terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Sacerdotisas católicas: uma possibilidade?


Nesta semana, o papa Francisco deve ter franzido a testa ao ouvir o boato de que ele criaria mulheres cardeais. "De onde veio essa ideia?", indagou. Essa ideia vem das mesmas pessoas que, embora saibam que as mulheres não podem receber a ordenação sacerdotal, gostariam de ver mulheres diaconisas e até cardeais, já que, tecnicamente, os cardeais não precisam ser sacerdotes. A coisa toda tem a ver com o interminável debate sobre a ordenação de mulheres, assunto em que a Igreja anglicana tem tido um papel de destaque entre as igrejas históricas.
 
Na década de 1980, de fato, os membros da Igreja da Inglaterra estavam debatendo essa possibilidade. Sua irmã, a Igreja Episcopal dos Estados Unidos, já tinha dado sinal verde a essa prática em 1974. Várias outras igrejas nacionais, no seio da comunhão anglicana, seguiram a rota norte-americana.
 
Enquanto a Igreja da Inglaterra continuava o debate, observadores católicos e ortodoxos orientais analisavam a questão. Eu era padre da Igreja da Inglaterra na época e ouvia atentamente os prós e os contras. Para ser justo, os dois lados tinham argumentos interessantes. Não teria sido um debate tão apaixonado se não houvesse bons argumentos, diga-se de passagem.


As pessoas favoráveis à ordenação de mulheres argumentavam,com base na Sagrada Escritura, que "em Cristo não há homem nem mulher, nem escravo nem livre" (Gal3,28). Assim como a escravidão foi abolida muito embora fosse aceita nos tempos bíblicos, também as mulheres deveriam conquistar a plena igualdade. Os defensores dessa ideia diziam que a visão de Pedro, em Atos 11,sobre os animais que ele considerava impuros e que mesmo assim Deus lhe ordenava comer, significava que o Espírito Santo conduzia a Igreja por novas e radicais estradas, derrubando leis antigas para abraçar novas liberdades. Os proponentes da ordenação de mulheres afirmavam ainda que elas poderiam fazer o trabalho de um padre tão bem quanto um homem, e que, com certo carinho nas funções pastorais, poderiam ser até melhores do que o homem. Quando confrontados com o argumento de que homens e mulheres desempenham papéis complementares, eles respondiam que, se o sacerdócio fosse aberto a homens e mulheres, ele se tornaria plenamente humano, já que, precisamente, os homens e mulheres se complementam e tornariam mais completo o ministério.

 
Os que se opunham à ordenação de mulheres também argumentavam com base na Sagrada Escritura. Citavam São Paulo, que ditou que as mulheres não devem ensinar em posições de autoridade na Igreja (vide I Timóteo 2,11-15). Defendiam que a complementaridade masculina e feminina significa que mulheres e homens têm papéis diferentes, e não meras formas diferentes de exercer as mesmas funções. Ligavam a masculinidade ao papel do sacerdote mencionando o Cristo na Eucaristia e dizendo que, embora tivesse aceitado as mulheres de uma forma radical para a sua época, Jesus não escolheu nenhuma delas como apóstola. Os anglicanos com mentalidade mais católica diziam que a Virgem Maria já tinha dado a resposta feminina mais adequada ao Senhor: uma resposta de humilde submissão à vontade de Deus e, portanto,um exemplo não só para mulheres, mas para os homens também. Se as mulheres fossem ordenadas, aquele exemplo da resposta feminina à iniciativa masculina de Cristo ficaria perdido, diziam eles.
 
Os anglicanos tinham que lidar, enfim, com todos esses argumentos para decidir a polêmica.O assunto foi votado pelo Sínodo Geral,o órgão que dirige a Igreja da Inglaterra,e a ordenação de mulheres foi aprovada em 1992.As primeiras ordenações femininas na Igreja anglicana ocorreram em 1994. Desde então, mulheres também foram ordenadas bispas em várias províncias do mundo todo.A inovação foi recentemente aprovada na Inglaterra e no País de Gales.
 
Enquanto isso, permanece como lei canônica na Igreja católica que "só o batizado católico homem pode receber a ordenação sagrada" (§ 1577). O debate católico sobre a questão vem ofuscando a controvérsia anglicana. Em 1976, dois anos após as primeiras ordenações femininas na Igreja Episcopal, o Vaticano emitiu a Inter Insigniores, documento cujas conclusões afirmam, com base em várias razões doutrinais, teológicas e históricas, que a Igreja “não se considera autorizada a admitir mulheres na ordem sacerdotal”. No mesmo ano, porém, um estudo da Comissão Bíblica Pontifícia concordou que o Novo Testamento não é suficientemente claro a esse respeito: os membros da comissão admitiram, a partir da evidência bíblica, que a possibilidade da ordenação de mulheres poderia ser levada em consideração.
 
Mas a Igreja Católica não é adepta do “sola Scriptura”.Em 1994, ano em que a Igreja da Inglaterra começou a ordenar mulheres, o papa João Paulo II publicou a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalise declarou: "A fim de que toda dúvida seja removida a respeito de um assunto de tão grande importância, eu declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja".Para esclarecer a questão ainda mais, a Congregação para a Doutrina da Fé afirmou em 1995que, embora a carta apostólica do papa João Paulo II não fosse em si mesma “infalível”, ela faz parte do “magistério universal e ordinário infalível da Igreja,o que requer assentimento definitivo”.
 
Roma falou, causa encerrada.
 
No entanto, certos grupos de ativistas continuam tentando mudar a doutrina da Igreja. Alguns vão longe o suficiente para ordenar mulheres ilicitamente e continuar afirmando mesmo assim que são "fiéis católicos".
 
A visão do papa Francisco sobre o assunto é iluminadora. Em seus comentários sobre a possibilidade de mulheres cardeais, ele disse que as pessoas que estão pressionando querem “clericalizar as mulheres”. E uma parte importante da missão do papa Francisco é justamente a de reorientar a Igreja para longe do exagerado controle clerical.

 
Ele quer que os leigos,sejam homens,sejam mulheres, ouçam o chamado a evangelizar e a se envolver na emocionante “bagunça” de viver e proclamar o Evangelho. Ele sabe que precisamos de sacerdotes para os sacramentos, para ensinar a fé e para governar aIgreja, mas sabe também que a missão do sacerdote não é um fim em si mesma. A missão do clero é servir constantemente e ajudar os fiéis a viver em plenitude a sua vocação no mundo. Concentrar-se apenas nos padres e nos bispos é perder o foco.Adicionar ainda mais categorias ao clero é prejudicar a proposta original.
 
Em vez de criar sacerdotisas, o próprio sacerdócio deve se tornar, mais claramente, um ramo da vocação de todo o povo de Deus. Ironicamente, ao insistir em não ordenar mulheres, a Igreja católica,muito longe de ser uma instituição antiquada e ultrapassada,está mostrando a todos os cristãos o caminho para um novo modelo de ministério, em que o clero, a exemplo de Cristo, existe “para servir e não para ser servido”. Em vez de se agarrar ao poder, o clero deve capacitar o povo de Deus para ser o Corpo dinâmico de Cristo no mundo.


Pe. Dwight Longenecker

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Disponível em: Aleteia

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