, uma das tarefas principais foi separar o que realmente expressa o património carismático da nossa Congregação de outros elementos acidentais. Além disso, asseguramos a conformidade de todo o nosso direito próprio com as normais universais da Igreja. Os três anos de processo de revisão foram semelhantes a um prolongado exame de consciência comunitário para descobrir e purificar o que em nosso comportamento pessoal e institucional, não era próprio da vida religiosa. Constatamos algumas tendências que ofuscaram a compreensão do nosso carisma, entre outras coisas, a falta de uma maior inserção na Igreja local e uma insistência desmedida no próprio esforço, na eficácia humana, no prestígio externo e no comprimento minucioso das normas. Tudo isso exige não só uma mudança de textos legislativos, senão uma conversão contínua da mente e coração. 

Nestes anos chegamos a uma compreensão mais adequada da nossa inserção no Movimento Regnum Christi, a valorizar e a respeitar a vocação e a autonomia dos outros membros, especialmente dos homens e mulheres consagrados. Junto com eles começamos uma reflexão conjunta sobre o papel de cada ramo do Movimento, sobre o nosso carisma comum e sobre o modo de levar adiante o nosso apostolado. Os numerosos leigos do Regnum Christi são uma parte belíssima de nossa realidade eclesial e queremos fomentar ainda mais a comunhão e sustenta-la através do nosso ministério sacerdotal. 

b. No exercício da autoridade, o acompanhamento do delegado pontifício foi uma lição contínua e eficaz para colocar em prática tudo o que a Igreja indica sobre o governo dos institutos de vida religiosa. Buscamos introduzir uma clara separação entre o âmbito da consciência (direção espiritual e confissão), o fórum interno e o fórum externo (a guia do superior e a disciplina religiosa) para garantir melhor a liberdade e a intimidade de cada religioso. Com uma maior rotação de pessoas que ocupam diferentes postos de governo e com o acompanhamento no exercício da sua autoridade por parte de um conselho que se reúne periodicamente e analisa os assuntos mais importantes, tratamos de prevenir possíveis arbitrariedades e abusos. O Delegado Pontifício e alguns dos seus conselheiros pessoais participaram quase semanalmente nas reuniões do conselho geral e contribuíram com seus conhecimentos e experiência. Também se eliminou a fragmentação da autoridade, dada pela multiplicação exagerada de assistentes e auxiliares dos superiores e as competências que tinham designadas. Além disso, se instituíram consultas formais aos membros da congregação antes de realizar as nomeações de superiores e, frente a uma mudança de comunidade ou missão apostólica, se procura envolver o interessado para discernir melhor a vontade de Deus. Finalmente, graças à supressão de um dos votos particulares e às numerosas reuniões comunitárias para a revisão do texto constitucional, estamos aprendendo como compartilhar e debater livremente com os nossos irmãos, reflexões e sugestões sobre qualquer tema que abarque a vida e a missão da congregação. 

c. Na formação dos nossos religiosos, se verificou sobretudo a necessidade de melhorar o acompanhamento vocacional para que os noviços e religiosos amadureçam sua decisão pessoal diante de Deus antes de emitir sua profissão religiosa. Os informes mostraram que nesses últimos quatro anos não poucos sacerdotes e um grande número dos nossos irmãos deixaram a congregação. Em alguns casos, a causa foi o impacto negativo relacionado com as notícias sobre o fundador e o modo informa-las, mas também comprovamos carências no programa formativo e no nosso estilo de vida. Entre outras, devemos fomentar uma vivência mais profunda dos conselhos evangélicos, e o discernimento espiritual e a vida fraterna. A formação e a vida religiosa continuam sendo objeto de reflexão desse Capítulo e será uma das prioridades do próximo governo geral. 

8. Nos primeiros dias do Capítulo escutamos também o informe das duas comissões que o delegado pontifício instituiu: 

a. A “comissão de aproximação” atendeu as pessoas que solicitaram alguma ação por parte da Legião de Cristo por causa dos fatos que direta ou indiretamente estão relacionados com o Pe. Marcial Maciel. O presidente da comissão, Mons. Mario Marchesi, informou-nos sobre os 12 casos que se apresentaram. A comissão terminou o seu trabalho e nenhum caso da sua competência fica aberto. A congregação atuou em cada caso segundo a proposta da comissão. A escuta e a ajuda material às vítimas contribuiu – no humanamente possível – a aliviar suas feriadas e a fomentar a reconciliação. 

Agradecemos a todos os legionários pelo seu esforço de se aproximar a outras pessoas também afetadas e por se encontrar pessoalmente com elas. Pedimos ao novo governo que mantenham esse compromisso de continuar procurando a reconciliação. 

b. A “Comissão para o estudo e revisão da situação económica da Congregação dos Legionários de Cristo” tinha a finalidade de analisar a gestão económica e a situação financeira da congregação. O informe apresentado ao Capítulo por Mons. Mario Marchesi, membro da comissão, destaca que não se encontrou apropriação indevida de dinheiro ou outras irregularidades nos exercícios fiscais revisados. 

O primeiro aspecto urgente a atender nesse campo é a redução da dívida bancária, resultada de vários fatores: a expansão muito rápida das obras da congregação, a crise imobiliária mundial e a diminuição de doações. Em alguns países a dívida equivale a uma soma elevada, mas continua sendo manejável com as entradas e bens da congregação. 

Por outro lado, a comissão destacou a necessidade – e isso será tarefa do próximo governo geral – de ajustar e simplificar a estrutura administrativa para fomentar a responsabilidade própria dos superiores territoriais e locais, ambos os ramos consagrados do Regnum Christi e os diretores das obras de apostolado. 

O Capítulo Geral, como autoridade suprema da congregação, também teve à sua disposição uma ampla e detalhada documentação preparada pelo administrador geral e o informe das auditorias internas e externas das operações financeiras da congregação no mundo todo. 

9. As considerações de todos esses temas nos levaram a concluir que o caminho de uma “renovação autêntica e profunda”, confirmada pelo Papa Francisco9, progrediu, mas ainda não terminou. Os acontecimentos desses anos marcarão a identidade e a vida da nossa congregação. À luz da providência divina, podemos acolhê-los, afrontá-los e transformá-los em um elo para uma nova etapa da nossa história. Nas próximas semanas das reuniões capitulares concluiremos a revisão das nossas constituições para submetê-las à aprovação da Santa Sé e estabeleceremos prioridades e orientações para seguir com uma esperança renovada o caminho que a Igreja nos marcou, sob o cuidado atento das autoridades competentes. 

10. Concluímos essa mensagem com um agradecimento a Deus pelo seu amor misericordioso, à Igreja que nos guiou na pessoa do Sucessor de Pedro, à Sua Eminência o Cardeal Velasio De Paolis e aos seus quatro conselheiros pessoais, Sua Excelência Dom Brian Farrell LC, Pe. Gianfranco Ghirlanda SJ, Mons. Mario Marchesi e o Pe. Agostino Montan CSI, sua presença firme e respeitosa entre nós. 

Ao mesmo tempo agradecemos a todos os Legionários de Cristo por seu testemunho de fé, de entrega e de caridade fraterna que nos une apesar das nossas diferenças. De modo especial, pensamos naqueles sacerdotes mais velhos que durante tantos anos nos ofereceram um exemplo de autenticidade e de entrega à missão. Não podemos “perder de vista que sua [nossa] vocação, nascida do chamado de Cristo e animada pelo ideal de dar testemunho do seu amor no mundo, é um autêntico dom de Deus, uma riqueza para a Igreja e o fundamento indestrutível sobre o qual construir seu futuro pessoal e da Legião”10. 

Finalmente agradecemos aos membros do Regnum Christi e a tantas pessoas que nos acompanharam durante esses anos com sua oração e caridade. 

A todos aqueles nossos irmãos, religiosos e sacerdotes, que durante este período abandonaram a congregação, queremos expressar nosso pesar por já não tê-los entre nós. Pedimos-lhes sinceramente desculpa se não os escutamos e acompanhamos evangelicamente, e gostaríamos manter a amizade e o diálogo fraterno. 

Queremos pedir perdão e reafirmar nosso esforço de reconciliação com todos os que de um modo ou de outro foram feridos pelos tristes eventos desses anos e por nossas deficiências. 

Maria, Nossa Senhora das Dores, foi testemunha do poder redentor de Cristo que vence o mal e o pecado. Confiamos o nosso futuro a Ela, nossa Mãe, com muita esperança. 

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1 SUPERIORES MAIORES DA LEGIÃO DE CRISTO, Comunicado sobre as presentes circunstâncias da Legião de Cristo e do Movimento Regnum Christi, 25 de março de 2010. 
2 SALA DE IMPRESSA DA SANTA SÉ, Comunicado 19 de maio de 2006. 
3 CF. BENTO XVI, Luz del Mundo, Barcelona, 2010, pag. 51 (Edição espanhola). 
4 SALA DE IMPRESSA DA SANTA SÉ, Comunicado 01 de maio de 2010. 
5 Cf. Ibid. 
6 BENTO XVI, Carta de nomeação do Delegado Pontifício, 16 de Junho de 2010. 
7 Cf. Ibid. 
8 CF. SUPERIORES MAIORES DA LEGIÃO DE CRISTO, Comunicado sobre as presentes circunstâncias da Legião de Cristo e do Movimento Regnum Christi, 25 de março de 2010 e DIRETOR GERAL DA LEGIÃO DE CRISTO, decreto sobre critérios e disposições relacionados com a pessoa do Pe. Marcial Maciel, L.C., 06 de dezembro de 2010. 
9 FRANCISCO, Carta ao Cardeal Velasio De Paolis, 19 de junho de 2013. 
10 Exortação do Papa Bento XVI, cf. SALA DE IMPRENSA DA SANTA SÉ, Comunicado de 01 de maio de 2010. 

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(Este texto foi aprovado na reunião plenária do Capítulo Geral do dia 20 de janeiro de 2014. Tradução do original espanhol).
Fonte: Radio Vaticano

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